Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Suzana Singer

‘O jornalismo finalmente mostrou seu valor nestas eleições. Depois do ‘Receitagate’, um escândalo nebuloso em que os culpados ainda não estão definidos, a imprensa trouxe à tona denúncias que derrubaram a ministra da Casa Civil, ex-assessora direta da candidata do governo. Os méritos principais estão com a revista ‘Veja’ e a Folha, que deram os ‘furos’ (informações exclusivas) dessa história.

Ainda há muito a esclarecer, mas as reportagens conseguiram mostrar, até sexta-feira, que havia, no mínimo, um envolvimento espúrio de lobistas com o filho de Erenice Guerra.

Causou estranheza aos leitores o fato de o denunciante nas reportagens da Folha, o autointitulado ‘consultor’ Rubnei Quícoli, ter um currículo pouco invejável -uma condenação por receptação de carga roubada e outra por uso de dinheiro falso, com dez meses passados na prisão.

O título da entrevista concedida por ele, publicada na quinta-feira, era quase patético: ‘‘Fiquei horrorizado de ter de pagar’, diz negociador’, como se fosse uma alma pura à mercê dos gaviões de Brasília.

No dia seguinte, ‘O Globo’ revelou que Quícoli chantageou os envolvidos, dizendo que, se o crédito pleiteado pela empresa que ele representava não saísse, procuraria a imprensa, como acabou fazendo.

‘Vigarista’, ‘criminoso’ e ‘escroque’ foram alguns dos adjetivos usados pelos leitores para definir a fonte principal da reportagem da Folha, que foi acusada de ‘denuncismo ridículo’ e ‘insanidade total’ por dar guarida a ele.

Desqualificar o informante sem dar atenção ao que ele diz é uma tática recorrente das autoridades. Só para lembrar um exemplo clássico, quando o então deputado Roberto Jefferson detonou o ‘mensalão’, em 2005, ele era mais conhecido como ex-líder da tropa de choque do presidente Collor.

Com o tempo, muitas de suas denúncias foram se mostrando verdadeiras, o que obrigou os que tentavam desacreditá-lo a buscar novos argumentos.

A verdade é que, se os repórteres de política dependessem exclusivamente de pessoas ilibadas em suas apurações, páginas em branco seriam publicadas diariamente.

O importante neste caso é que as denúncias de Rubnei Quícoli, que vão ao encontro do que foi relatado pelo consultor Fabio Baracat na ‘Veja’, sejam apenas o ponto de partida para o trabalho jornalístico. Que daqui em diante a Folha consiga esclarecer se funcionou um balcão de venda de influências na Casa Civil, quem participou do esquema e se Erenice esteve envolvida de alguma forma.

Desdém com a imprensa

O governo reagiu mal ao jornalismo, desde o primeiro momento. Erenice Guerra anunciou que processará a ‘Veja’, uma revista que, segundo ela, ‘está envolvida da forma mais virulenta e menos ética possível’ na disputa eleitoral.

Em vez de esclarecer o que a imprensa divulgava, atacou depois José Serra, um candidato ‘aético e já derrotado’, o que acelerou sua defenestração do ministério.

Dilma Rousseff começou falando em ‘mais um factóide’ contra a sua candidatura e depois tratou de se distanciar ao máximo de quem foi seu braço direito por tantos anos.

O pouco hábito com uma imprensa questionadora não é exclusividade do petismo. Na quarta-feira, José Serra ameaçou abandonar uma entrevista na CNT, porque não estava gostando das perguntas.

O candidato, que passou semanas fazendo denúncias, não queria ‘gastar tempo precioso’ discutindo o escândalo da Receita Federal nem falando de pesquisas eleitorais (em que ele está mal).

‘Isto aqui é um programa montado’, ‘vocês repetem argumentos fajutos do PT’, acusou Serra.

Se os dois principais presidenciáveis encaram a imprensa não bajuladora com esse espírito, teremos quatro anos difíceis pela frente, ganhe quem ganhar.’