Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

WhatsApp é a versão contemporânea da brincadeira do telefone sem fio

Vivemos conectados, 24 horas, todos os dias, e em contato direto com informações que são jogadas na rede (internet) e que vêm transformando nosso cotidiano. A partilha de informação e conhecimento gerada pelas mídias digitais e sociais conduziu à construção de novas formas de comunicabilidade e interatividade entre os usuários.

Podemos afirmar que na comunicação on-line recente, o WhatsApp é sim um divisor de águas. De aplicativo de mensagem à rede social, se comparada ao Facebook e Instagram, o aplicativo pode ser eleito como o ‘porta-voz’ dessa comunicação on-line em se tratando de debate eleitoral, provocando o surgimento de um fenômeno sociodigital independente: o novo palanque eleitoral da era digital.

Os usuários-eleitores tomaram para si o protagonismo das eleições em relação à produção e consumo de conteúdo. Por ser um aplicativo que possibilita a criação de grupos (comunidades) instantâneos e compartilhamentos de informação protegidos em relação à fonte de origem devido ao sistema de criptografia, ainda não é possível mensurar a velocidade da circulação de conteúdo e/ou sua veracidade, além do grau e poder de influência. Um verdadeiro ‘bombardeio’, não havendo tempo para checagem das informações em circulação.

Nas eleições presidenciais de 2018, realizadas em outubro no Brasil, o WhatsApp foi explorado na expectativa de atingir a maior parcela do eleitorado. Para os partidos e profissionais do marketing político tornou-se essencial lançar mão da internet como ferramenta para agregar visibilidade às opiniões e aos projetos de seus candidatos, levando em conta aspectos positivos que as novas tecnologias trazem para a campanha, tais como baixo custo de operação, espaço livre e ilimitado para postagens, abertura de diálogo e estreitamento da relação com o eleitorado.

Dados da Digital In Global Overview, divulgados em fevereiro deste ano pelos sites We Are Social e Hootsuite, mostram que 66% da população brasileira são usuários ativos de mídias sociais, sendo o YouTube (95%), Facebook (90%) e WhatsApp (89%) as mais acessadas pelos internautas. Essa observação só comprova que a produção e a distribuição de informação têm se acelerado com a comunicação digital. O Brasil tem 211,6 milhões de habitantes e, desses, 149,1 milhões são usuários de internet.

O aplicativo foi criado em 2009 pelo ucraniano Jan Koum para ser um aplicativo de mensagens entre amigos. Em fevereiro de 2014, foi adquirido pelo Facebook por US$ 19 bilhões, valor considerado alto à época. Ao final de 2018, o WhatsApp ultrapassou a rede social Facebook, se tornando o aplicativo com maior número de usuários ativos por mês. Os dados são da empresa de pesquisas App Annie.

De canal ágil nas eleições, o WhatsApp se transformou em agente multiplicador de fake news (notícias falsas). Importante ressaltar, ainda, que mentiras travestidas de verdades foram utilizadas como parte das estratégias de campanhas políticas desde antes do surgimento das mídias sociais, só que em velocidade e abrangência menores.

O WhatsApp deixa os usuários “mais à vontade” devido à rapidez e ao custo, mesmo que você não customize, não perfile os usuários com base no que o mesmo quer consumir. Essa rapidez gera resultados, sem esquecer que nunca foi tão barato se comunicar, e em grande escala.

A pesquisa Digital In revela ainda que, de uma população de 211,6 milhões, 215,2 milhões possuem celular no Brasil, o que nos leva a afirmar que uma parte da população chega a possuir até dois chips. Fica claro que os consumidores estão basicamente interessados em conexão e interação. Os dados revelam o poderio enquanto canal de comunicação e rede social: em dezembro de 2018, o aplicativo WhatsApp já era o mais popular no Brasil, atingindo 100% do território nacional.

O brasileiro gasta, diariamente, 9h29 navegando na internet. É o segundo no mundo, perdendo apenas para as Filipinas. Sobre o tempo gasto em redes sociais, a média diária é de 3h34, ocupando o 2º lugar no mundo, perdendo para as Filipinas (4h12).

Telefone sem fio digital e a desinformação

Tal qual a brincadeira de infância do telefone sem fio, onde uma informação sai de uma ponta passando por vários jogadores (usuários) capazes de modificar e/ou manipular essa mesma informação que vai chegar à outra ponta, assim pode ser classificado o WhatsApp: “um telefone sem fio digital”, movido pela desinformação.

As mudanças no discurso dos que transmitem a informação acontecem ora por falta de tempo e de elementos que atestem esse conteúdo devido à rapidez da circulação, ora por interesses pessoais e comportamentos distintos, sem mediadores diretos. O que distingue as duas interações é que o telefone sem fio, como brincadeira, acontece cara a cara e, na essência, não há intenção em manipular a informação. No digital, é onde o processo da desinformação acontece.

O vasto acesso à informação faz com que as pessoas se apropriem de conteúdos diversos, não importando fonte e/ou veracidades das informações ofertadas. Se não há controle, não há como rastrear cada informação e onde esta foi postada e/ou compartilhada. Quando o material é propagado, ele é refeito.

Essa democratização do acesso à rede, o estar conectado, eliminou a hierarquia no sentido de controle, e os assuntos até então tidos como proibidos através das mídias tradicionais. Por outro lado, essa liberalização fez com que essas comunidades se tornassem canal de comunicação em massa de acordo com interesses de determinados grupos.

Fake e verdade e ‘pós-WhatsApp news’

A principal razão pela qual as pessoas se apropriam de fake news como verdade se deve ao fato de as mesmas quererem acreditar, e essa razão principal destrói qualquer possibilidade de iniciativa para controle desse fenômeno, ou seja, de alguém que queira adotar providência acerca dessa desinformação.

(Foto: Freepik/Creative Commons)

Desinformação é um processo, não é um fato isolado. Você não controla nem consegue resolver do ponto de vista imediatista com que circulam no WhatsApp. As pessoas acreditam porque estão de olho em alguma coisa que justifique a forma como elas pensam. Esse é o princípio básico. As pessoas que se predispõem a receber e a compartilhar esse tipo de informação têm certa inclinação. E essas notícias, construídas da forma que são, reforçam o pensamento do usuário atingido.

Os grupos de usuários (com interação mútua) engajados nas campanhas se espalharam País afora, bem como listas de transmissões, aquelas nas quais os usuários apenas recebem conteúdos, sem necessariamente ter contato com quem as enviou, munidos da própria verdade.

Como já foi dito, com informações despejadas a cada minuto, as pessoas não querem perder tempo lendo ou checando os dados, eles querem compartilhar, em uma clara demonstração de apropriação desta informação e empoderamento. Muitas vezes, os usuários sabem que a informação recebida é fake e, apesar de fatos e argumentos, fazem compartilhamento, não se importando com as consequências.

Essa influência do WhatsApp nas eleições presidenciais levou grandes veículos de comunicação no País, como o jornal Folha de S.Paulo, o Portal UOL e o Estadão, a adotarem um novo comportamento no estilo jornalístico, o factchecking (checagem da informação), analisando o que seria verdadeiro e o que seria falso em relação às notícias veiculadas na internet relacionadas aos candidatos à presidência da República – negativas ou positivas -, e tendo como fontes informações veiculadas pelo WhatsApp.

Em quem confiar?

A falta de controle e a intensa propagação de fake news transformaram o pleito eleitoral de 2018 nas eleições da desinformação. E esta pode ser resumida como toda iniciativa de comunicar uma notícia sem respeitar o conteúdo, com algum interesse de manipular a opinião pública. Você pode fazer com que algo falso se torne verdadeiro.

Podemos afirmar que houve certa influência nesse resultado, apesar de ainda não haver estudos aprofundados nem pesquisas que comprovem que a eleição foi decidida, de fato, devido às redes sociais. O que é possível analisar é: um candidato sem tempo de TV [horário eleitoral gratuito], sem meios de comunicação tradicionais à disposição, e apenas com essa estrutura das redes conseguiu levar a mensagem de forma a atingir o sucesso, mostrando a cumplicidade do aplicativo de mensagem nesse resultado. Ainda assim, se faz necessária uma análise real do fenômeno.

A redução no horário eleitoral gratuito por parte do Tribunal Superior Eleitoral também ‘ajudou’ fazendo com que os principais candidatos ‘jogassem’ para seus eleitores o comando do discurso eleitoral não oficial, provocando um novo fenômeno, tendo o WhatsApp como protagonista. O eleitor passou a usar a plataforma como ‘cabo eleitoral e/ou comícios eletrônicos, via internet, sem regras por parte dos organismos institucionais à frente dos processos eleitorais.

Com recursos aquém do esperado, os candidatos se viram obrigados a trabalhar várias formas e formatos mais econômicos e simples para divulgação das plataformas de trabalho e traçar estratégias de expansão do discurso, além das mídias tradicionais (TV e rádio).

É possível afirmar, mas não quantitativamente, que a campanha de 2018 no WhatsApp foi polarizada pelos eleitores dos presidenciáveis Jair Bolsonaro e Fernando Haddad e o ‘PT de Lula’, percebido não apenas pela mídia especializada na área política, como pelos leigos à frente desse compartilhamento desenfreado de informações. Diferente de outras redes sociais já consolidadas como o Facebook e o Twitter, que apresentam perfis públicos, o WhatsApp abriga grupos privados sem interferência de indivíduos de ‘fora’ desse círculo.

É necessário dizer que, pela primeira vez na história política do País, o debate migrou quase completamente para uma esfera eminentemente ‘privada’ e, ao mesmo tempo, com acessibilidade ilimitada, em termos de tempo e espaço.

Esses espaços privados do WhatsApp acabaram por mostrar certa falta de senso crítico por parte daqueles que recebiam e dos que compartilhavam as informações circulantes. Enxergamos que o WhatsApp, enquanto canal de comunicação de massa, não era, no início da campanha, o canal preferido dos políticos. Na verdade, ao identificar o potencial da mesma e em virtude de vários acontecimentos que permearam a campanha de 2018, a exemplo da tentativa de homicídio sofrida pelo então presidenciável Jair Bolsonaro e que gerou comoção midiática, houve uma ampliação desse debate dentro da rede social.

Em determinado ponto da campanha eleitoral, ficou bem claro que não era candidato conversando com seu eleitorado, mas eleitor falando para eleitor como em uma guerra de “quem grita mais alto”, se comparado à linguagem, quem compartilha mais e em um curto espaço de tempo. E, a parte mais complexa, quem está com a verdade?

A pergunta que precisa ser respondida, com base em estudos e pesquisas mais aprofundadas, é: qual é a pessoa que, por causa de uma rede social, foi convencida a votar em determinado candidato ou demovida de votar em outro? Politicamente, é um bom argumento, mas saber com precisão se aquela pessoa estava ou não inclinada a votar, precisando apenas de uma mensagem, talvez nunca consigamos mensurar devido ao não controle e monitoramento na mesma proporção da propagação do conteúdo.

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Sony Lacerda é diretora de Jornalismo do Sistema CORREIO de Comunicação e editora-geral do Jornal Correio da Paraíba.