Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Paulo Sérgio Fernandes e Otávio Augusto Vieira


PEDOFILIA & LIBERDADE DE IMPRENSA

"A verdadeira liberdade de imprensa", copyright Folha de S. Paulo, 11/04/02

"É difícil conversar com o leigo sobre o processo de formação das opiniões (ou convicções). O campo da consciência é formado por intricadíssimos atalhos.

Certa vez, indagado sobre antipatia votada a um candidato a cargo eletivo, alguém, depois de múltiplas considerações inválidas, ofereceu esclarecimento contundente: ?Acho que é porque ele tem uma verruga na orelha direita?. Já se vê a extravagância da resposta. Não havia, verdadeiramente, motivo sério para a falta de empatia. Uma protuberância no pavilhão auricular do infeliz separava o crítico do político.

Psiquiatras explicariam o fenômeno competentemente: o feio e o belo, a elegância ou o desataviamento, a brutalidade, o temperamento agressivo, a suavidade, o comportamento adequado ou imoral, tudo tem relação com a denominada empatia.

Constrói-se, com o auxílio da exploração desses requisitos (reais ou fictícios), a imagem pública do cidadão. O raciocínio vale nas pequenas e nas grandes comunidades, projetando-se a níveis internacionais. Exemplo relevante surge na guerra entre Israel e Palestina. Sharon começa a aparecer, perante a opinião pública mundial, como sanguinário exterminador de cidadãos indefesos, motivando reações significativas.

Se a motivação, aqui, é encontrada nas imagens da destruição sistemática das cidades submetidas a Arafat, como amostragem das atrocidades cometidas, pode suceder, invertendo-se valores, argumento diverso: Israel, assim procedendo, praticaria apenas o ?olho por olho, dente por dente?. Em suma, um ataque suicida, uma cidade reduzida a cinzas, uma explosão de restaurante, um edifício destroçado a tiros de canhão.

Produz-se a convicção popular com esforço concentrado sobre fatos verídicos ou fictícias armações. O dramático sobressai. Numa insone madrugada, viu-se filme cujo personagem principal, um comediante, assassinou alguém usando em cena um cano de ferro em lugar de outro, de plástico, porque, fracassado, não conseguia aplausos da platéia. Foi um sucesso. Os espectadores gargalhavam à visão do vermelho que, vertendo da fratura exposta, empapava a areia do picadeiro.

Funciona mais ou menos assim uma certa parte da imprensa. Hipóteses sem comprovação são trabalhadas destacadamente, transformando-se em fatos concretos. Forma-se, em torno disso, a convicção popular. Fala-se, então, em vontade da comunidade. Esta, constituída por camadas muito mal entrecruzadas, tem várias vontades, sendo difícil encaminhá-la a um ponto só. Chega-se tal consequência, entretanto, quando há o aproveitamento de preceitos gerais básicos ligados à segurança, à moral e aos bons costumes, à saúde, à alimentação e à moradia.

Os padrões de enfrentamento desses temas são, na maior parte das vezes, examinados em sentido negativo: a segurança é versada dentro dos comentários sobre roubos, latrocínios, estupros e atentados violentos ao pudor; a conveniência de conduta adequada do jovem é mostrada em antinomia com o consumo de drogas. Os latrocidas vendem sistemas de segurança. O pavor a sequestros isola o cidadão em casa. Há outras muitas suposições, algumas artificialmente exploradas até limites extremos.

A liberdade de imprensa, no Brasil moderno, foi encastoada, por muitos, numa espécie de reino das trevas. Pouco sobra à comédia. O choro é bem aceito. Verte-se em jornais e em outros meios de comunicação o sangue azedado nas madrugadas. O riso, quando estimulado, é o que vem da platéia ululando à visão da mímica ensandecida do palhaço desgraçado.

Nisso tudo, o jornalista, se não toma cuidado, transforma-se em auxiliar do carrasco, co-piloto do rabecão e professor dos coveiros, profissional indispensável, sim, na tarefa terrível de convocar a opinião pública a aclamar seus velórios.

Paulo Sérgio Leite Fernandes, 66, e Otávio Augusto Rossi Vieira, 35, advogados criminais, estão encarregados da defesa do pediatra Eugênio Chipkevitch."

 

LITERATURA & JORNALISMO

"Quando literatura e jornalismo se casam", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 11/04/02

"Ernest Hemingway, Nelson Rodrigues, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Machado de Assis e Ignácio de Loyola Brandão. O que estes homens têm em comum? O fato de terem dividido o tempo entre o dia-a-dia da redação e o fazer literário. Pensando nisso, a jornalista e pesquisadora Cristiane Costa (foto) resgatou uma questão feita por João do Rio aos colegas de profissão no início do século passado: a atividade jornalística é prejudicial ou não a um aspirante a escritor? A partir desta pergunta, Cristiane, que é editora do suplemento literário Idéias, do Jornal do Brasil, iniciou pesquisa apoiada por uma bolsa da Fundação Vitae.

Além da pesquisa bibliográfica envolvendo 30 autores, foram ouvidos 18 jornalistas que se dedicam a escrever literatura atualmente. Ao contrário da geração dos anos 60/80, os jornalistas-escritores de hoje não estão mais preocupados, em sua maioria, com a questão brasileira. ?Com as exceções de Marçal Aquino e Luís Ruffato, que nesse sentido, e também no histórico de seu trabalho jornalístico, parecem filiados à tradição da geração anterior, os autores demonstram pouquíssimo ou nenhum interesse em retratar o Brasil?, avalia Cristiane.

A idéia de estudar o tema surgiu durante o período de mestrado em Comunicação e Cultura na Escola de Comunicação da UFRJ. Cristiane se deu conta de que a maioria dos autores de literatura no Brasil começou no jornalismo. ?Fiz um levantamento e vi que muita gente teve passagem por redações?, diz. Para restringir o universo de sua pesquisa, Cristiane não considerou cronistas ou colunistas. ?Meu interesse é saber no que o texto jornalístico influencia a ficção?.

A pesquisa vem sendo realizada há cerca de um ano. Oitenta por cento do que Cristiane pretendeu fazer já está pronto. A edição em livro está programada para acontecer somente em 2004, pela editora Zahar. A jornalista dividiu as relações entre jornalismo e literatura em cinco períodos: o primeiro vai de 1808 a 1830; o segundo de 1840 a 1910; o terceiro de 1920 a 1950; o quarto de 1960 a 1980; o quinto trata da geração de 1990.

O comportamento desses autores enquanto jornalistas também vai se modificando com o passar do tempo. Se até meados da década de 50 as reportagens muitas vezes tinham um quê ficcional, dos anos 60 em diante esse hábito é completamente banido das redações. Durante entrevista por telefone, Cristiane lembra-se de uma frase de Nelson Rodrigues: ?O jornalista mente pouco, muito pouco?.

Se o jornalista dos anos 70 e 80 calcava sua literatura na experiência do real – e o fato de trabalhar em editorias de Cidade e Geral não é mero acaso – o de hoje discute a própria cultura. ?A desvalorização da experiência parece ser uma tendência da narrativa contemporânea?, analisa Cristiane. Ela reparou também que, com raras exceções, os escritores de hoje pertencem aos cadernos culturais."