Sunday, 19 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

José Queirós

“É um exem­plo entre mui­tos. Ape­sar de atraído pelas ‘exce­len­tes foto­gra­fias de Daniel Blau­fuks’, o lei­tor Car­los Cou­ti­nho, de Mato­si­nhos, não che­gou a ler a repor­ta­gem inti­tu­lada Sob o signo de W.G. Sebald, ante­on­tem publi­cada no suple­mento Ípsi­lon. Explica porquê: ‘(…) Na legenda da foto­ga­fia da pri­meira página li, com espanto: ‘Quando nos anos 90 W.G. Sebald escre­veu ‘Os Anéis de Saturno’ e refe­riu um fune­ral em Fra­mingham Earl, teria-lhe ocor­rido…’. E já não li mais. ‘Teria-lhe’ (…)? Numa repor­ta­gem que cer­ta­mente terá sido dis­pen­di­osa, em Ingla­terra, sobre um escri­tor? Ao que chegamos!’

O lei­tor terá assim per­dido a tam­bém exce­lente pere­gri­na­ção lite­rá­ria com que a autora do texto, Susana Moreira Mar­ques, assi­na­lou o décimo ani­ver­sá­rio da morte de Sebald, mas a sua irri­ta­ção é com­pre­en­sí­vel. Tal como é com­pre­en­sí­vel que per­gunte ‘se actu­al­mente já não existe aquela sim­pá­tica figura que anti­ga­mente tinha um lugar de res­pon­sa­bi­li­dade em qual­quer jor­nal ou edi­tora, cha­mado ‘revi­sor de texto’’. A ver­dade é que essa figura já só existe resi­du­al­mente. O número de pro­fis­si­o­nais a quem cabe zelar pela cor­rec­ção da escrita dos tex­tos do PÚBLICO dimi­nuiu dras­ti­ca­mente nos últi­mos anos e vários pro­ce­di­men­tos de con­trolo de qua­li­dade foram eli­mi­na­dos (há uns meses, citei aqui o depoi­mento de um des­ses pro­fis­si­o­nais, expli­cando que cer­tos suple­men­tos do jor­nal, como o Ípsi­lon, já ‘não são revis­tos, salvo esporadicamente’).

Tendo já abor­dado mais do que uma vez o tema dos erros de redac­ção e edi­ção, pro­curo evi­tar que este espaço se trans­forme num mos­truá­rio sema­nal das falhas apon­ta­das pelos lei­to­res. Penso que, para além de algu­mas medi­das já reco­men­da­das, apa­ren­te­mente sem gran­des resul­ta­dos prá­ti­cos, não há muito a acres­cen­tar quanto ao essen­cial do que está em causa. E o essen­cial é que, quais­quer que sejam as res­tri­ções finan­cei­ras, há limi­tes abaixo dos quais um jor­nal de qua­li­dade não pode des­cer sem des­me­re­cer esse rótulo. É uma ques­tão de res­peito pelos direi­tos dos consumidores.

Não posso, no entanto, igno­rar o facto de ser esse o motivo de uma grande parte das quei­xas que recebo, nem dei­xar de cons­ta­tar que os res­pon­sá­veis edi­to­ri­ais con­ti­nuam apa­ren­te­mente a subes­ti­mar a legí­tima irri­ta­ção mani­fes­tada a este res­peito por mui­tos com­pra­do­res do jor­nal. Sus­peito que só a pres­são dos lei­to­res, e uma maior visi­bi­li­dade das suas recla­ma­ções, poderá colo­car o pro­blema do con­trolo de qua­li­dade dos tex­tos no nível ade­quado das pri­o­ri­da­des editoriais.

Não se trata ape­nas dos erros de por­tu­guês. A falta de cui­dado na com­po­si­ção dos títu­los é fre­quente. ‘Fute­bol / Elei­ções na Fede­ra­ção vão ele­ger os novos cor­pos diri­gen­tes’, lia-se na edi­ção de ontem, a abrir as pági­nas de des­porto. Por vezes pare­cem ins­pi­ra­dos na pecu­liar escrita do telé­grafo de ontem ou das men­sa­gens dos tele­mó­veis de hoje, supri­mindo arti­gos, pro­no­mes, pre­po­si­ções (‘Cavaco defende redu­çãoTSU se aumen­tar pro­du­ção bens para expor­ta­ção’, ‘Cuba aprova lei que per­mite pri­va­dos ven­der e com­prar casas’,’Con­fi­ança afunda na zona euro…’, são exem­plos detec­ta­dos por lei­to­res do Público Online).

Outras vezes os títu­los são enga­no­sos, afir­mam coisa dife­rente do que dizem as notí­cias. ‘Hos­pi­tais pagam por cesa­ri­a­nas sem jus­ti­fi­ca­ção’, lia-se ante­on­tem em cha­mada de capa para a notí­cia de que um grupo for­mado para estu­dar a reforma hos­pi­ta­lar pro­põe pre­ci­sa­mente que venha a ser pon­de­rada uma pena­li­za­ção finan­ceira para essas situ­a­ções. Sema­nas atrás, o lei­tor Alfredo Pereira cri­ti­cava o título ‘Governo proíbe polí­ti­cos de rece­be­rem aven­ças na RTP’ (estava em causa, não a pre­po­tên­cia suge­rida, mas uma indi­ca­ção do Governo à admi­nis­tra­ção do canal público para eli­mi­nar aven­ças pagas a comen­ta­do­res que fos­sem titu­la­res de car­gos públi­cos), enquanto Sebas­tião Oli­veira cha­mava a aten­ção para o erro de se titu­lar ‘Indig­na­dos mar­cam nova con­cen­tra­ção no dia de apro­va­ção do OE’ quando se pre­ten­dia dizer ‘para o dia da apro­va­ção do OE’. Outro lei­tor notava que a frase ‘(…) um dia depois de a agên­cia Moody’s aler­tar para a soli­dez da dívida fran­cesa’ sig­ni­fi­cava o con­trá­rio daquilo que se quis noti­ciar. E Ricardo Fer­reira con­de­nava a ‘asser­ti­vi­dade’ do título ‘Afi­nal Van Gogh não se sui­ci­dou, foi vítima de uma bala per­dida’, para uma notí­cia que se limi­tava a rela­tar a publi­ca­ção em livro de uma nova tese, não com­pro­vada, sobre as cir­cuns­tân­cias da morte do pintor.

Em maté­ria de títu­los, valerá a pena recuar até à edi­ção de 25 de Setem­bro pas­sado para recor­dar, como exem­plo de fla­grante des­cuido no fecho da pri­meira página, o título ‘Estes são os dez acto­res que vale a pena ver na nova tem­po­rada’, sob uma foto­gra­fia em que se vêem… sete pes­soas. ‘O título estava feito, não havia foto con­junta dos dez, o direc­tor de fecho não repa­rou’ na incon­gruên­cia — é o que me foi expli­cado. Não é aceitável.

Como não é acei­tá­vel que se iden­ti­fi­que Geor­ges Bra­que como ‘escri­tor’ (pág. 3 do P2 de 17.11; cha­mada de aten­ção da lei­tora Alda Nobre). Ou que se esco­lha, para ilus­trar uma nota de efe­mé­ride sobre a data em que Fidel Cas­tro se tor­nou pre­si­dente do Con­se­lho de Estado de Cuba, inti­tu­lada ‘2 de Dezem­bro de 1976″, uma ima­gem em que se vê o líder cubano ao lado de Che Gue­vara, fale­cido em 1967 (pág. 2 do P2de 2.12; recla­ma­ção do lei­tor Pedro Amo­rim). Ou, mais grave, que não se per­ceba a dife­rença entre per­cen­ta­gens e pon­tos per­cen­tu­ais, ao escrever-se que o PSD per­deu 15,6% dos votos na Madeira (ao pas­sar de 64,2% dos sufrá­gios em 2007 para 48,6% este ano), quando 15,6 são os pon­tos per­cen­tu­ais per­di­dos. ‘Se o jor­nal pre­ten­dia dar a infor­ma­ção em per­cen­ta­gem, deve­ria ter escrito que o PSD per­deu 24,3% dos votos’, pois ‘um jor­nal como o PÚBLICO não pode (não deve) come­ter erros des­tes’ (pág. 3 e Edi­to­rial de 10.10; cita­ções de uma men­sa­gem de Daniel Amaral).

Outras falhas, mais fre­quen­tes na edi­ção online, são as que decor­rem de erros de tra­du­ção ou de má com­pre­en­são de tex­tos em idi­o­mas estran­gei­ros, para que têm aler­tado espe­ci­al­mente lei­to­res que con­sul­tam a imprensa inter­na­ci­o­nal. É uma ques­tão que já aqui abor­dei (cró­nica de 9 de Outu­bro pas­sado) e que ganha nova visi­bi­li­dade e impor­tân­cia com a útil ini­ci­a­tiva da direc­ção do jor­nal de pas­sar a publi­car regu­lar­mente arti­gos de opi­nião de con­cei­tu­a­dos colu­nis­tas inter­na­ci­o­nais. A tra­du­ção des­ses tex­tos deve ser irre­pre­en­sí­vel, como defende o lei­tor Pedro Amo­rim, que tem razão quando nota que o título do recente livro de Henry Kis­sin­ger (On China), citado num artigo de Domi­ni­que Moisi (edi­ção de 23.11) não sig­ni­fica ‘Na China’, como se escre­veu, mas, por exem­plo, ‘Da China’ ou ‘Sobre a China’.

Pior é quando a tra­du­ção não é sequer efec­tu­ada, levando ao uso impró­prio de ter­mos ou vocá­bu­los estran­gei­ros nas pági­nas do jor­nal. Será de pre­guiça ou de obtu­si­dade que deve­mos falar quando vemos, como acon­te­ceu há algum tempo numa página dedi­cada à situ­a­ção na Pales­tina, uma foto­gra­fia legen­dada com a frase ‘Mani­fes­ta­ção ontem em West Bank…’? De laxismo edi­to­rial pode­mos falar certamente.

Alguns dos lei­to­res que apon­tam a frequên­cia de erros de redac­ção e edi­ção queixam-se tam­bém de que são geral­mente igno­ra­dos os comen­tá­rios que enviam para o PÚBLICO, e nome­a­da­mente para as cai­xas de comen­tá­rios da edi­ção online. Veja-se o caso de Fran­cisco Feio, que leu a notí­cia ‘Degas e Picasso sem com­pra­do­res em lei­lão nos Esta­dos Uni­dos’ (Público Online, 02.11), em que se escre­veu que tinham ‘ape­nas sido com­pra­das cerca de dois ter­ços das 82 peças leva­das à praça’, para uns pará­gra­fos adi­ante se con­cluir que ‘mais de metade das obras’ ficara ‘por ven­der’. O seu comen­tá­rio, a aler­tar para a incon­gruên­cia, aca­bou por ser publi­cado, mas o texto não foi alterado.

A per­ma­nên­cia em linha, na edi­ção para a Inter­net, de erros repe­ti­da­mente denun­ci­a­dos é incom­pre­en­sí­vel e desa­nima os lei­to­res mais empe­nha­dos. Bruno Almeida apre­senta um caso cari­cato: estão quase a pas­sar três anos sobre a publi­ca­ção na edi­ção online (sec­ção ‘Ecos­fera’) de uma notí­cia inti­tu­lada ‘EDP vai ele­var para qua­tro o número de cen­trais de bio­massa em 2009″, em que os valo­res de potên­cia ener­gé­tica das ditas cen­trais são per­sis­tente e erra­da­mente refe­ri­dos como ‘mega­volts’, e não como ‘megawatts’. Até hoje, os avi­sos dos lei­to­res não foram sufi­ci­en­tes para que se alte­rasse o texto.

O lei­tor Pedro Amo­rim, ante­ri­or­mente citado, apresenta-se como lei­tor fiel e admi­ra­dor deste jor­nal e sin­te­tiza o que mui­tos outros pen­sa­rão: ‘No PÚBLICO os erros ocor­rem dia­ri­a­mente. Os lei­to­res detec­tam e infor­mam, o pro­ve­dor inves­tiga e lamenta, a direc­tora explica, os res­pon­sá­veis jus­ti­fi­cam e des­cul­pam, oPÚBLICO des­culpa e pro­mete, mas a ver­dade é que nada muda. Se os lei­to­res são efi­ca­zes a detec­tar erros e gra­lhas, por­que não con­se­gue o PÚBLICO imple­men­tar um sis­tema que detecte os erros (…)?’.

Por mim, não direi que ‘nada muda’. Um dos sinais posi­ti­vos que devo subli­nhar é o facto de final­mente se ter tor­nado habi­tual a sina­li­za­ção e a expli­ca­ção ade­quada das cor­rec­ções intro­du­zi­das nas notí­ciasonline. Man­te­nho, no entanto, que a frequên­cia de erros em ambas as edi­ções do PÚBLICO é supe­rior ao que é tole­rá­vel num jor­nal de qua­li­dade. E que não é pres­tada a aten­ção sufi­ci­ente à inter­ven­ção crí­tica dos leitores.”