O POVO
"Sobre o plural", copyright O Povo, 2/2/02
"?Uma obra-prima não é resultado de uma súbita inspiração, mas produto de uma vida inteira de ponderação?. Virgínia Woolf, escritora.
A pluralidade é um das características mais importantes do O Povo. Sem dúvida os leitores estão acostumados a ler em suas páginas opiniões as mais controversas sobre os mais variados assuntos. Também é muito comum ouvir que o jornal é de esquerda, é de direita, é muito católico, é muito elitista. Tem pensamento de todas as vertentes. Você mesmo, que está lendo esta coluna, pare e pense como é que você analisa o jornal que você comprou? O que levou você a comprar este jornal especificamente?
O fato é que, independente da sua resposta, o jornal tem a filosofia da pluralidade, ou seja, abriga nas suas páginas pensamentos das mais variadas tendências. Podemos discutir depois quais as tendências que são mais constantes nas páginas do O Povo, mas esse assunto vai ficar para uma próxima vez. Hoje vamos conversar sobre a pluralidade.
Do leitor
Desde o dia 8 de janeiro, quando comecei efetivamente o meu trabalho como ombudsman, recebo em média duas ligações por dia criticando alguns artigos e colunas sociais publicados pelo jornal. Teve um desses leitores que me disse o seguinte: ”A senhora não vai poder fazer nada porque nenhum ombudsman do jornal fez, mas eu quero falar o que sinto quando leio essas coisas no O Povo”.
A questão não está no que eu posso ou não posso fazer. Está longe disso. A função de ombudsman é ouvir os leitores, analisar diariamente o jornal e discutir assuntos que elevem a qualidade do produto que a Empresa Jornalística O Povo põe nas ruas todos os dias: ou seja, esse jornal que você tem agora nas mãos. Então, não é possível que durante quase dez anos O Povo tenha ficado surdo a algumas insatisfações dos leitores.
Artigos
A crítica que os leitores fazem aos artigos do jornalista Themístocles de Castro e Silva não é quanto ao posicionamento dele, cujo pêndulo ideológico está mais à direita do que o dos ex-presidentes João Baptista Figueiredo e Castello Branco juntos. A crítica é sempre quanto à forma debochada, desrespeitosa e desnecessária com que o articulista trata os ”adversários” políticos. Um leitor que decidiu falar da sua indignação por e-mail escreveu o seguinte: ”O senhor Themístocles é livre para elogiar a ditadura militar (…), mas o que nenhum jornalista pode fazer é denegrir ou referir-se de forma chula e grosseira a qualquer ser humano”. O leitor se referia ao ”jeitinho” como o jornalista-articulista do O Povo costuma tratar o senador Eduardo Suplicy (PT), ”como aquele que a mulher chutou”.
Estou citando este como um exemplo que mostra claramente que não existe crítica ao posicionamento ideológico do articulista, o que há é uma insatisfação quanto à forma como ela é feita. Ora, se o jornal não aceita isso no seu corpo editorial, por que aceita de um articulista? Não é possível que os leitores tenham de se sentir agredidos desse jeito. Além disso é descabida tal atitude. O ex-senador Roberto Campos, um homem de extrema direita, foi articulista do jornal Folha de S. Paulo até pouco tempo antes de morrer e eu nunca li grosserias na coluna dominical que ele escrevia. Pelo contrário, os seus mais árduos adversários intelectuais admitem a elegância e o bom humor com que Roberto Campos tratava as idéias e as pessoas.
O articulista do People, Jorge Henrique Cartaxo, recebe críticas dos leitores com relação ao exagero de ”elogios” com que cobre os políticos ligados ao governo e a escassez de análise crítica com que ocupa o longo espaço que recebe todos os domingos no O Povo. ”O raciocínio dele é turvo, desconexo e inverídico quando se trata de dar o máximo valor a certos políticos”, disse um leitor na beira da exaltação. Mais uma vez, o que está em questão não é posicionamento, mas a qualidade da informação e da análise crítica dos artigos.
Da Academia
Além dos artigos políticos devo me referir ainda às contribuições do filósofo e professor da UFC, Daniel Lins. Não existe razão para que a intelectualidade de ninguém seja posta à prova em artigos que sugerem, na maioria das vezes, um pedantismo e uma arrogância acadêmica ímpar.
E, por favor, nada de achar que os leitores querem apenas o superficial, a casca do bolo, os conceitos vulgares, a pressa da reflexão. Não se trata disso. O que os leitores querem é a compreensão, a discussão, de forma que o que apareça no texto seja a idéia e não o homem.
Um dos leitores com quem falei sobre o hermetismo de alguns textos publicados no O Povo, disse que não se pronunciava publicamente sobre esses textos, porque ”Fortaleza é uma província de muro baixo”. Na prática, o leitor queria dizer que todo mundo tem medo de falar com receio de algo que não se sabe muito bem o que é.
Bom, o que eu sei do medo é que ele atrasa os passos. E nós estamos tratando das idéias de cidadãos que podem, e muito, contribuir para um debate saudável no âmbito político, acadêmico e contemporâneo. E o que O Povo quer dar aos leitores é a pluralidade, embora algumas vezes, o plural despenque do chulo ao vaidoso.
De volta ao plural
A pluralidade é uma das coisas mais charmosas que O Povo tem. Isso não está em discussão, mas se torna necessário que o jornal lembre aos articulistas que eles estão escrevendo para um público que quer qualidade nos artigos, quer informação, mas quer também uma coisa essencial: simplicidade. Como grande exemplo temos Pierre Bourdieu, sociólogo francês, morto há duas semanas. E ele é tido como um revolucionário no campo das idéias.