Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

José Queirós

“A ques­tão foi levan­tada pela pri­meira vez em Agosto pas­sado. O lei­tor Diogo Coe­lho leu uma notí­cia doPÚBLICO sobre os con­fron­tos que então se tra­va­vam na capi­tal da Líbia (‘Jor­na­lis­tas dei­xam o hotel Rixos após vários dias de cerco’, de 24.08) e sentiu-se irri­tado logo à pri­meira frase, que come­çava assim: ‘A crise no hotel Rixos aca­bou — ‘todos os jor­na­lis­tas estão fora!’, tui­tava o cor­res­pon­dente da CNN…’.

‘Tui­tava’ é um ‘erro grave’, escre­veu esse lei­tor, para logo per­gun­tar: ‘Que verbo é este? Des­co­nheço com­ple­ta­mente a sua exis­tên­cia em por­tu­guês’. Não é o único a queixar-se de solu­ções dis­cu­tí­veis para o apor­tu­gue­sa­mento de cer­tos ter­mos estran­gei­ros, e nome­a­da­mente dos que estão rela­ci­o­na­dos com o uni­verso da Internet.

Neste caso, e como sabem os mais fami­li­a­ri­za­dos com as redes soci­ais, o verbo usado (cor­rec­ta­mente ou não) des­cre­via a acção de colo­car na rede Twit­ter um pequeno texto, com um máximo defi­nido de 140 carac­te­res (ou, mais pre­ci­sa­mente, de 140 toques num teclado). Um tweet, no jar­gão da Inter­net, e hoje tam­bém no de um jor­na­lismo que recorre cada vez mais a este meio para garan­tir a comu­ni­ca­ção quase ins­tan­tâ­nea na cober­tura de acon­te­ci­men­tos que noti­cia nas suas edi­ções on line.

Uma defi­ni­ção mais téc­nica dirá pro­va­vel­mente que, ao ‘con­tar no Twit­ter’ (expres­são tam­bém usada na peça refe­rida pelo lei­tor) alguma coisa, um jor­na­lista estará a colo­car um pequeno post, ou uma suces­são de peque­nos posts (twe­ets) num ser­viço de micro­blog­ging cha­mado Twit­ter. Ava­liar a crí­tica de Diogo Coe­lho e quei­xas seme­lhan­tes de outros lei­to­res é pro­cu­rar res­pon­der à ques­tão de saber se um jor­nal por­tu­guês deve, e em que medida, adop­tar na escrita das sua notí­cias o léxico inglês pró­prio da Inter­net (como nas expres­sões assi­na­la­das a itá­lico que uti­li­zei atrás) ou apor­tu­gue­sar esses ter­mos, e de acordo com que critérios.

Pro­cu­rei saber, junto da direc­ção do PÚBLICO e dos res­pon­sá­veis pela revi­são dos tex­tos, se o jor­nal adop­tara a forma ‘tui­tar’, com o sen­tido de escre­ver no Twit­ter. As res­pos­tas foram nega­ti­vas e a ques­tão pro­vo­cou alguma dis­cus­são interna, que se sal­dou por uma deci­são: o termo não deverá ser usado nes­tas pági­nas, segundo me comu­ni­cou a direc­tora, Bár­bara Reis. Ficam os lei­to­res a saber que, se vol­ta­rem a encontrá-lo numa notí­cia do PÚBLICO, esta­rão perante uma falha na edi­ção ou na revi­são do texto.

Vamos aos argu­men­tos. Manu­ela Bar­reto, da equipa de copy desk, defende a forma ‘twit­tar’, for­mada por ‘radi­cal inglês e ter­mi­na­ção por­tu­guesa, como ‘sha­kes­pe­a­ri­ano’ e ‘mccarthismo’’. Auré­lio Moreira, da mesma equipa, tam­bém não aprova a forma ‘tui­tar’, e explica porquê: ‘Pri­meiro, por­que penso que será difí­cil, para mui­tos lei­to­res, esta­be­le­cer uma liga­ção entre ‘Twit­ter’ e ‘tui­tar’. Gra­fi­ca­mente, nada têm a ver um com o outro. Segundo, por­que se trata de falar por­tu­guês como um inglês ou um ame­ri­cano, como se não tivés­se­mos uma lín­gua pró­pria’. Defende que se escreva ‘enviar um twit’ ou ‘usar o Twitter’.

Dis­cu­tido o caso, a direc­ção explica que deci­diu banir a pala­vra cri­ti­cada por Diogo Coe­lho, ‘uma vez que a falta de uma cor­res­pon­dên­cia grá­fica evi­dente entre ‘Twit­ter’ e ‘tui­tar’ com­pro­mete a sua com­pre­en­são por parte do lei­tor’. ‘Seria melhor’, con­si­dera Bár­bara Reis, ‘ter escrito ‘twit­tar’, pois aí a liga­ção com Twit­ter, o nome do pro­grama, fica­ria melhor esta­be­le­cida’. Argu­men­tando ser ‘cada vez mais difí­cil fugir a neo­lo­gis­mos (‘blo­gar’, ‘pos­tar’, etc.)’, acres­centa que ‘cer­tas for­mas de apor­tu­gue­sa­mento não con­tri­buem para a flui­dez na comu­ni­ca­ção’. Admi­tindo que ‘uti­li­zar o Twit­ter’, ‘escre­ver no Twit­ter’ ou ‘via Twit­ter’ seriam as ‘fór­mu­las ide­ais’, con­clui: ‘Não con­si­de­ra­mos errado escre­ver twittar’.

Ire­mos assim pas­sar a encon­trar no PÚBLICO este novo verbo ‘twit­tar’, e pro­va­vel­mente com maior frequên­cia, já que o recurso às peque­nas men­sa­gens ‘em tempo real’ se está a tor­nar num novo género jor­na­lís­tico, que pro­cura explo­rar as poten­ci­a­li­da­des das edi­ções na Inter­net para a cober­tura de acon­te­ci­men­tos pra­ti­ca­mente ‘em directo’. No Público Online foi uti­li­zado, por exem­plo, na cober­tura recente de um jul­ga­mento — uma prá­tica que aliás levanta pro­ble­mas novos no domí­nio dos pro­ce­di­men­tos edi­to­ri­ais, que valerá a pena ana­li­sar em pró­xima oportunidade.

Foi uma deci­são acer­tada, esta que vai habi­tuar os lei­to­res ao verbo ‘twit­tar’? Penso que foi posi­tivo garan­tir uma solu­ção uni­forme. Quanto à subs­tân­cia, trata-se de uma esco­lha, e outras esco­lhas teriam sido pos­sí­veis. Será inte­res­sante conhe­cer a opi­nião de outros lei­to­res a par­tir deste caso con­creto, antes de vol­tar ao tema geral dos estran­gei­ris­mos, sus­ci­tado por nume­ro­sas recla­ma­ções que recebo.

Pro­cu­rando con­tri­buir para esse debate, registo aqui alguns fac­tos e argu­men­tos que pode­riam ter con­du­zido a uma opção dife­rente da que foi tomada. Pri­meiro: um dici­o­ná­rio pres­ti­gi­ado da lín­gua por­tu­guesa como é o da Porto Edi­tora, com uma muito con­sul­tada ver­são on line, já aco­lhe o verbo tran­si­tivo ‘twit­tar’, com o sig­ni­fi­cado de ‘publi­car men­sa­gens na rede social de nome Twit­ter’. Mas não deixa de regis­tar, tam­bém, a forma ‘tui­tar’. Segundo: o subs­tan­tivo e o verbo ingle­ses que des­cre­vem res­pec­ti­va­mente as peque­nas men­sa­gens limi­ta­das a 140 carac­te­res e o acto de as escre­ver têm a gra­fia ‘tweet’ (e não ‘twit’ ou ‘twitt’), embora uma outra forma —’twit­ter’ — seja tam­bém reco­nhe­cida, para subs­tan­tivo e verbo, por exem­plo nos Oxford Dic­ti­o­na­ries Online. O argu­mento da cor­res­pon­dên­cia grá­fica no seu apor­tu­gue­sa­mento acon­se­lha­ria então for­mas como ‘twe­e­tar’ ou ‘twitterar’?

Vale a pena refe­rir que, antes de entrar no léxico pró­prio da Inter­net, o termo ‘tweet’ era usado para desig­nar o chil­rear ou piar dos pás­sa­ros e, sobre­tudo na forma ‘twit­ter’, o seu sig­ni­fi­cado estendeu-se ao que em por­tu­guês que­re­mos dizer quando fala­mos de ‘taga­re­lar’ ou de uma ‘alga­ra­vi­ada’, o que terá ins­pi­rado apro­pri­a­da­mente o nome da rede social em causa e des­creve de modo feliz o seu uso tri­vial. Deve­ría­mos, para evi­tar o neo­lo­gismo e res­pei­tar a ori­gem do termo, recor­rer à tra­du­ção e usar o verbo ‘piar’ ou outro que tal?

No sem­pre útil site Ciber­dú­vi­das da Lín­gua Por­tu­guesa, defendeu-se, em 2009, que não é neces­sá­rio apor­tu­gue­sar Twit­ter enquanto nome pró­prio (admitindo-se para a forma ver­bal o neo­lo­gismo ‘twit­tar’), mas suge­rindo, para um apor­tu­gue­sa­mento feito a par­tir do verbo inglês, as for­mas ‘tuí­ter’ (para o nome) e ‘tui­tar’ (para o verbo). No Bra­sil, onde a gra­fia ‘twit­tar’ se tem vindo a tor­nar comum, o pro­fes­sor Cláu­dio Moreno rejei­tou, na coluna que man­tém sobre ques­tões do idi­oma, a manu­ten­ção da letra ‘w’ (ou ‘k’, ou ‘y’) na naci­o­na­li­za­ção lin­guís­tica das pala­vras, argu­men­tando que tal só deve ser feito quando os ter­mos têm ori­gem em nomes pró­prios de per­so­na­li­da­des estran­gei­ras de relevo uni­ver­sal (‘sha­kes­pe­a­ri­ano’, ‘key­ne­si­ano’, ‘wag­ne­ri­ano’, etc.). Reco­menda a opção por ‘tui­tar’ — pela mesma lógica, dis­tinta da que pre­do­mina em Por­tu­gal, que leva a pre­fe­rir ‘saite’ a ‘site’— e recorda que ‘twit­ter’ (que escreve com minús­cula ini­cial) é, enquanto nome de uma rede social, uma marca regis­tada que, ao transformar-se num vocá­bulo comum nou­tros idi­o­mas, pode ganhar uma forma naci­o­nal (como em ‘jeep’ e ‘jipe’).

Por aqui se vê que a ques­tão não está pro­pri­a­mente fechada nem é linear. Como disse atrás, penso que oPÚBLICO faz bem em optar por uma solu­ção uni­forme. Entre alter­na­ti­vas que, não sendo neces­sa­ri­a­mente incor­rec­tas, são cer­ta­mente dis­cu­tí­veis, deve pre­va­le­cer a que cor­res­ponda a um cri­té­rio coe­rente e sus­cep­tí­vel de ser expli­cado aos lei­to­res. Por isso vol­ta­rei ao tema, pro­cu­rando exa­mi­nar a ques­tão dos neo­lo­gis­mos oriun­dos da Inter­net à luz de vários cri­té­rios, incluindo as escas­sas indi­ca­ções exis­ten­tes no Livro de Estilo do jor­nal em maté­ria de uso de estran­gei­ris­mos (note-se que, de acordo com esse docu­mento, estes devem ser, por regra, gra­fa­dos em itá­lico). Quanto ao caso do Twit­ter, o Livro de Estilo é obvi­a­mente omisso: a sua última revi­são data de 2005 e o lan­ça­mento desta rede social só ocor­reu no ano seguinte.

Espe­rando con­tar com as opi­niões dos lei­to­res inte­res­sa­dos neste tema, adi­anto desde já as duas ques­tões que me parece valer a pena cla­ri­fi­car no plano mais geral do uso, que mui­tos con­si­de­ram exces­sivo, de estran­gei­ris­mos e vocá­bu­los estran­gei­ros nas pági­nas do PÚBLICO. Em pri­meiro lugar, que cri­té­rios devem ser apli­ca­dos para uni­for­mi­zar a gra­fia de ter­mos estran­gei­ros de uso comum, que não têm (ou ainda não têm) equi­va­lente em por­tu­guês, ou cujo apor­tu­gue­sa­mento não esteja nor­ma­li­zado. E, em segundo lugar, o que deve ser feito para evi­tar a uti­li­za­ção (dema­si­ado) fre­quente de vocá­bu­los estran­gei­ros, nome­a­da­mente os de natu­reza mais espe­ci­a­li­zada, cujo sig­ni­fi­cado — queixam-se mui­tos lei­to­res — não é devi­da­mente explicado.”