Saturday, 05 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Emissoras brasileiras dão show de irresponsabilidade

Não é novidade: na busca desenfreada por audiência, a televisão brasileira passa dos limites. Nos últimos anos, há casos icônicos como um certo sushi erótico ou uma falsa entrevista com integrantes do PCC. Não raro, imagens de crimes bárbaros são exibidas à exaustão em programas vespertina na tentativa de aumentar em um ou dois pontos índices claudicantes. De tempos em tempos, parece que as emissoras – concessões públicas – precisam ser relembradas de sua responsabilidade para com os espectadores. É o caso atualmente, quando figuras como Marco Feliciano e Silas Malafaia deixam os telejornais para ganhar as atrações de “variedades”.

Na semana passada, por exemplo, este colunista foi pego de surpresa com o seguinte release:

O pastor Silas Malafaia conversou com a repórter do programa TV Fama, Andréa Corazza, durante os bastidores da gravação do programa SuperPop. O pastor emitiu sua opinião sobre a polêmica revelação de Daniela Mercury, que assumiu um relacionamento com a jornalista Malu Verçosa: “A Daniela Mercury não nasceu gay.” Essa declaração reforça ainda mais a tese que o pastor defende, de que o homossexualismo é comportamental. Segundo Silas, uma pessoa é homem ou mulher por determinação genética e homossexual por preferência apreendida ou imposta, portanto, para ele ninguém nasce homossexual.

Não só chama atenção a insistência em rotular uma orientação sexual como doença (não existe homossexualismo – o sufixo ismo denota patologia – e, sim, homossexualidade), como o espaço dado ao pastor num programa cuja essência é única e exclusivamente o noticiário de celebridades. Malafaia não faz parte desse tipo de noticiário, sabe-se.

Publicidade gratuita

Na segunda-feira (15/4), o líder evangélico fundamentalista voltou a aparecer no Superpop, de Luciana Gimenez. Quase concomitantemente, poucos minutos antes, Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos acusado por fazer comentários homofóbicos e racistas estava no Programa do Ratinho, no SBT.

Uma pergunta precisa ser feita: por que estes senhores passaram a frequentar atrações voltadas para o mundo do entretenimento? Que eu saiba, nem um, nem outro, é artista. Aliás, Feliciano deixou bem clara sua opinião sobre a classe, afirmando no SBT que os artistas casam dez ou vintes vezes e têm problema com bebida. Um falso estereótipo. Da mesma maneira, o pastor deu péssimo exemplo de uso da língua portuguesa, usando frases como “A turma do outro lado são cruéis” e insistindo no verbo “Houveram”.

Curiosamente, ambos os programas costumam levar homossexuais a seu programa, mas não para discutir de maneira séria e profunda temas ligados ao preconceito e à orientação sexual. No Ratinho, por exemplo, são comuns travestis no palco, que, vez ou outra viram alvo de brincadeira ou de uma sonoplastia de gosto discutível. Quer dizer, parece haver uma preocupação em reduzir os homossexuais a um estereótipo que não os representa em sua coletividade, mas é, sim, apenas uma de suas múltiplas facetas.

A julgar por este colunista, ambos os programas perderam audiência. Não tenho estômago para assistir preconceito sendo corroborado em rede nacional. Mudei de canal rapidinho. É preciso que as emissoras repensem suas estratégias e entendam de uma vez por todas: é uma irresponsabilidade das espaço a figuras como essas em programas de entretenimento. Marco Feliciano e Silas Malafaia não são artistas. A única semelhança que nutrem com as celebridades é o gosto pela publicidade gratuita e, nesse sentido, estão ganhando um palco livre. Lamentável.

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Fernando Oliveira é jornalista