Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Margaret Sullivan

livro Primates of Park AvenueQuando foi que a cobertura feita pelo Times do livro Primates of Park Avenue, de Wednesday Martin, alcançou a massa crítica? Ou talvez a pergunta a ser feita fosse: quando é que a cobertura desse livro o levou ao excesso?

Tudo começou, de maneira aceitável, com uma matéria de capa no Sunday Book Review, no mês passado, na qual a doutora Wednesday Martin contava sua experiência ao se mudar para o Upper East Side de Manhattan e sobre as estranhas figuras que ali encontrou – mulheres louras, saudáveis e saradas.

Ocorre que então, desnecessariamente, o Times começou a despejar uma enxurrada de artigos: uma resenha do livro, outra resenha do livro, uma coluna sobre o livro e uma avaliação interna da coluna sobre o livro, uma mensagem de blog sobre o livro e uma resenha de seriados televisivos semelhantes com uma menção, em destaque, ao livro. Depois, para por fim a tudo isso (assim o esperamos), houve um artigo na seção de notícias sobre os desvios da realidade que existiam no livro e os planos de seu editor de acrescentar um desmentido para futuras edições.

Os leitores repararam. Jim O’Donnell, de Tempe, Arizona, escreveu-me reclamando da “publicidade gratuita” do livro de Wednesday Martin. “Ou”, perguntava ele, “será que o dinheiro passa de mão em mão para conseguir esse tipo de publicidade?” Não passa – e também seria difícil porque seria difícil saber o preço a cobrar. (Não dá para dizer que todos os textos foram positivos; na melhor das hipóteses, foram uma mistura.) Ira Stoll escreveu no website Smartertimes que o Times está “obcecado” com o livro Primates of Park Avenue e põe a culpa num intenso desejo por tráfego na internet.

Coordenação fora de controle

Às vezes, o Times tem tendência a exagerar, e não estou falando apenas da cobertura de Hillary Clinton, embora esse pudesse ser um exemplo. Não, há um fluxo constante de matérias sobre Lena Dunham que começou há cerca de dois anos e nunca parou. Houve a cobertura das despedidas de David Letterman e Jon Stewart – e as dificuldades enfrentadas pelo apresentador e editor da NBC Brian Williams –, que dava a sensação de procissões funerárias mais apropriadas a chefes de Estado. Com canções funerárias.

Houve a interminável série (seis partes) do conselho editorial defendendo a legalização da maconha. E depois há as nada infrequentes “vitórias triplas” – expressão usada pela escritora Jennifer Weiner para descrever o fenômeno bem-sucedido de um novo livro que recebe duas resenhas do Times e um artigo de fundo.

O suplemento Sunday Book Review e a seção de artes do Times não levam em consideração as respectivas opções e frequentemente fazem a resenha dos mesmos livros. A seção de opinião e a seção de notícias fazem questão de não se consultar sobre matérias. Portanto, as repetições abundam.

Além de eventuais absurdos, há algumas questões sérias. “Quem é o responsável?” é uma questão óbvia. Alguém, alguma vez, se levantou e disse “Chega”?

Perguntei a um dos principais editores, Matt Purdy, se os editores se reuniam com frequência para planejar a cobertura e limitar esses exageros. “Existe uma coordenação interna”, respondeu-me. “Mas às vezes fica fora de controle.”

Visão elitista

Aqui, ainda há uma questão mais ampla que diz respeito à visão do mundo do Times: o que ele escolhe para dar atenção e por quê?

Recentemente, Sean McElwee escreveu no site da Salon que os jornalistas “escrevem sobre aquilo que sabem e sobre coisas que os interessam, bem como às pessoas em seu redor. Isso acaba dando à cobertura um tom elitista”. Ele deu o exemplo de várias matérias do Times que avaliavam as discussões sobre os assentos reclináveis dos aviões e sobre o serviço de táxis Uber, e colocou-as em contraste com a cobertura insuficiente dada a “empréstimos no dia de pagamento, cheques de crédito de empregadores, programação abusiva, a situação desesperada das pensões nos Estados Unidos e os negócios abusivos de leasing”. O Times publica uma seção chamada Wealth [saúde] e seu Men’s Style, assim como a revista T, que são claramente dirigidos a leitores mais ricos.

É claro que o Times não é o único. O Financial Times tem uma seção chamada “How to Spend It” [Como gastar] (“um site de prazeres terrenos” com uma lista de ofertas que, na semana passada, sugeria um colar “Octafich”, de Mary Katrantzou, por 2.670 libras esterlinas, cerca de R$ 12.800,00). E o Wall Street Journal, candidamente, chamou sua seção de imóveis de Mansion [mansões].

Boa parte disso é, sem dúvida, dirigido para atrair anunciantes, que, afinal, ainda pagam uma porção de contas. E outra parte pode ser resultado de dar aos leitores mais daquilo que eles parecem querer, com base numa métrica onipresente. Isso também é importante para a sobrevivência. E uma última parte parece menos calculada – o que os jornalistas pensam que possa interessar os leitores, ou, muito possivelmente, o que os interessa.

Um “bônus de editor”

Sem dúvida alguma, o Times faz um bom trabalho com assuntos como a falta de moradia, a injustiça fiscal, o abuso policial e os direitos trabalhistas. Com sua recente investigação de práticas ilegais nos salões de beleza da cidade (Unvarnished) [sem retoques], saiu em apoio de trabalhadores pobres e imigrantes. E o projeto da seção de Opinião-Editoriais, The Great Divide, destacou admiravelmente a desigualdade de renda.

Então, será que há lugar para todos – ricos e outros – no mundo do Times? E, portanto, não existe um problema? Não é bem assim. Não existe mais igualdade nestes temas do que na questão educação pública vs. educação privada na maioria das grandes cidades. A preocupação jornalística com os pobres e com a classe operária parece eventual e provoca uma sensação de “coitados”. A cobertura de temas de elite, ao contrário, proporciona uma batida constante de uma aspiração “nossa”.

Portanto, quando aparece um tema tentador, como Primates of Park Avenue, e o Times o emprega, um elemento de autoparódia entra em cena. Não é um caso do jornal sendo tocado pelos melhores anjos de sua natureza.

No livro, a autora oferece uma avaliação – agora contestada – daquilo que chama o “bônus da esposa”. A ideia é a de que os maridos do Upper East Side, em Manhattan, dão recompensas monetárias a suas esposas por suas conquistas, tais como conseguirem colocar os filhos nas melhores escolas.

Com um agradecimento a Wednesday Martin, embora não se possa dizer que ela o necessite, proponho um “bônus de editor”. Seria concedido à boa alma que destacasse prematuramente sinais de excesso, principalmente na comemoração de assuntos fúteis, e que se levantasse, na redação, para exigir uma moratória – ou pelo menos um prazo.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times