Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Vera Guimarães Martins

Folha amplia tabela com preços de veículos” anunciava um abre de página do caderno “Veículos” no domingo passado (7). A linha de subtítulo elencava tudo de bom que estava por vir e deixava para o final do parágrafo introdutório a informação de que a tabela deixaria de circular no impresso. O leitor Rafael Coelho do Nascimento, de Franca (SP), não gostou da notícia e menos ainda da forma como foi embalada.

“Convenhamos, o título pode até vender a ideia de que o serviço está sendo incrementado, mas, mais uma vez, o jornal está privando leitores que não sabem lidar com equipamentos eletrônicos de informações do dia a dia que sempre foram buscadas na versão impressa.”

Rafael tem 35 anos e navega bem em todas as plataformas, mas assina o impresso por causa do pai, que beira os 70 e é avesso a traquitanas tecnológicas. Sua mensagem mirou primeiro na marquetagem do título, mas seu alvo final era a redução paulatina do conteúdo publicado no papel. “Seria mais digno e justo que o jornal destacasse que tais medidas visam ao corte de custos e que a empresa priorizará os leitores que tenham acesso ou saibam lidar com as mídias eletrônicas”, escreveu.

Cortar custos é, sem dúvida, fundamental, mas a equação tem outras variáveis. “Fazemos pesquisas estratégicas para aferir o uso do serviço e a mudança de hábitos do usuário. No caso da tabela de veículos, ambos indicavam que o caminho a seguir era o da migração para a web”, declara o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila.

O argumento faz sentido. Informações volumosas destinadas a consultas eventuais, como grandes tabelas, funcionam bem na internet. Mas também guarda incômoda semelhança com o teor do comunicado divulgado pelo “The Independent”, que acaba de anunciar para março o fim de sua circulação em papel. “A indústria de jornais está mudando, e essa mudança está sendo conduzida pelos leitores. Eles nos mostram que o futuro é digital”, anunciou o dono do jornal. Ressalva necessária: a circulação do diário inglês é substancialmente menor.

O editor-executivo da Folha declara que não há planos de extinguir a versão impressa, “parte indissociável da marca”, mas, dado o contexto, não admira o modo como parte do leitorado percebe qualquer migração de conteúdo.

“A sensação é a de que a Folha quer empurrar todos os assinantes para a versão digital para, em breve, extinguir o impresso”, afirma Sergio Roberto Rodrigues Filho, 29, que descreveu, em longa mensagem, a relação afetiva que mantém com o jornal desde criança, quando ainda não sabia ler, mas já manuseava o “Folhão” do pai. O jornal que fincou raízes em sua memória de formação está deixando de existir, lamenta Sergio, que se deu ao trabalho de listar os seus prazeres que foram cortados ao longo dos anos.

As críticas à redução de conteúdo são açuladas a cada movimento migratório para o digital, mas não creio que seja esse o cerne do problema. O busílis são as edições impressas “fininhas” e “minguadas”, reclamação que se tornou frequente desde meados do ano passado.

Para o adepto do impresso, cada seção suprimida do papel resseca um jornal já enxuto e magnifica uma imagem de perda constante, que só se acumula. A exuberância quantitativa do site não compensa a impressão negativa de receber edições cada vez mais mirradas. Papel enche os olhos e faz volume; bytes não.

A percepção de esvaziamento é complicada porque parte do peso do jornal flutua no nível do simbólico. É fato que um universo muito maior de leitores já se informa pelo site, que arrebanhou 31 milhões de visitantes únicos em janeiro. Mesmo assim, fontes, repórteres e articulistas etc. se sentem mais prestigiados quando o material circula também no papel. Para o senso comum, a impressão ainda é o atestado de importância da notícia.

Resumindo o dilema: por mais que se cante que a migração para o digital será irreversível, é o jornal impresso que ainda se impõe no imaginário social –e é esse produto, que fez da Folha o que Folha é, que o leitor vê afinar a cada dia.

Perder espaço nele não é desidratar a marca e arriscar o futuro?