Tuesday, 14 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Marcelo Beraba

‘A capa do caderno Turismo da Folha da última quinta-feira tinha como principal assunto a cidade de Rio das Ostras, no litoral fluminense. O texto de abertura da reportagem assim justificava a escolha: ‘Renda obtida com a exploração na bacia de Campos é investida na infra-estrutura da orla marítima do município na região dos Lagos’.

A Folha informou na reportagem que viajou para Rio das Ostras a convite da Abih-RJ (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Rio de Janeiro) e da Secretaria de Turismo, Indústria e Comércio de Rio das Ostras.

Na mesma edição, circulou um encarte publicitário com anúncios da Petrobras e de duas cidades da mesma região, Cabo Frio e Rio Bonito: ‘Bacia de Desenvolvimento – Petróleo impulsiona o crescimento dos municípios da bacia de Campos’.

Algumas ponderações.

1 – Os cadernos de turismo dos jornais brasileiros vivem de convites. São os convites que acabam determinando os destinos turísticos sugeridos. É comum os jornais apresentarem aos seus leitores, numa mesma semana ou em datas próximas, reportagens parecidas. Foi o que aconteceu neste mês, por exemplo, com a Folha e o ‘Estado’, que saíram com reportagens sobre a ilha de Páscoa. Não houve coincidência de pauta. Apenas os dois diários receberam os mesmos convites de um grupo turístico, um hotel e uma companhia aérea.

Isso nunca foi bom para os leitores nem para os jornais e só interessa à indústria do turismo que, dessa forma, acaba influenciando as pautas dos jornais.

A discussão não é nova: as empresas jornalísticas têm consciência de que a política que adotam para esses cadernos não é a mesma aplicada a outras editorias, mas acabam submetidas a ela por questão de economia.

Silvio Cioffi, editor de Turismo, lembra que todas as reportagens feitas a convite de empresas trazem, no final do texto, a informação sobre quem pagou a viagem. E acrescenta: ‘Mesmo fazendo viagens a convite, sempre trazemos uma lista ampla e variada dos serviços de transporte e hospedagem disponíveis’.

O leitor perde, obviamente, porque, por mais isento e transparente que o jornal seja ao admitir que viajou a convite, sempre fica a certeza de que aquele ponto turístico está sendo recomendado por oportunismo, e não por critérios editoriais.

Os cadernos de turismo ganharão credibilidade quando tiverem orçamentos próprios que lhes permitam libertar-se da dependência que os atrela, hoje, aos interesses da indústria turística. O jornalismo brasileiro ainda precisa dar esse passo.

2 – Nada justifica que os jornais não enviem seus jornalistas com recursos próprios para locais próximos e relativamente baratos. Se Rio das Ostras vale uma reportagem indicativa para os leitores da Folha a ponto de merecer uma capa do jornal, por que não enviar um repórter da Sucursal do Rio, que fica a 170 km, e o próprio jornal pode pagar a viagem? Teria, evidentemente, mais independência para tratar do assunto e fazer críticas.

A propósito de Rio das Ostras, recebi a seguinte mensagem do leitor Carlos Tautz, do Rio: ‘A reportagem me deixou irritado porque teceu loas e loas sobre Rio das Ostras, um município cujo IDH é pífio, mesmo comparado com o de outras cidades do Rio. Seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é o 34º no Estado do Rio e o 1.188º no Brasil, dado do Pnud em 2000. Ficou parecendo matéria encomendada. Fui lá, pela primeira vez, em janeiro de 2004, como turista e, inicialmente, tive a mesmíssima impressão que a Folha descreve: uma maravilha de lugar, que aproveita bem os royalties da Petrobras. Mas depois percebi que há uma Rio das Ostras da orla, coisa de Primeiro Mundo, e outra, que fica com os impactos negativos da especulação imobiliária provocada pela expansão da indústria do petróleo no norte fluminense. Esta segunda é a Rio das Ostras de moradores tradicionais favelizados pela disparada dos preços da terra. Essa Rio das Ostras fica do lado pobre da BR-101, que corta a cidade ao meio. Faço a crítica porque me senti enganado à época e tive o mesmo sentimento hoje de manhã, quando li a Folha’.

3 – A publicação, no mesmo dia, do caderno com o informe publicitário suscita no leitor natural desconfiança. Reproduzo a explicação que recebi da secretária de Redação, Suzana Singer: ‘Foi coincidência a Folha ter publicado na mesma edição o caderno Turismo com capa sobre Rio das Ostras e o informe publicitário da Petrobras sobre a região. Como existe completa separação entre as áreas editorial e comercial, nem a Redação sabia da existência do informe nem o comercial sabia qual seria o tema do caderno’.

Não tenho por que duvidar da explicação, mas a coincidência é ruim para o jornal de qualquer forma. Ainda mais associada a uma área que vive de favores, como é a cobertura de turismo.’

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‘O escândalo do ‘mensalão’ – A influência paulista’, copyright Folha de S. Paulo, 18/9/05.

‘O Projeto Deu no Jornal (www.deunojornal.org.br), da Transparência Brasil, acompanha o noticiário sobre corrupção publicado por 63 dos principais jornais do país. Levantamento recente feito pelo diretor-executivo da Transparência, Claudio Weber Abramo, revela alguns dados que merecem futuras reflexões dos que observam o desempenho da imprensa nesta crise política.

1 – As acusações contra o governo Lula e parlamentares provocaram o aumento de forma extraordinária do espaço que os jornais dedicam aos casos de corrupção. Para que se tenha uma idéia, desde 14 de maio (flagrante nos Correios), esse espaço cresceu 243% no conjunto dos jornais monitorados. No caso da Folha, houve um crescimento de 270%. O levantamento não inclui textos de apoio, como infográficos e memórias.

2 – A atenção dada aos Correios e ao ‘mensalão’ abafou a cobertura de novos casos de corrupção. Até meados de maio, os jornais iniciavam, em média, 3,66 novos casos de corrupção por dia; desde então, esse índice caiu para 2,88 casos. O fenômeno é percebido principalmente nos jornais de fora do Sudeste.

3 – A cobertura tem uma forte influência dos grandes jornais, principalmente dos paulistas. De todo o material publicado sobre os Correios e o mensalão, 23% saíram na Folha, no ‘Estado’ e no ‘Globo’. E, das reportagens publicadas Brasil afora atribuídas às agências de notícias, 94% foram distribuídas pelos grupos Folha e Estado.

Pedi a Abramo um comentário sobre o noticiário dos jornais. Suas sugestões:

‘A cobertura não tem explorado avenidas que poderiam trazer mais informações para entender o escândalo. Em especial, as raízes da corrupção não estão sendo adequadamente perseguidas. Por exemplo: o caso dos Correios mostra uma raiz clara, o loteamento do Estado entre partidos políticos em troca de apoio de parlamentares. Então, é importante saber como é que os cargos da administração federal são loteados. Um infográfico que mostrasse onde os diferentes partidos estão instalados daria uma boa idéia do quadro, apontando para onde poderiam estar ocorrendo falcatruas.

Outro assunto muito mal contado é a história de que os dinheiros do ‘valerioduto’ teriam sido usados para pagar dívidas de campanha eleitoral. Isso está passando quase em branco. Para cada um dos acusados, a imprensa faria bem se investigasse a probabilidade de essa história da Carochinha ser verdadeira. ‘A quem o senhor pagou com esse dinheiro?’ Na ausência de resposta, o leitor que tirasse a sua conclusão’.’