Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Guálter George

‘É comum a opinião pública cobrar dos meios de comunicação mais do que eles podem e, muitas vezes, devem oferecer. É igualmente comum os órgãos de comunicação fracassarem, deliberadamente ou não, na tarefa de oferecer ao público pelo menos o limite do que lhe é possível alcançar. Este dilema, secular, histórico e, talvez, insanável, pode fundamentar as razões que levaram O Povo a mudar sua atitude informativa em relação à crise do Poder Judiciário do Ceará, dentro de sua perspectiva mais recente. Perto de quatro anos atrás, mais precisamente em 1º de abril de 2000, foi através das páginas de O Povo que a sociedade tomou conhecimento da existência de sérios problemas internos na estrutura da Justiça cearense. Através de uma abordagem da coluna Política, do jornalista Fábio Campos, transformada em manchete principal da edição daquele dia, deu-se publicidade a denúncias graves do então vice-governador Beni Veras sobre a existência do que ele definiu como ‘indústria de indenizações’. Era a ponta de um iceberg, descobriu-se, que serviu à largada de um longo processo que teria o próprio jornal como um dos canais de divulgação mais intensamente utilizados. Para o leitor ter uma idéia, consulta ao Banco de Dados constatou que menos 105 matérias/publicadas entre 2001 e 2003/abordavam os mais variados aspectos do desenrolar da, chamada, crise do Judiciário.

O debate esfriou aqui

Poucos lances à tal crise relacionados deixaram de ser acompanhados e registrados por repórteres e editores do O Povo, que se manteve na linha de frente durante longo período da penosa jornada. Atitude inicial paulatinamente substituída por uma prudência que, de fato, se fazia necessária.

Descobriu-se que o processo ganhara contornos de autofagia, onde a um segmento só interessava destruir a corrente adversária, e vice-versa, lançando-se ao seu próprio destino a instituição e sua imagem perante a sociedade. A justificada seletividade que O Povo adotou a partir de um certo momento, porém, não deve servir de pretexto para o jornal passar a adotar um distanciamento absoluto em relação aos fatos negativos que cercam a Justiça. Afinal, daquele noticiário inicial intenso, desdobraram-se investigações e iniciativas outras que, ao contrário do que dá a entender o silêncio reinante nos últimos tempos, continuaram.

O debate voltou aqui

No contexto, parece paradoxal que se cobre do O Povo uma mudança no seu comportamento atual, registrando-se, ao mesmo tempo, que foi em suas páginas que este silêncio recente da imprensa, mais do que do jornal, foi rompido. A jornalista Adísia Sá, que dispensa apresentações para os que se acostumaram a ler esta coluna nos últimos dez anos, parte dos quais tendo-a no exercício do ombudsmato, escreveu artigo no último dia 20 (‘Imprensa omissa’) onde dá um justo puxão de orelha, questionando a falta de divulgação pelos órgãos locais de um fato novo: a denúncia da subprocuradora da República Cláudia Sampaio contra o desembargador José Maria de Melo, inclusive com pedido de destituição dele apresentado ao Superior Tribunal de Justiça, feita em agosto do ano passado. O artigo de Adísia Sá foi imediatamente respondido pelo desembargador José Maria Melo, que assinaria um outro dia seguinte (21/1), na mesma página e espaço, sob o título ‘Nunca fui de esconder nada’. Sem maiores novidades, como o seu teor denuncia, servindo apenas para ele negar que tenha adquirido todos os exemplares destinados a Fortaleza do jornal Folha de S. Paulo do dia 22 de dezembro do ano passado, no qual consta a notícia que, reclamara a jornalista, os meios locais omitiram à sociedade.

Discutiu, decidiu e errou

Como a estranheza da jornalista faz supor, de fato O Povo dispunha da informação e optou por não apresentá-la, depois de uma longa discussão interna, dentro do que normalmente acontece a cada caso que chega relacionado ao tema. Uma decisão claramente questionável, que teve a oposição da redação, mas que, oficialmente, é justificada por este novo processo de tratamento. Prevaleceu, naquele instante e naquele caso, a conclusão de que o fato deve ser acompanhado no âmbito do STJ e, apenas diante de uma decisão dos seus ministro, informada ao leitor. Arlen Medina, diretor de Redação, explica que se percebeu, a partir de certo momento do noticiário, lá atrás, que ‘muita coisa pouco crível começou a nos chegar, obrigando um cerco maior às informações e submetendo-as a apurações cada vez mais rigorosas’. Para ele, um dos que defendia a publicação da matéria que Adísia hoje cobra, poucos jornais do Brasil adotaram comportamento semelhante àquele do O Povo, indo fundo nas denúncias, investigando tudo, expondo as entranhas do Poder e, lembra, pautando inclusive grande parte da imprensa nacional. É discutível, mesmo considerando o caso dentro de uma situação pontual, que O Povo, dispondo da informação, haja optado por nada publicar. Se deveria ou não ser manchete, se abriria ou não página, se merecia ou não foto, representariam dúvidas para uma outra instância da decisão. Claramente, no caso, a vitória da prudência representou um prejuízo para o leitor, tardiamente ‘compensado’ pelo anúncio da existência da matéria da O Povo no artigo da jornalista Adísia Sá.

Sumiu porque sumiu

No entanto, há outra estranheza gerada pela troca de artigo entre a jornalista e o desembargador. Esta levantada pelo site emoff que denuncia o que teria sido o ‘desaparecimento’ dos textos na página eletrônica do O POVO, enquanto os quatro outros artigos publicados na versão imprensa da página de Opinião daqueles dois dias lá estavam. O fato era grave, segundo considerei, e justificador de uma investigação que me propus a fazer. Inicialmente procurando o diretor do portal Noolhar, Dummar Neto. Instruído por ele, em contato telefônico, pesquisei os dois dias na página eletrônica do O POVO e vi que apenas um artigo. Aquele assinado pelo desembargado José Maria de Melo realmente não está hoje disponível ao leitor/internauta. O da Adísia lá está, com todas as letras que continua na edição imprensa, sem tirar nada, sem pôr também. Restava, portanto, tentar entender porque ‘sumira’ o artigo do desembargador. Dummar Neto não tinha a resposta, mas ficou de fazer uma investigação para tentar obtê-la. Garantiu, porém, não haver qualquer orientação para se inserir uns artigos e outros não. Neste ou em qualquer outro caso. Na redação, provocada por mim acerca da questão, a surpresa foi igual. Uma checagem ao Banco de Dados, que capta o material para efeito de arquivo eletrônico obedecendo ao mesmo processo dos operadores do portal, lá estava o artigo de José Maria de Melo. Há, portanto, um sério problema de operação que a empresa, estimulada pelo episódio, mas já alertada por outros semelhantes antes registrados, promete esforços mais intensos para resolver. Imaginar mais do que um erro técnico será, apenas, alimentar devaneios. Isto não é papel de ombudsman.’