Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Uma idéia para ajudar o ministro

ANATEL

Rogério Gonçalves (*)

Em continuação à campanha de ajuda ao novo governo que, parece, ainda não descobriu os alvos para os quais deve apontar seus "tomahawks", aqui vai mais uma idéia para o ministro das Comunicações, Miro Teixeira. Ultimamente, ele anda reclamando de não ter poderes suficientes para moralizar a Anatel. A campanha foi iniciada com o artigo "Vinte idéias para ajudar a Anatel" [remissão abaixo]. Para facilitar um pouco as coisas, a idéia para o Sr. ministro já vai entregue pronta e embrulhada para presente, com manual de instruções e tudo.

Como todo mundo sabe, atualmente existem mais de 600 mil usuários que acessam a internet utilizando serviços de banda larga em modo aDSL fornecidos pelas concessionárias de STFC (telefonia). E a todos os usuários não-corporativos é imposta a contratação desnecessária de provedores de acesso internet, indicados pelas próprias concessionárias, configurando venda casada.

O único argumento utilizado pelas concessionárias para justificar essa prática ilegal é a suposta existência de uma proibição da Anatel impedindo que empresas de telecomunicações prestem serviços de acesso à internet ? pois, segundo as concessionárias, este seria um serviço de valor adicionado, e não de telecomunicações.

A caracterização distorcida de "valor adicionado" dada ao provimento de acesso internet é fruto de uma manobra do MiniCom, realizada em 1995: pelo uso deste artifício, liberam-se os provedores de acesso do recolhimento do ICMS de 25% que incide sobre serviços de telecomunicações. A manobra permite que recolham apenas 5%, de ISS.

No ano 2000, o STJ derrubou esta farsa, em acórdão no caso Sercomtel, ao caracterizar o provimento de acesso internet como um serviço de telecomunicações. A interpretação em conjunto dos artigos 60 e 61 da Lei Geral das Telecomunicações (LGT) não deixa dúvidas sobre o enquadramento do serviço de provimento de acesso internet como serviço de telecomunicações:


Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

?1? Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.


Basicamente, a rede mundial de telecomunicações é formada por inúmeras redes locais, regionais e nacionais que, interligadas entre si, permitem aumentar sua abrangência e a transmissão entre elas de informações de qualquer natureza.

Considerando-se que o provedor de acesso internet possui uma rede interposta entre dois serviços de telecomunicações, conectada de um lado a um backbone (SCM, SRTT ou SLE) e do outro à rede de telefonia pública (STFC), parece óbvio que a sua rede torna-se parte das redes de telecomunicações, confundindo-se com elas, não podendo portanto este serviço ser considerado como de valor adicionado ? é um serviço de telecomunicações.

Por exemplo: se ocorrer algum problema na rede do provedor de acesso internet que impeça o tráfego de informações dos usuários significará uma interrupção no tráfego de informações entre dois serviços de telecomunicações (STFC e backbone), naquele segmento de rede. Também considerando-se que, ao fornecer portas de sua própria rede para que informações de qualquer natureza possam trafegar entre os equipamentos dos usuários e o backbone internet, os provedores estão oferecendo telecomunicações, de acordo com o artigo 60.

Queixas do ministro

Somente no caso de redes privativas (192.168.X.Y), conectadas por "gateway" ou portas IP a apenas UM serviço de telecomunicações, fornecendo acesso a informações, armazenamento de informações, apresentação de informações, movimentação de informações ou recuperação de informações, contidas nas próprias redes, sem derivações externas, é que os serviços relativos à internet poderiam ser considerados como de valor adicionado, de acordo com o artigo 61.

Exemplos genéricos de serviços de valor adicionado: e-mail, hospedagem de páginas, call centers, telepiada e demais serviços caracterizados como terminação de rede.

Inexplicavelmente, em vez de coibir a prática da venda casada, como deveria ser sua obrigação, pois é claro que qualquer dirigente da Anatel sabe perfeitamente a diferença entre serviços de telecomunicações e serviços de valor adicionado, a agência preferiu acobertá-la, chegando ao ponto de omitir informações à Justiça, como pode ser comprovado nos Informes SPV números 30 e 34, emitidos respectivamente em 24/5/2002 e 29/5/2002, que, apesar de baseados na Norma 004/95 do MiniCom, não mencionam a existência do item 7 da norma, que autoriza explicitamente as concessionárias de STFC a atuarem como provedoras de acesso internet.

Em ação movida pelo Ministério Público Federal do Rio contra a Telemar e a Anatel, questionando a venda casada, há várias declarações de provedores de acesso informando que mais de 90% do valor pago pelos usuários aos provedores de acesso "credenciados" retornam aos cofres das próprias concessionárias, tornando-os meros "laranjas" de um esquema que, no mínimo, visa burlar o fisco estadual pelo não-recolhimento do ICMS incidente sobre serviços de telecomunicações.

O que causa estranheza nesta prática da venda casada é o fato de as conexões internet em aDSL terem um valor fixo mensal, que, segundo o próprio Confaz, em negociações com os governos estaduais, poderia ser reduzido para uma alíquota de até 5%.

Tenho acompanhado diariamente pelas notícias da internet a atuação do ministro Miro Teixeira, inclusive comentários contundentes contra a Anatel, feitos por ele durante a abertura da Telexpo ? nos quais reclama de não ter poderes para instaurar inquéritos administrativos contra os dirigentes da agência ? o que contradiz o ?2? do artigo 26 da LGT, que garante exatamente a ele este poder.

Fim da "laranjada"

Há muito tempo venho denunciando em meus artigos esta fraude cometida pela Anatel, pelas concessionárias de STFC e os provedores-laranja contra os usuários dos serviços de acesso internet em modo aDSL. Porém, uma coisa são as denúncias serem feitas por mim. Outra coisa, bastante diferente, seria que estas mesmas denúncias fossem averiguadas por um ministro de Estado, o que certamente levaria a uma apuração profunda dos fatos, que poderiam resultar até no indiciamento criminal de seus responsáveis, devido ao fato de que as vendas casadas movimentam irregularmente cerca de 25 milhões de reais por mês.

O empenho do Sr. ministro em acabar com a farsa do serviço de valor adicionado também pode gerar receita para os governos estaduais, principalmente para o governo do estado do Rio de Janeiro, que tem entre seus milhares de funcionários públicos, cujos salários estão atrasados, muitos eleitores fiéis do Sr. Miro Teixeira.

Caso tenha sido recolhido, o dinheiro do ICMS, transformado em ISS pelo uso dos provedores-laranja, acabou indo parar nos cofres das prefeituras. Numa continha fácil: no Rio de Janeiro, supondo-se que o Velox tenha, no mínimo, 40 mil usuários que paguem cada um, em média, 25 reais aos "laranjas", resultaria um valor mensal de 1 milhão de reais em venda casada. Ou seja, que deveria render cerca de 300 mil reais em ICMS para o governo do estado, grana certa, recolhida nas contas telefônicas.

Considerando-se que o Velox sabor laranja para usuários residenciais começou para valer em dezembro de 2001, talvez Dona Rosinha (governadora do RJ) fique feliz em saber que, de repente, o Sr. César Maia (prefeito do Rio) estará guardando em seus cofres um dinheirinho que ajudaria com certeza a diminuir o sufoco dos funcionários públicos.

Por outro lado, o fim da "laranjada" pode significar um rombo monstruoso nas finanças da prefeitura petista de Dona Marta Suplicy (prefeita de SP), pois o Speedy começou a impor o uso dos laranjas em meados de 2001, e o número de assinantes residenciais pode ser superior a 300 mil. Quando o Sr. Geraldo Alckmin (governador de SP) fizer as contas, vai perceber que o governo dele ganhou sozinho uma Mega-Sena acumulada.

Oportunidade histórica

A Anatel bem que tentou consolidar a lambança na esquisita minuta de regulamentação da Consulta 417, na qual elimina todos os vestígios da autorização que as concessionárias de telefonia têm para atuarem como provedores de acesso internet, assim como transforma os provedores-laranja em PASIs, oficializando as vendas casadas.

Porém, parece que o objetivo principal da Consulta 417 é criar um nó cego que acabe transformando o recolhimento de impostos em tarefa impossível. A resposta do Sr. Matarazzo, superintendente de Universalização da Anatel, à questão n? 188, formulada pela Embratel, na audiência pública da Consulta 417, realizada em São Paulo, na qual ele admite que o Confaz não foi consultado pela agência antes da elaboração da minuta da nova regulamentação de acesso internet, dá uma idéia do entulho que a Anatel quer transformar em lei.

Partindo-se do princípio de que as figuras simbólicas de prestadores de serviço representadas pelos PASIs poderão estar virtualmente localizados em qualquer buraco de nosso país e, ainda por cima, tendo seus supostos serviços acessados por códigos não-geográficos, parece claro que os impostos relativos aos "serviços" prestados pelos PASIs acabarão virando fumaça.

Vale lembrar que a Anatel bem que tentou aprovar, a toque de caixa, a nova regulamentação de acesso internet ainda no apagar das luzes do governo anterior, na época do Natal, e só não conseguiu seu intento devido à pronta intervenção do ouvidor da Anatel que, ao requisitar a realização de audiências públicas para a Consulta 417, acabou conseguindo transferir a conclusão do processo para o novo governo.

Portanto, Sr. Miro, V.Sa. tem a oportunidade histórica de transformar suas declarações incisivas sobre a Anatel, que, infelizmente, já estão sendo consideradas por algumas pessoas como factóides, em algo verdadeiramente digno do passado político de luta em defesa da sociedade que V.Sa. ostenta.

Coincidência

Talvez nem seja preciso nenhum inquérito administrativo, que por lei o senhor tem direito de instaurar, pois, de acordo com o Artigo 87 da Constituição Federal, quando convocado por V.Sa. certamente o Sr. Schymura (do Conselho Diretor e presidente da Anatel) terá enorme prazer em esclarecer este assunto.

Mas, caso as respostas não sejam convincentes, também existe o recurso de mobilizar a bancada de seu partido para requerer que a regulamentação da Consulta 417 seja apreciada pelas Comissões do Congresso, que o Confaz seja ouvido, assim como a interpretação dada pela Anatel aos artigos 60 e 61 da LGT também seja discutida pelas Comissões.

V.Sa. pode estar certo de que, em sua luta pela moralização da agência, sempre poderá contar com o apoio dos milhares de usuários insatisfeitos com as atitudes estranhas da Anatel.

Porém, ajudaria bastante que os e-mails de sua equipe de governo fossem colocados no sítio do MiniCom, assim como seria apropriado que seus assessores diretos baixassem um pouco a bola e assumissem postura mais humilde em relação aos questionamentos diretos que os usuários lhes fizerem. Por exemplo, respondendo aos e-mails que receberem.

V.Sa. não imagina como é desagradável lidar com assessores que se julgam mais importantes do que os próprios ministros…

Gostaria também de lembrar a V.Sa. que, apesar de ilegal, já está constando no sitio da Anatel o nome do deputado Gilberto Kassab como integrante do Conselho Consultivo, com mandato até fevereiro de 2006. Também continuo sem conseguir encontrar no Diário Oficial da União os editais convocatórios para a escolha de integrantes do Conselho Consultivo da Anatel emitidos pelo então ministro Pimenta da Veiga. Dois destes editais estão publicados na página do MiniCom. Porém, sem a publicação no DOU eles não valem nada.

Coincidência ou não, os dois editais convocatórios, existentes apenas no sítio do MiniCom, referem-se justamente aos cargos de presidente da Telemar e de presidente da Telebrasil no Conselho Consultivo da Anatel.

(*) Webmaster do sítio username:Brasil <http://user.atualize.net>

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