Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

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PRETENSÃO & ESTILO

Cláudio Weber Abramo

Dificilmente existirá algum jornalista que não tenha, em algum momento da vida, se deparado com editores que, ao meterem o lápis nas nossas matérias tão ciosamente montadas, afirmem: "Isso não se escreve assim", ou "O leitor não vai entender nunca; vamos simplificar isto".

Não que as matérias entregues aos editores (onde isso ainda existe, o que é cada vez mais raro, pois hoje a produção do repórter costuma sair direto do terminal para a página impressa), não que essas matérias, dizia, sejam, em média, peças inatacáveis, muito ao contrário. Acontece que, no geral, os argumentos dos editores não são muito melhores.

Tomemos o exemplo "O leitor nunca vai entender isto". De onde, exatamente, os editores e copidesques tiram essa clarividência. Não, decerto, de alguma aquilatação objetiva do nível de compreensão de texto dos leitores do jornal em que trabalham. Em muitos anos, nunca vi um único exemplo de jornal ou revista que tivesse se dado ao trabalho de verificar empiricamente qual é a extensão vocabular e a compreensão gramatical média de seu leitorado para, só depois, baixar o centralismo vocabular na redação.

Mas se não se trata de um argumento empírico, o que indica a frase "o leitor não vai entender"? Não chego ao ponto de adotar como verdadeiro o chiste óbvio, ou seja, que quem não entende é o editor. Creio que o problema é pior. O editor que faz isso tem uma visão autoritária sobre o leitor, diminui-o em sua mente e, por isso, considera que ele só compreenderá frases tatibitate.

O resultado é que o jornalismo escrito vai pelo mesmo caminho da mídia eletrônica: joga o leitor cada vez mais para baixo. Pois é evidente que, ao não ser exposto a um uso menos trivial do idioma, o leitor deixa de aprender, quando não desaprende e/ou aprende mal.

Exemplo do último caso é o emprego disseminado do verbo "ir" como auxiliar. O deputado não assinará o projeto de lei, o presidente não viajará, a plataforma não afundará, mas todos "irá assinar", "irá viajar", "irá afundar".

Além do inusitado, o fenômeno que produz isso é ininteligível sob o ponto de vista lingüístico. Qualquer língua evolui no sentido da simplificação, representada pela elisão de letras, pela contração de palavras umas nas outras, pelo desaparecimento de tempos verbais e assim por diante. O princípio básico é gastar menos saliva para dizer a mesma coisa. "Irá afundar" faz o contrário, como também faz o contrário a recente mania nacional, esta gramaticalmente absurda, de dizer: "O senhor quer estar comprando esta balinha?" Por que não "O senhor quer comprar etc."?

Neste último caso, talvez a resposta tenha algo a ver com a inexplicável predileção pelo uso do gerúndio ? que, arre, invadiu títulos por tudo quanto é lado. O gerúndio é um tempinho besta, não vai nem deixou de ir, está em processo e nunca em conclusão, reflete ausência de comprometimento. Brasileiro gosta de gerúndio porque é malemolente, só pode ser. Português de Portugal só o emprega quando não consegue contorná-lo de jeito nenhum. No meu tempo, quem se atrevesse a redigir um título em gerúndio seria instantaneamente admoestado e, na reicidência, demitido com desonra.

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