Friday, 06 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Capa de revista ou meme?

Quando um aluno fascinado com o mundo da comunicação chega à universidade, logo nos primeiros semestres lhe serão mostradas as técnicas de se fazer uma capa de revista, primeiro no contexto teórico, mais tarde no ponto de vista técnico.

Alguns clichês serão ali ditos e se o professor na ocasião não disser que a “capa é que faz a revista vender”, é porque o aluno pulou essa etapa ou estava tomando cerveja com colegas no bar mais próximo — o que dá no mesmo.

As capas das principais publicações jornalísticas brasileiras continuam com poder de fogo, até mais do que antigamente, embora não se venda mais revista com o avanço da internet, elas se espalham digitalmente nas redes sociais, milhares de pessoas as compartilham, mesmo que não as leiam.

Nem sempre as capas são bem sucedidas, basta verificar a que o lendário vocalista da banda Rollings Stones, Mick Jagger, figurou na capa da Exame – “O que você e ele têm em comum?”, questionava a edição 1129 de 2017. Na ocasião, era claro o intuito da publicação em tentar encorajar a população brasileira a aceitar que está envelhecendo e, mais cedo ou mais tarde, segundo eles, uma reforma na Previdência terá que ser feita.

Contrariamente do que se imaginou, a empreitada da Exame tornou-se rapidamente uma piada de mau gosto com a imensa maioria de trabalhadores que não recebem e muito menos receberão um dia tais cifras que o rockstar acumula. No mínimo, uma infeliz comparação.

Há não muito tempo, a Veja São Paulo teve a ideia de publicar uma capa sob a manchete: “50.000 Mil Reais em uma noite”. Talvez, essa imagem tenha sido uma das mais compartilhadas nas redes tamanha a futilidade da proposta da pauta em que procurava mostrar como ricaços gastam seu dinheiro na noite paulistana.

Não apenas a capa viralizou nas redes, como também, surgiram inúmeras versões criadas por internautas daquela que pode ter sido um dos maiores tiros no pé da história do jornalismo brasileiro e um dos melhores memes já criados por aqui.

Não demorou muito para a Veja dar outra bola fora, dessa vez, o “carro-chefe” da Editora Abril protagonizaria mais um risível espetáculo estampando o belo rosto da primeira-dama Marcela Temer com os dizeres: “Marcela Temer, a aposta do governo”. De um governo desastroso e inábil, a única alternativa parecia ser aproveitar o carisma da moça. Ou seria uma alternativa escolhida pelo veículo?

Não há receita definitiva para se fazer uma capa de revista, as velhas ferramentas parecem não mais funcionar para vender o produto, uma vez que, a maior “revistaria” do país está prestes a fechar suas portas, mas não há dúvida que o bom senso é bem-vindo em qualquer ocasião.

Em recente edição, a Istoé de número 2540 – “A guerra entre os companheiros” ilustrou um conceito desastrado para explicar os solavancos entre si dos candidatos esquerdistas em busca dos votos de Lula no Nordeste. Na capa em que apareciam as caricaturas de Haddad, Marina Silva e Ciro Gomes no melhor estilo “Forró Pé de Serra”, com direito a zabumba, triângulo e sanfona.

O primeiro equívoco da peça é mencionar que há instabilidade entre tais candidatos, o segundo é alinhar os três como figuras genuínas de uma esquerda que não existe mais e que, a essa hora, sepultam os escombros da antiga União Soviética e só existem na mente de uma parcela dos profissionais que atuam em nossa imprensa hegemônica. Por fim, como parte do equívoco anterior, usar as cores do comunismo de fundo para denominá-los — ou seja — amarelo no título e vermelho no fundo.

Para não ficar apenas nos exemplos que deram errado e surgiram na timeline como troça, vale a pena ver (ou compartilhar) a capa da edição 134 de Le Monde Diplomatique Brasil – “O plano conservador”, uma sátira inteligente inspirada nos vilões do Batman que visa também a temática das eleições. Com certeza, uma iniciativa mais feliz que a de sua colega Istoé.

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Ronaldo Lages é jornalista.