Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Para não esquecer

QUALIDADE NA TV

CARTAS

O controle do rádio e da TV são essenciais, infelizmente. Não podemos nunca esquecer o que a Rede Globo fez com Lula naquela famosa edição do debate com Collor, na véspera da eleição.

Sérgio Araújo

Bem, como fui citado nominalmente pela articulista Vera Silva [ver remissão abaixo], vejo-me no dever de comentar suas colocações.

"Que polêmica terrível gerou a portaria ministerial! É tão grande a confusão que até a Constituição está sendo acusada de censurar a livre expressão. Pode? Um leitor chegou a escrever ao Observatório da Imprensa que "respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família era um termo ambíguo que cheirava a moralidade obtusa." (Paulo Afonso Graner Fessel, 12/10/2000)."

Parece que a Sra. Vera Silva ou não entendeu o que quis dizer sobre esse artigo da Constituição ou então inverteu intencionalmente o sentido de minhas palavras. Nunca disse que a Constituição cerceia esse direito. Ao contrário, a Constituição o garante – inclusive de influências religiosas ou de grupos sociais, exatamente por não definir exatamente que valores são esses. Tanto que, em minha correspondência original, perguntei a todos quais os valores melhores que outros em nossa sociedade. Até agora, ninguém me respondeu.

"Fiquei a me perguntar por que causaria tanta polêmica indicar a faixa etária mais apropriada à compreensão de um programa ou limitar o aparecimento de temas que a Constituição do país considera não interessar à sociedade."

Ah, bom, por um lado então agora é "indicação". Porque os artigos originais deixaram agitadinhos todos aqueles que querem a volta da tesoura no país. E aí entra, sub-repticiamente, a "limitação". Se isso não é censura, não sei mais então o que é.

"Mas, eu não havia percebido ainda que a origem do problema estava na nossa dificuldade de saber o que são valores éticos e sociais da pessoa e da família. Parece que o longo tempo em que estivemos mergulhados na censura ao pensamento, cultivando o pensamento único como a meta da modernidade, afetou nossa percepção daquilo que ocorria na verdade: um extenso treinamento para que aceitássemos que aquilo que a maioria pensa é a verdade, é o que é bom."

Pois é. A maioria agora pensa que é bom instituirmos a censura, de acordo com a Urn@ Eletrônic@. Eu não acho que seja, e portanto sou minoria. Está vendo como é possível aplicar a segunda frase de seu parágrafo em um ou em outro sentido?

"A chamada pesquisite, como o jornalista Alberto Dines chama a nossa mania de aferir opiniões sem respaldo estatístico, é um dos indícios disto. Na TV ela é chamada de Índice de Audiência, ou ibope pelos menos entendidos. Altas audiências validam programas e idéias. É claro que também as "boas intenções" dos seus criadores: se tantos aprovam, é bom."

Esse parágrafo levanta duas questões:

1) Tem-se usado muito aqui no O. I. o fato de que grande parte da população – consultada pelo projeto Urn@ Eletrônic@ – está apoiando a volta da censura aos meios de comunicação. Dessa maneira, o programa e a idéia de censura é validada. Se tantos aprovam, é bom. No que difere este raciocínio do apresentado pela articulista? Não é uma espécie de massificação de um conceito? "Ah, mas é que esse desejo está emanando do povo…" Da mesma maneira, se os programas ruins estão no ar é porque de certa forma, o povo os quer lá – ou, o que é pior ainda, mesmo não querendo os assiste. Pergunto: a culpa é dos programas ruins ou do povo? Ou ainda do próprio Estado, que não dá educação à maior parte das pessoas para que estas possam discernir o que é bom do que é ruim?

2) Se a questão é ter respaldo estatístico: existe respaldo estatístico de que a programação televisiva, tal como a temos hoje – ruim que dói – aumenta a criminalidade e os casos de gravidez precoce? Se for o caso, serei o primeiro a concordar que alguma coisa deve ser feita a respeito. De qualquer forma, a minha "alguma coisa" passa por educar as pessoas, e não "jogar fora o bebê com a água do banho" (que é o que a censura faz, exatamente).

"Na política, se a maioria elege, o político é bom, o partido tem respaldo para fazer o que quiser, quando assumir o governo, mesmo que a maioria de seus eleitores seja de pessoas no limiar da miséria, que tiveram seus votos comprados por alguns poucos reais."

Ou seja, acabam-se com as eleições porque muitos eleitores são comprados? E o sistema, que é o que faz as pessoas estarem muitas vezes "no limiar da miséria, que tiveram seus votos comprados por alguns poucos reais" fica intocado? Nesse caso, por que não mudar o sistema? Vai exigir muito, né? Vai exigir da gente a solidariedade que nós não temos… Vai exigir mudança de hábitos, que estão tão arraigados que deles vai ser difícil nos livrarmos.

"Assim, perdemos o referencial ético-moral em que se deveria basear todo o nosso comportamento, a ponto de não sabermos mais o que é isto e temermos que alguém nos aponte o caminho errado. De tanto não pensar, duvidamos de tudo, tememos tudo, desconfiamos de tudo."

Repito: questões éticas e morais não são coletivas. São individuais. Alguns aspectos da ética e da moral podem se manifestar coletivamente, mas em última instância quem toma a decisão é o indivíduo. Claro que há valores éticos e morais sobre os quais partes da sociedade podem entrar em consenso, mas mesmo esse consenso é fruto da decisão individual.

"Mas não é a censura que tememos. Tememos ser obrigados a fazer algo que não queremos, porque alguém que detém o poder assim determinou. E na caminhada rumo ao medo estamos o tempo todo apedrejando o poder, para lembrá-lo que o povo é quem manda na democracia. Estamos o tempo todo acusando de assassinos da liberdade aqueles que pretendem ensinar a moderação às crianças, ou colocar limites à volúpia de liberdade."

"Volúpia da liberdade". Essa foi ótima. Poderia me escangalhar de rir, se não fosse pra chorar.

De resto, nunca pretendi não ensinar moderação às crianças e jovens. Minha formação, inclusive, foi marcada por um controle bastante restrito (veja a minha réplica aos comentários feitos pelo Alberto Dines). O que defendo é que esse controle deve ser tão somente dos pais, e não deve ser exercido pelo Estado. A partir do momento em que o Estado volta a fazer esse controle, os pais assumem sua própria incapacidade de estabelecerem limites aos próprios filhos.

"A ambigüidade do termo "valores éticos e sociais" reside na nossa ignorância da história da humanidade, pois estes valores nunca mudaram ao longo da história, são sempre os mesmos. Em todos os textos sagrados de todas as religiões e em todos os textos da tradição humana."

Os índios brasileiros comiam carne humana e consideravam isso uma homenagem ao inimigo derrotado/capturado. Os índios brasileiros eram polígamos e praticavam o sexo de uma forma que só pode ser intitulada de "promíscua". Isso os torna menos gente do que nós, mesmo tendo valores tão diferentes? Os hindus celebrizaram o sexo em suas religiões de uma maneira tal que muitas de suas obras de arte foram consideradas ofensivas ao gosto ocidental e cristão. Isso torna os valores dos hindus piores que os nossos?

São três pequenos exemplos. Qualquer antropólogo será capaz de levantar muitos mais. Agora, se a articulista se referiu aos textos sagrados de todas as religiões judaico-cristãs e em todos os textos da tradição humana ocidental, aí talvez você tenha um caso. O problema é que o mundo – e por conseqüência, o homem – é muito maior do que essas tradições que você citou.

"Mesmo tendo muito pouco conhecimento sobre a história"…

Talvez seja então melhor aprender.

…"desde pequena ouvi falar deles: coragem, prudência, temperança, justiça. O ser humano que busca estes valores alcançará a felicidade. É o que dizem as tradições e é o que se vê".

Tradições são importantes. Mas devem ser temperadas com os sonhos que permitem o nosso futuro. E parece que a articulista está com os pés cravados na tradição judaico-cristã ocidental.

"Mas não podemos confundir liberdade de ação com fazer o que queremos. Quando tememos não poder fazer o que queremos, ainda não ultrapassamos a fase do agir impulsivo da infância. O desejo nos governa e a temperança vai para o espaço. Esta me parece ser a origem da resistência aos limites. Uns pelo medo e outros pelo desejo de poder colocam-se contra uma portaria orientadora para manter as concessões públicas dentro dos valores éticos e sociais."

Ou seja, aqueles que advogam a liberdade ou são guiados pelo medo ou são uns malucos. No mínimo, são pessoas que têm facetas de infantilidade em seu comportamento, e portanto não são confiáveis. Se pensarmos bem, deveriam estar internadas num sanatório, pois têm tendência a agir impulsivamente. Esse tipo de raciocínio já foi utilizado na antiga União Soviética. Para enviar dissidentes às casas de repouso.

Acho que é a parte do artigo que mais me repugna, tanto pelo seu tom professoral ("Esta me parece ser…", uma profissional emitindo o seu juízo "cientificamente desapaixonado" – bah! Ops, acho que fui impulsivo aqui) quanto por ser classificado por uma profissional de psicologia, ainda que indiretamente, como alguém que apresenta desvios de comportamento; isso simplesmente por relembrar que a responsabilidade da educação dos filhos é, antes de mais nada, de seus pais e responsáveis e não do Estado.

"Será que preferimos que crianças e jovens, de tanto brincar com coisas feias, continuem a aplicá-las mais tarde a tudo que com elas se assemelha, invertendo perversamente o ideal do homem de bem, como propôs Platão?"

Aí é que está: as crianças e jovens aplicam essas coisas feias em sua vida diária? Será que não estamos subestimando a formação que, enquanto pais, damos a essas crianças e jovens? Ou o caso é que vocês – que defendem a volta da censura – têm consciência de que não deram a formação adequada aos seus filhos e agora, em vez de reconhecer seus erros e tentar de novo, falam que não é com vocês e entregam ao Estado o direito e o dever de decidir sobre o que podemos ver – e depois ouvir, e depois ler?

Sim, esta é uma carta zangada. Odeio quando se usa subterfúgios como o psicologismo para fugir à questão que tenho levantado no O. I.: a liberdade traz consigo certos deveres, e muitos estão dispostos a abrir mão da liberdade só para terem deveres – e preocupações – a menos.

Paulo Afonso Graner Fessel

Creio que não se pode falar em democracia sem que haja discussão de idéias, portanto, é um alívio sermos criticados por alguém que o faz elegantemente e de peito aberto.

Num dos capítulos da doutrina budista pode-se ler: "Não há no mundo nenhum ser que escape à crítica. Não existe, nunca existiu, nem existirá um indivíduo que seja exclusivamente criticado ou louvado." Por isso, resolvi comentar a crítica de Paulo Fessel: ela envolve pontos com os quais eu também concordo, em parte.

Eu realmente entendi que havia uma crítica implícita ao texto constitucional, uma vez que não consegui, talvez por falha de compreensão, perceber que o Sr. Fessel pensasse que os legisladores estavam falando de outros valores além dos conhecidos pelos humanos desde muitos anos antes de Cristo.

Não estava me referindo no artigo apenas aos valores da tradição ocidental ou das religiões judaico-cristãs, nem cometeria o erro de afirmar que estes valores são diferentes dos valores da tradição oriental ou das religiões não-judaico-cristãs. Referia-me a valores eternos que podem ser encontrados também no Livro dos Preceitos de Ouro, da tradição oriental, considerado o mais antigo texto sobre a origem dos homens e do universo, ou no Tripitaka, onde se transcreve a doutrina budista, ou no Bhagavad-Gîta, ou nos textos dos filósofos gregos etc., além da Bíblia, do Talmude e do Alcorão.

Apesar de haver sido educada na tradição judaico-cristã, tenho me esforçado para perder os preconceitos contra os que vivem diferentemente de nós. Mas insisto em que valores não são individuais, as escolhas comportamentais é que são individuais. Insisto em que a ética e a moral manifestam-se coletivamente, bem como a amoralidade. Portanto, é necessário que coletivamente decidamos quais são os valores que queremos ensinar aos jovens, para que possamos decidir quais são as regras em que basearemos a nossa sociedade. Caso contrário, o exagero (ou volúpia, que tanto riso/choro provocou no Sr. Fessel) da liberdade nos levará ao caos moral ou à amoralidade.

Embora possa não ter ficado claro, eu estava me referindo, no artigo, ao controle da TV, veículo através do qual a maioria da população brasileira se informa, inclusive as crianças. A TV é onipresente e pode ser encontrada ligada nas rodoviárias, nas escolas, nos restaurantes populares, na maioria das casas. Assim, se o Estado é uma reunião de indivíduos, se a TV é uma concessão pública, não seria lógico considerar que uma população, que tem, em média, quatro anos de escolarização, pudesse considerar ser apropriado para seus filhos tudo o que passa na televisão no horário em que as crianças estão acordadas? Não seria lógico considerar que não seríamos um Estado, se cada um fizesse apenas o que quer fazer?

Quanto aos índios comerem carne humana, praticarem sexo promíscuo e os hindus celebrarem o sexo, faziam-no por escolha da sociedade, mas será que praticavam a dupla moral de deixar morrer de fome grande parte de sua sociedade, violentar sexualmente suas crianças, matar em câmara de gás os diferentes, e outras práticas similares? Não eram piores nem melhores do que nós. Nós estamos analisando a nossa sociedade ocidental tão cantada em prosa e verso como a coroação da civilização humana. Tenho muitas dúvidas quanto a isto e não estava fazendo este tipo de comparação em meu artigo.

"Ah bom, por um lado então agora é “indicação”. Porque os artigos originais deixaram agitadinhos todos aqueles que querem a volta da tesoura no país. E aí entra, sub-repticiamente, a “limitação”. Se isso não é censura, não sei mais então o que é. […]

Pois é. A maioria agora pensa que é bom instituirmos a censura, de acordo com a Urn@ Eletrônic@. Eu não acho que seja, e portanto sou minoria. Está vendo como é possível aplicar a segunda frase de seu parágrafo em um ou em outro sentido?"

No meu entender (e isto não tem nada de professoral, exprime apenas aquilo que eu penso), estabelecer uma indicação de faixa etária para programas e para filmes e associá-la a um horário é uma orientação aos pais. Escolher se o filho pode ou não sair de sua faixa etária e assistir ao programa é escolha dos pais. Isto não é censurar o que pode passar ou não na TV, mas organizar a grade horária, permitindo que os pais possam orientar seus filhos conforme os seus critérios, e não conforme os critérios dos donos das TVs.

Assim, esta organização não vai tirar da TV aquilo que você acha que a TV deve colocar no ar com toda a liberdade, estando assegurado o seu direito de minoria. Ao mesmo tempo, você, como pessoa com discernimento, escolhe o que é melhor para você e para os seus filhos. A situação contrária impede que os pais que pensam diferente de você possam escolher, porque não teriam como saber que filme vai passar no sessão da tarde ou se vai haver cenas de sexo explícito na novela das 19 horas.

Quanto à relação entre TV e comportamento de jovens, Unesco, várias associações pediátricas nos Estados Unidos, associações de cidadãos no Brasil têm relacionado a violência da TV com o comportamento violento, e gravidez precoce e puberdade precoce à exposição a estímulos eróticos na TV, inclusive em programas infantis.

Gostaria de terminar esclarecendo que ao usar nós em meu artigo nele me incluí, não havendo nenhuma intenção de fazer psicologia online nem de usar psicologismo, apenas citei o artigo do Sr. Fessel como síntese do que eu havia lido em vários artigos. Não o escrevi como crítica à carta dele ao Observatório.

Sobre a carta do leitor Luiz César Martins:

"Ao meu ver, o fim do controle que antigamente era exercido pelo governo nas programações das TVs brasileiras foi extremamente prejudicial a toda a sociedade, pois a grande maioria dos programas hoje livremente veiculados na mídia, que destroçam a moral e os bons costumes, não estariam no ar."

Por outro lado, se os programas estão no ar, não é porque as pessoas os vêem? Se os programas são tão horrorosos assim, por que são assistidos? Por que o senhor não exerce o direito (e mesmo o dever) de decidir o que os seus filhos podem e o que eles não podem ver? "Ah, mas isso não é democrático…"

"O que se vê hoje é que, com o fim do controle do governo, nós ficamos à mercê das emissoras de TV."

Ficamos? Eu não. E nem minha mulher. E nem meus pais e nem meu irmão. E nem aqueles que tenham um mínimo de senso critico.

"Não conseguimos escolher a programação que gostaríamos que nossos filhos assistissem."

Por que não conseguem? Porque você acha que seu filho/a vai se sentir "deslocado" já que todos na escola falam do último capítulo idiota da novela idem, ou porque não pôde ver "É o Tchan" no programa do Gugu? Explique melhor esse "Não conseguimos". Porque eu e toda a minha família conseguimos, e é simples: basta desligar a TV e/ou mudar o canal.

"Portanto, se este controle exercido hoje o chamam de censura, como devemos chamar o controle exercido pelas emissoras de TV sobre nós e nossos filhos?"

Você poderia explicar melhor que "controle" é esse, que obriga o senhor e seus filhos a assistirem algo de que não gostam ou com que não concordam? Paulo Fessel

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