Saturday, 27 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Rami G. Khouri

COBERTURA DE GUERRA

“Correspondente iG: A inesquecível Al-Jazeera”, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 5/04/03

“A imprensa árabe – como a opinião pública dos países da região como um todo – predominantemente se opõe ao ataque britânico e americano ao Iraque, e não hesita em dizê-lo em suas manchetes de primeira página, artigos e fotos. Mas a imprensa não é monolítica, nem uniformemente antiamericana. Amostras de primeiras páginas desta semana em língua árabe (e francês, no caso da Argélia) demonstram que os Estados Unidos e o mundo árabe realmente vêem duas guerras diferentes.

Mas as capas dos principais jornais no mundo árabe e em torno deste incluem perspectivas tanto americanas quanto iraquianas, e incluem fotos dramáticas que mostram as forças dos Estados Unidos tanto como agressoras quanto como humanitárias. Uma foto recente de primeira página chegou a mostrar um civil iraquiano servindo chá a um soldado americano.

Mais comuns, no entanto, são as imagens de crianças iraquianas mortas e mutiladas, pais chorando sobre os caixões de parentes mortos por bombardeios americanos, extensos danos de edifícios não-militares e civis iraquianos sendo humilhados por soldados americanos e britânicos. Às vezes, uma imagem que receberia uma descrição inocente num jornal americano ganha uma interpretação mais sinistra na imprensa árabe.

A cobertura tende a refletir a ideologia. A imprensa regional de qualidade, como os jornais Asharq al-Awsat e Al- Hayat, editados em Londres e impressos por todo o Oriente Médio, é a mais equilibrada. Jornais mais ideológicos com públicos leitores reduzidos refletem os sentimentos de seus apoiadores financeiros e tendem a satisfazer as visões nacionalistas, políticas e emocionais de suas audiências. O tom das colunas de opinião e editoriais é pesadamente antiamericano.

Apenas ocasionalmente os autores árabes, como Ghassan Tueini no An-Nahar, de Beirute, pedem o fim de Saddam Hussein e de seu regime (e isso é acompanhado de uma rejeição da ocupação americana). Essa visão vai contra os disseminados sentimentos antiamericanos que dominam a opinião pública árabe, exceto no Kuwait, onde o apoio à mudança de regime no Iraque é forte.

Como sua audiência, os jornais do mundo árabe são inflamados, variados, multifacetados, apaixonados e argumentativos. A complexidade reflete várias tendências. A televisão via satélite árabe e ocidental, o rádio FM e a internet expandiram muito a gama de notícias e visões disponível para o árabe médio.

Qualquer jornal com credibilidade que pretenda competir com essas abrangentes fontes de informação precisa oferecer um produto mais completo e equilibrado, ou será rapidamente desacreditado como tendencioso e não-confiável. Os árabes estão cada vez mais cansados de ouvir mentiras e de ter acesso a apenas parte da realidade, e sua imprensa começa a refletir isso.

A imprensa também começa a refletir atitudes árabes em rápida mudança, à medida que mais e mais pessoas nesta região criticam tanto os ataques americanos quanto a tradição de regimes árabes autocráticos que causaram tanta destruição nos tempos modernos. Um antídoto às catástrofes cumulativas que vêm atormentando o mundo árabe moderno é a verdade e o equilíbrio intelectual – e a impensa começa a refletir também essa importante demanda. Rami G. Khouri é diretor-executivo de ?The Daily Star?, de Beirute”

“Conflito estimula golpes e fraudes pela internet”, copyright O Estado de S. Paulo, 5/04/03

“A guerra no Iraque fez ressurgir na internet um golpe que já causou prejuízos a muitos usuários em várias partes do mundo. Desde o início da semana, um suposto Farouk Al-Bashar está enviando milhares de e-mails com um pedido de ajuda para expatriar US$ 12,5 milhões depositados em banco em Bagdá. A tática é a mesma que ficou conhecida como ?419 Nigéria?, numa referência à origem deste tipo de golpe e ao artigo do Código Penal nigeriano que define o crime de estelionato.

Nesta nova versão da fraude, Farouk Al-Bashar diz descender de Ibrahim Al-Bashar Ali, que até a Guerra do Golfo de 1991 controlava vários poços de petróleo no Iraque. Com a vitória dos aliados, a fortuna de Al-Bashar teria sido confiscada e posta em um fundo administrado pelo governo iraquiano.

Com a possibilidade de a coalização anglo-americana assumir a administração do país, Farouk vislumbra a chance de ele a família recomeçarem a vida em outro país. ?Nossa família oferece 10% do valor bloqueado em Bagdá, em dinheiro vivo, a quem se dispuser a nos ajudar?, promete. Tudo que o incauto precisa fazer é colaborar com ?pequena quantia? para cobrir despesas com a transferência do dinheiro e indicar o número de uma conta bancária onde ele deverá ser depositado.

O golpe surgiu nos anos 80 na Nigéria e foram enviadas milhares de cartas com mensagens semelhantes. Em 1996, com a explosão da internet, e-mails substituíram as cartas e a velocidade do golpe se multiplicou. Nos EUA, vários usuários lesados recorreram à Justiça na tentativa de reaver o dinheiro perdido. Diante da extensão do golpe, o FBI passou a investigar os autores da fraude. Na Nigéria, a pena para os fraudadores é de 12 anos de cadeia.

No e-mail, Al-Bashar, que se apresenta como engenheiro, diz morar em Bagdá e se queixa de ter de viajar ?várias milhas todos os dias? para ter acesso a um computador com conexão à internet. O endereço eletrônico utilizado por ele – falbashar@olumo.net – é de um provedor inexistente. ?Olumo? é um termo de origem africana usado para designar rochas utilizadas como abrigo durante guerras entre tribos inimigas.

?Sabemos que as bombas americanas estão chegando a Bagdá e precisamos retirar o dinheiro do Iraque o mais rápido possível, mas só conseguiremos isso com a sua ajuda?, diz o texto em inglês. ?Nossa família tem esperanças de a campanha americana ser bem-sucedida e que possamos reiniciar nossas vidas fora do Iraque e adoraríamos ter você como parceiro.?

Variações – O site www.quatloos.com, mantido pela Financial & Tax Fraud Education Associates, uma entidade sem fins lucrativos, já identificou 3.249 variações deste tipo de golpe na internet, mas até ontem não registrava uma versão iraquiana para uma das fraudes mais antigas da rede mundial.

Uma das ?histórias? mais fantasiosas até então era a de uma mulher que, depois da morte do marido, um alto general nigeriano, descobriu US$ 580 milhões depositados em seu nome em vários bancos do mundo, inclusive no Brasil. A viúva prometia dar 20% do valor depositado em cada país a quem se dispusesse a ajudá-la a recuperar a fortuna. Para as ?despesas bancárias?, pedia uma colaboração antecipada equivalente a ?apenas? 5% do montante oferecido por ela como pagamento pela ajuda.”