Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

É preciso questionar a informação

CENSURA NA CNN

Marcelo Salles (*)

Dia após dia, a mídia limita-se a transmitir as informações compradas de diversas agências noticiosas, sem se preocupar em checar sua veracidade. Em tempos de guerra, esta problemática se agrava. No momento em que os veículos de comunicação querem transmitir mais notícia em menos tempo, parece que os editores nem cogitam a hipótese de conferir o material adquirido. É incrível ver e ouvir certos absurdos, verdadeiros atentados ao bom senso, que contém apenas o respaldo de "segundo a agência x", sendo transmitidos como verdades inquestionáveis.

Analisemos, pois, o pacote de notícias comprado da CNN pela Rede Globo CNN, no dia 19/3/03. A guerra começara às 23h30 (horário de Brasília) deste dia e uma pesquisa da rede norte-americana dizia que 71% da população dos EUA apoiavam a decisão unilateral de seu presidente de invadir o Iraque. Ela foi apresentada pelo Jornal Nacional, portanto, horas antes de se iniciar a guerra. Coincidência? Talvez. O problema é que, no dia seguinte, 1 mil manifestantes, esses sim, soldados da paz, foram presos por protestar publicamente contra a guerra em Nova York. Certamente os interessados na divulgação dessa pesquisa, que trazia consigo ares de "Bush tem apoio da maioria da população", não contavam com tamanha reação civil.

Sendo assim, será mesmo que essa pesquisa tem representatividade? Devemos acreditar nela (e nas outras que virão) de olhos fechados? Apenas porque nos dizem "segundo a agência x"? Ou porque o apresentador do telejornal usa um terno bem cortado e tem a voz e o olhar firmes?

Vejamos o que diz Robert Fisk, correspondente do jornal britânico The Independent", em artigo de 2/3/03, acerca do método de cobertura que seria utilizado nesta guerra pelas principais agências noticiosas dos EUA:


"Com o novo sistema script approval imposto pela CNN, seus repórteres estarão obrigados a enviar todos os seus textos e imagens a responsáveis anônimos em Atlanta a fim de garantir o saneamento adequado da informação."


Script approval significa "aprovação do original". Mas não seria exagero traduzir como "censura prévia", visto que a versão final da matéria será definida por executivos mais preocupados com o rendimento de suas ações do que com a ética jornalística. Não ficaria bem mostrar ao mundo, no horário nobre, cenas de crianças inocentes sendo assassinadas por mísseis inteligentes (fato comum a todas as guerras). Em vez disso, a Associated Press prefere divulgar imagens de fuzileiros estadunidenses dando água a soldados iraquianos rendidos. Certamente querem nos fazer exclamar "Nossa, como os soldados de Bush são humanistas!".

Truques de edição

O que dizer então da Bolsa de Valores de Nova Iorque, que teve a melhor semana em 20 anos, em função, principalmente, da guerra recém-deflagrada no Oriente Médio?

Por isso mesmo, insisto: em tempos de guerra, mais do que nunca, é preciso questionar a informação. Não devemos aceitá-la, de imediato. Temos a obrigação de, a cada instante, recorrer ao bom senso. Ainda mais quando sabemos que os acionistas das indústrias bélicas e das construtoras que disputam licitações para a reconstrução das cidades atingidas são muitas vezes os mesmos. Assim como também são eles os donos dos maiores grupos de comunicação do país. O que estou tentando dizer é que um grande circo de horror está armado, bem debaixo dos nossos narizes. É besteira continuar acreditando que a ONU existe para garantir a paz no mundo. Pelo que temos visto, parece que ela existe apenas para dar emprego a executivos que sabem demais e não cabem nas grandes empresas, para dar esmola aos países miseráveis e para fazer pesquisas cujos resultados servem apenas para mostrar o quanto a humanidade é burra e omissa.

Enquanto isso, o gasto diário dos EUA com esta guerra tem sido da ordem de bilhões (com "b", ressalta-se) de dólares. A lógica é simples: gastam-se bilhões para destruir para depois ganhar trilhões entre a reconstrução e o controle econômico da região. O importante é que o dinheiro permaneça circulando. Circulando entre eles, claro. E para manter este sistema de dominação, os senhores do mundo farão de tudo. Desde truques de edição no horário nobre até guerras esdrúxulas e sanguinárias.

(*) Estudante de Jornalismo da UFF