Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A evolução da animação

Aos mestres da animação brasileira.

O movimento sempre exerceu grande atração visual para os seres humanos. A criação do artifício, chamado de cinema, permitiu um novo olhar para a imagem estática, a qual era apenas a unidade de uma sequência. E foi utilizando desse mesmo conhecimento que chegamos à descoberta de outros meios que marcam profundamente a sociedade como um todo.

Apesar de apresentarmos um breve histórico da imagem associada ao movimento, o presente trabalho visa discutir como a animação é observada diante dos novos veículos de comunicação e, consequentemente, o que podemos esperar para o futuro. Tal análise se torna importante diante da pouca oferta de referências bibliográficas, ao que se refere ao cenário brasileiro, quanto ao assunto abordado.

Nestas páginas, um resgate da trajetória do desenho animado no Brasil utilizando de algumas obras fílmicas (longas e curtas-metragens) desenvolvidas para o cinema e para a televisão, além de nomes de pioneiros e momentos inesquecíveis.

2. A Arte e Técnica da Animação

2.1 Imagem e Movimento

Há séculos o homem ansiava pela produção de movimento através da imagem. Até então, as representações gráficas procuravam trazer um corpo em ação, como é observado nas gravuras rupestres. “Em diversos exemplos temos sugestões de movimento ainda mais intenso, como animais pintados em cavernas ostentando bem mais patas do que têm na realidade” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 29). Na França, a caverna de Lascaux, também chamada de capela sistina da pré-história, e a caverna de Chauvet são as mais conhecidas pelas suas paredes figuradas.

Nessa linha é importante ter em mente que as narrações metódicas apresentam diversas fases e modos de representação humana registrada em forma de “histórias figuradas”. “Mais perto de nós, os hieróglifos retratavam, sobre os túmulos reais de Tebas, a vida dos faraós desaparecidos” (MARNY, 1970, p. 32). Outro caso interessante trata-se das telas para bordar – onde os quadradinhos originam um desenho – que, além de possuir uma relação com as peças confeccionadas manualmente no passado, possui como uma das características, a concepção dos pixels gerados pelos computadores. Isso, porque está incutida nesta forma artística não só a noção de simetria, as relações espaciais, enfim, a atenção mesmo que inconsciente das dimensões topológicas, mas como também o uso da luminosidade, do claro e escuro, do pensamento antecipado, a arte visual.

Diversas manifestações poderiam ser descritas – como mosaicos, afrescos, entre outras técnicas utilizadas – nesta exposição de fatos, mas que não se fazem necessárias visto o objetivo comum, que nada mais é do que a narração e a sucessão dos acontecimentos que marcaram determinada civilização (dada através da prática de alguma potencialidade artística) capaz de registrar um determinado período social.

No século 15, o mundo europeu se deparou com algumas transformações. As instituições feudais chegavam ao fim e Johann Gutenberg encabeçava experimentos relacionados à tipografia – tratava-se de tipos móveis de metal que propiciariam um avanço na impressão. Datada de 1439 (aproximadamente), a prensa móvel permitiu a difusão da informação tornando o meio impresso rentável.

À vista da disposição da reprodução gráfica percebe-se a existência da matéria-prima. “Para o desenho e a pintura, a natureza já oferecia os materiais básicos necessários à produção visual” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 29). Faltava ainda o elemento que sugerisse movimento além do que já se conhecia através do teatro de sombras – exibição de figuras articuladas utilizando luz e sombra, muito comum na remota China. Resultado só superado na ciência moderna, dada após o Renascimento.

No século 16, o físico Giambatista Della Porta (1535-1615) será responsável pelo instrumento chamado de câmera escura – uma caixa fechada, apresentando um orifício –, descrita como notável criação óptica. A abertura estreita permitia a concentração e, portanto, a utilização plena dos raios luminosos, uma singularidade visto os outros achados da época e que favoreciam na construção de outro engenho.

Possuindo também uma fresta favorável à luminosidade, porém diferente da câmera escura, as imagens projetariam de dentro para fora. De autoria de Athanasius Kircher, a lanterna mágica (1645) – caixa com foco de luz interior capaz de projetar slides – daria origem a outras engenhocas como o taumatroscópio (1825), o fenaquistoscópio (entre 1828 e 1832) de Plateau, o zootroscópio (1834) de William Horner e assim por diante.

A fotografia reproduziria o visível através de elementos mecânicos propiciando um novo olhar, ou seja, uma nova percepção do que seria a imagem. “Em 1816, na França, os irmãos Nicephore e Claude Niépce conseguem gravar em uma chapa de metal, preparada com betume da Judéia, a primeira imagem através da luz e dão lhe o nome de heliografia (desenho solar)” (CAMARGO, 1997, p.46). Depois disso, novos estudos são realizados para, finalmente, chegarmos à invenção da máquina fotográfica; em 1839.

Entre os destaques, vale citar, o livro mágico (1868), chamado de kineograph ou flipbook. A técnica consiste em desenhar ou fotografar uma imagem de modo sobreposto e sequenciado, dando sensação de movimento no ato de folhear o pequeno impresso. Por ser um recurso viável, o flipbook ainda é produzido pelos animadores. Pode-se dizer que essa brincadeira influenciou a atividade profissional dos pioneiros na arte de dar vida. Atualmente, usa-se – por alguns profissionais – depois de uma mostra de curtas de animação, presentear o público com esse livrinho.

“O pintor Emile Reynaud estava a meio caminho entre a engenhosidade do técnico e o talento do artista. Inicialmente ele criou o aparelho denominado praxinoscópio (1877)” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 36). Derivado do zootroscópio foi submetido a outros aperfeiçoamentos e propiciou à Reynaud a criação do Teatro Óptico (1892), acontecimento tão memorável que serviu de data para o Dia Internacional da Animação, comemorado no dia 28 de outubro.

Depois da apresentação dos primeiros desenhos animados, muitos avanços ocorreram na área, como o surgimento do cinetoscópio por Thomas Alva Edson, o qual teve seu instrumento aprimorado pelas mãos de dois cientistas. “O Cinematógrafo dos irmãos Lumière (1895) foi o primeiro aparelho a resolver de forma simples o problema da projeção” (ENCICLOPÉDIA, 1998, p. 1411). Nascia o cinema e junto com ele várias possibilidades visuais, principalmente na área da animação.

George Méliès após assistir as captações dos irmãos Lumière descobriu a trucagem e utilizou-a incessantemente na animação de objetos. Mas, coube ao artista plástico James Stuart Blackton, a responsabilidade pelo primeiro desenho animado, Humorous Phases of Funny Faces (1906). Contudo, o mérito, devido à disciplina na representação e expressão gráfica, não é dele. “A verdadeira paternidade do desenho animado é atribuída ao francês Emile Cohl, cujo filme Fantasmagorie (1908), com dois minutos de duração, empregou dois mil desenhos” (SILVA, 1999, p. 8).

Cohl era ilustrador e se interessava por quadrinhos – arte muito próxima da animação devido à composição sequenciada das cenas. Além de pai do desenho animado, ele marca o início dos filmes com o uso de bonecos (1910). Posteriormente ao seu trabalho é possível observar um nítido desenvolvimento ao que diz respeito aos filmes animados.

Nota

Cabe mencionar, que a impressão das histórias contadas em uma sequência de imagens tem como marco as histórias La famille Fenouillard, criadas na França em 1889, e Yellow Kid, elaborada pelo norte-americano Richard F. Outcault em 1894. Dois grandes sucessos dos quadrinhos, determinantes na venda de jornais em alguns países.

Opondo-se à grande repercussão que os quadrinhos estrangeiros alcançaram, o Brasil não apresentou condições favoráveis aos desenhistas. Destaque para Maurício de Souza: em 1959 trouxe ao conhecimento do grande público o cachorrinho Bidu, marco inicial que daria sucessão aos novos personagens como, a mais célebre criação, a Mônica (1970).

O Dia Internacional da Animação, celebrado desde 2002, é resultado dos esforços da Associação Internacional do Filme de Animação (Asifa) junto de outras agremiações.

2.2 A Arte de Animar

Das descobertas mais importantes, no contexto do desenho animado, cabe mencionar uma das quais está relacionada a uma produção mais ágil associada a custos mais baixos. “A primeira surge em dezembro de 1914, […] o desenho sobre folhas de celulóide transparente – no Brasil, vulgarmente chamada de acetato. Essa inovação coube ao norte-americano Earl Hurd” (RICHARD apud LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 66). As folhas transparentes permitiram evoluções tanto no caráter estético, como a possibilidade de se trabalhar com elementos independentes (cenário e personagem).

Em 1915, os irmãos Max e Dave Fleischer apresentaram uma máquina que promovia a criação de movimentos mais convincentes, a qual foi chamada de rotoscopia. “Os irmãos Fleischer são considerados o elo entre os primórdios do desenho comercial e a maturidade dos anos 30” (SILVA, 1999, p. 10). A rotoscopia, proporcionada por eles, foi utilizada na série Alice (Disney), em 1923.

No ano de 1919 e 1920, um gatinho conseguia destaque no meio artístico. Félix, personagem do australiano Pat Sullivan, animado por Otto Mesmer, já proporcionava inveja em Walt Disney junto a outros animadores. Ub Iwerks, parceiro de Disney, daria forma ao rival de Félix; um camundongo chamado Mickey.

Outro nome que merece destaque é Walther Ruttmann, iniciador do desenho abstrato. “Ruttmann havia desenvolvido uma técnica de feitura de seus filmes […] procedendo-se à animação frame a frame” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 86). Continuidade dada pelo alemão Oskar Fischinger. “Percursor do cinema experimental, entre as décadas de 1920/30, desenvolveu uma técnica onde sincronizava som com imagens abstratas” (SILVA, 1999, p. 11).

Tanto a possibilidade de som, como a introdução da cor teve forte impacto na indústria cinematográfica. “Em 1927, finalmente, surgem os primeiros filmes sonoros, e Hollywood começa a tomar proporções gigantescas” (MOYA, 1977, p. 291). De olho no mercado, a empresa Technicolor propicia um sistema de cor muito bem empregado no cinema e exportado para todo o mundo.

Ainda em 1927, os irmãos norte-americanos, Warner Bros, apresentam o Vitaphone, equipamento destinado à sincronização do som. “Para que a leitura óptica do som fosse feita na própria película, a velocidade de 16fps foi mudada pra 24fps (fotogramas por segundo).” (SILVA, 1999, p. 29). Adequação inserida, com intuito de atender as necessidades do cinema sonoro.

Apesar da relevância dos Estados Unidos ao que se refere à história do cinema e, consequentemente, da animação. No mesmo período, na América do Sul, alguns feitos alcançam notoriedade – é o que podemos observar na Argentina, com El Apostol, de Quirino Cristiani (1917), ou no Brasil, com destaque para Macaco Feio (1929), sob coordenação de Luiz Seel.

É evidente que a Disney tem o papel de propulsora na arte de animar. A reestruturação dos estúdios, a criação da barra de pinos (para a fixação das folhas), o surgimento do arte-finalista, a introdução do som sincronizado… Enfim, o estúdio norte-americano estabeleceria novos métodos para a concepção do desenho animado. “Os estudos incluíam desenho de modelo vivo, anatomia, psicologia da cor, análise de movimento e princípios de representação” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 105).

E, assim, chega-se ao primeiro filme utilizando o artifício da cor, Flowers and Trees (Flores e Árvores), em 1932. Alargando ainda mais os conceitos Disney, em 1933 surge Three little pigs (Os três porquinhos) trazendo junto com a produção a constituição anterior de um storyboard. Neste esquema decorreria o primeiro longa, em 1937, Snow white and the seven dwarfs ou,título em português, Branca de Neve e os sete anões. Na década de 40, o estúdio, inserido nos propósitos da “Política de Boa Vizinhança”, concebe uma personagem aos brasileiros, o papagaio Zé Carioca.

No entanto, nas terras tupiniquins, muitos nomes ganham destaque como Luiz Sá, responsável pelos Virgulino Apanha e As aventuras de Virgulino – mas, impedido (por parte do DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda]) numa oportunidade política, de levar o seu trabalho ao conhecimento de Disney, sob alegação de primitivo –; Roberto Miller, premiado com Sound Abstract em Bruxelas (1957) e Cannes (1958); Hamilton de Souza entre tantos outros. Persistências estas, que darão origem ao Centro Experimental de Cinema de Animação de Ribeirão Preto (1950/60), fundado por Francisco Luchetti e Bassano Vaccarini; o Centro de Estudos de Cinema de Animação (1967), originado pelo interesse provindo dos alunos da escola de Belas Artes; o Grupo Fotograma (1968/69), composto por Stil (Pedro Ernesto Stilpen), Antônio Moreno, Carlos Alberto Pacheco, Jô de Oliveira etc.; o Núcleo de Animação de Campinas (1984), criado por Wilson Lazaretti. Todos os espaços, destinados a um objetivo inicial: a realização de curtas.

Relevância para o primeiro longa animado nacional, fruto de 5 anos de persistência. “Em 1953, a primeira grande obra do Cinema de Animação Brasileiro, também o primeiro longa-metragem, Sinfonia Amazônica, de Anélio Latini” (SILVA, 1999, p. 16). Uma produção que foge ao padrão americano e traz o tema folclórico dentro de uma narrativa fabulista, o que confere a Estatueta Saci de Cinema e premiação por parte do Festival Nacional Cinematográfico e Comissão Nacional do Folclore da Unesco.

“Latini trabalhou em preto e branco, uma vez que não havia laboratórios especializados na época. Enfrentou grandes dificuldades financeiras e trabalhou com precariedade de material e mão de obra; seus assistentes foram recrutados na própria família, cujos membros o auxiliavam nas horas de folga. Sem contar com uma estrutura de distribuição e exibição eficiente, o filme não se traduziu em um sucesso financeiro, embora o público tenha apreciado o trabalho.

Latini passou a se dedicar à publicidade e a vender seus quadros para turistas no Rio. Quando morreu, em 20 de abril de 1986, tinha iniciado o seu outro longa, Kitan da Amazônia” (MESSIAS, 2004).

Na sucessão de longas nacionais está Presente de Natal (1971), de Álvaro Henrique Gonçalves, e As aventuras de Piconzé (1972), de Ypê Nakashima. O primeiro, resultado de dois anos de trabalho incessante, e o segundo, consumindo cinco anos, com elaboração de cenários usando da colagem. Nakashima, no mesmo ano do lançamento do seu longa, se torna sócio da Tellstar, produtora de comerciais e, quando falece, em 1974, está em plena atividade na concepção de mais uma obra cinematográfica, Irmãos Amazonas.

Nota

As aventuras de Piconzé foi premiada pelo Instituto Nacional do Cinema (INC).

Felizmente, honrando o nome do seu pai (Ypê Nakashima), Itsuo Nakashima tem colaborado na divulgação do patrimônio artístico-cultural. Entre as contribuições, o documentário (2009) dirigido por Hélio Ishii.

Abaixo, alguns curtas-metragens brasileiros. Abrindo a lista, o considerado primeiro desenho animado nacional. Seth, conhecido pelas suas charges políticas, faz uma sátira em oposição ao Kaiser Guilherme II. Entre os pioneiros figuram Eugênio Fonseca Filho, Alberto Botelho, Luiz Seel, este último, com alguns filmes fotografados por João Stamato. Diante dos poucos recursos, as dificuldades não impediriam a criatividade destes profissionais. É o que vamos verificar em Abstrações, dos artistas vanguardistas Luchetti e Vaccarini – utilizando da pintura sobre a película, técnica derivada de produções de Norman MacLaren –, e Sound Abstract, premiado no Festival de Bruxelas (1957) e em Cannes (1958), de Roberto Miller – o qual, também influenciado por McLaren, com quem travou conhecimento na sua estadia de seis meses no Canadá. Curioso e dedicado, Miller também integrou o Centro Experimental de Cinema de Animação de Ribeirão Preto. O trabalho conjunto passa ser algo rotineiro, um exemplo é Uma História do Brasil, Tipo Exportação, de Hamilton de Souza, participação do grupo Tan Tan. No final da década, mais prêmios, Stil é recompensado no Festival de Mamaja (1970), graças à produção Batuque.

Após 1970 será constatado um crescimento relacionado às animações comerciais. Fundamentalmente, após a primeira premiação internacional a um filme (comercial) brasileiro de ação livre. Homem com mais de 40 anos (1974), trabalho desenvolvido por Washington Olivetto, na DPZ, recebeu o Leão de Ouro, em Cannes.

 


CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS (1910-1970)
Ano Título da Produção Responsável
1917 O Kaiser Seth (Álvaro Marins)
1928 Operação do Estômago Luiz de Barros
1929 Macaco Feio Luiz Seel
1933 Macaco Bonito Luiz Seel
1938 Virgulino Apanha Luiz Sá
1938 As Aventuras de Virgulino Luiz Sá
1942 O Dragãozinho Manso Humberto Mauro
1956/1957 Rumba Roberto Miller
1957 Sound Abstract Roberto Miller
1959 Boogie Woogie Roberto Miller
1960 Desenho Abstrato Roberto Miller
1960 Abstrações Luchetti e Vaccarini
1961 Fantasmagóricas Luchetti e Vaccarini
1963 Uma História do Brasil, Tipo Exportação Hamilton Souza
1968 A linha Jorge Bastos
1968 O Átomo Brincalhão Roberto Miller
1968 Status Quo Carlos Alberto Pacheco
1968/1969 O Saci e a Pantera Negra Jô de Oliveira
1969 Batuque Stil (Pedro Ernesto Stilpen)

 

3. A Animação e os Meios

3.1 Da Tela Grande à Pequena

O cinema alcançou popularidade notória entre 1920 e 1930 nos Estados Unidos, registros mencionam um expressivo público diário de 1,5 milhão até 90 milhões de espectadores semanais – números que não se repetem depois de apresentado o televisor. “Com a expansão da televisão, criada em 1936, mas produzida em massa após 1945, a indústria cinematográfica acusou um declínio bastante progressivo” (MARCONDES FILHO, 1991, p. 17).

No Brasil, a chegada da TV seria propiciada por Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, responsável pelos Diários Associados. Pretendendo a transmissão e verificando a falta do aparelho, contatou uma empresa de modo que trouxesse duzentos aparelhos televisores em apenas três dias. A data marcada estava associada à implantação de uma estação transmissora. “Nas semanas que antecederam a inauguração da emissora, ocorrida no dia 18 de setembro de 1950, a excitação e ansiedade tomava conta de todos” (MORAIS, 1994, p. 498). A ocasião marcaria para sempre o início da TV na América Latina.

Distinta do rádio, onde a proposta era instigar os ouvintes usando a voz e os efeitos sonoros – muitas vezes, improvisados –, a televisão impunha também a imagem e, o mais importante, não era inerte; característica que já atraía os publicitários. “Como não havia VT (videoteipe), as imagens iam ao ar ao vivo. São folclóricos os esquecimentos, os incidentes […] e toda sorte de surpresas que se perderam ao longo da história” (MARCONDES, 2001, p. 32).

Sem maior análise, como origem dessa nova sensação que entrava pela porta da frente e estabelecia seu espaço, foi mais perceptível, ao que se refere à aquisição dessas máquinas, no governo Kubitschek. Estímulos, causados pela atitude que servia como meta de um governo desenvolvimentista, surtia em investimento pesado em publicidade.

A Eclética (1913) é conhecida como a primeira agência brasileira destinada à propaganda. Enfim, havia todo um espaço publicitário onde já eram empregadas as técnicas de difusão de mensagem por parte dos anunciantes, no entanto, a televisão ampliaria esta extensão de maneira só percebida ainda pelos americanos, os quais inseriram em 1947 os conhecidos spots, filmes comerciais.

A implantação da TV no Brasil em pouco tempo promoveria o aparecimento de novas emissoras, de novas perspectivas que movimentariam a área comercial. Neste contexto, o interesse em fazer animação para esse novo veículo só aumentava. Principalmente, porque comerciais como da Shell, Bardhal, Texaco entre vários outros, eram importados.

João Donato, em 1955, montou o primeiro estúdio dedicado a produzir comerciais animados. “A Don-Arte, como se chamava sua produtora, foi certamente uma pioneira no ramo; um release do estúdio anunciava os serviços de: criação de roteiro, animação, gravação de som e até veiculação na emissora de televisão […]” (MESSIAS, 2004). Ainda apresentando técnicas rudimentares, o estúdio foi um espaço importante para o desenvolvimento dos primeiros filmes publicitários para as Lojas Mesbla, Detefon e Biscoitos São Luiz.

Outro pioneiro, Guy Boris Lebrun, nascido na França, veio para o Brasil em 1949 e, em 1956, começou a desenvolver algumas animações, posteriormente, observando um mercado, fundou Dinamic Filmes criando personagens memoráveis. “Entre eles podemos citar Tio Wilson […], Gotinhas da Esso, Arroz Brejeiro e seu companheiro o Marinheiro, o Castor da Brasilit, os elementos químicos da Ultrafértil, o Bamba da Alpargatas, o Gato das Pilhas Eveready etc.” (OS PIONEIROS…, 1997, p.13).

Em virtude do grande interesse pelo ofício, Lebrun é o primeiro profissional da área a idealizar a animação no processo de alfabetização e, como poucos, constatará forte demanda pela arte, sucedendo no Studios Guy.

Mario Lantana, nascido na Itália, também é outro nome que aprimorará a animação nacional. “Lantana era um perfeccionista, um eterno insatisfeito com os resultados. Trabalhou sempre como free-lancer e era animador empregado de Maurício de Souza quando faleceu” (MESSIAS, 2004). O seu traço elaborado pode ser observado nas campanhas do Sal Cisne ou das Casas 477.

Se o número de empresas especializadas em produção de filme animado aumenta é porque do outro lado temos o mercado publicitário trabalhando a todo vapor. “O número de agências cresce, seu faturamento também. E dentro delas, outra pequena, mas significativa, mudança: o departamento de criação ganha força, até então concentrada nas mãos do planejamento e da mídia” (MARCONDES, 2001, p. 43). Com mais recursos e estabelecimento das funções, as campanhas passam a ser mais bem construídas; mais bem pensadas – desenvolvimento este, só possível, graças o advento do VT (1962).

Certamente, é no início da década de 60 que a animação brasileira vai passar por uma transformação, adquirindo formas do que podemos observar no exterior. A produtora Lynxfilm, a princípio, RGE Lince Filmes, fundada por César Mêmolo Jr., buscava introduzir padrões internacionais, além de dispor de espaço e número de funcionários significativo. “De fato, a Lynxfilm era uma grande produtora para os padrões da época (e até mesmo para os atuais): contando com todo o pessoal de produção ao vivo, toda a sua equipe de animação e do laboratório de revelação […]” (MESSIAS, 2004). “Lá foram produzidos os famosos comerciais da Varig, quase todas as aberturas de programação das emissoras de Televisão, e diversos curtas metragens animados que ganharam prêmios” (OS PIONEIROS…, 1997, p.15). A Lynxfilm foi mais que um estúdio, tratava de uma escola de nível profissional. Diante da competência de Ruy Perotti, formou-se uma equipe pioneira, entre eles, Mario Ontivero, Alcy Linares e Luiz Borgui.

Figura 1 – VARIGUINHO

 

Estima-se que no trajeto compreendido em 20 anos de produção, a Lynxfilm tornou efetivo mais de 3.000 filmes publicitários animados, além de vinhetas e filmes de 60 segundos. É dela também o mérito primordial na execução de um curta de animação a cores. Realizado no início das suas atividades, O Homem Voa (1962), trata-se de uma história cômica que ilustra as primeiras experiências do homem com o voo.

Embora se observem uma grande quantidade de profissionais seguindo um estilo disneyano, como Lebrun e Lantana, Perotti se apoia em uma outra corrente de pensamento. A United Productions of América (UPA) marcaria história rompendo padrões. “Contando com talentos como John Hubley, Pete Burness e Bobe Cannon, partem para ousadas experiências envolvendo formas, cores, texturas, som e enredo” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 129). Yellow Submarine (1968), de George Dunning, por exemplo, é uma produção quem vem depois da UPA.

Figura 2 – MENININHA CLAYBOM

 

A persistência de Perotti na organização e treinamento de diversos interessados pela arte da animação resultou na evolução das técnicas nas mentes mais acessíveis. Podemos citar, por exemplo, Francisco Osório, que por um tempo animou a Menininha Claybom; Alcídio da Quinta, um dos maiores interessados no que se refere aos equipamentos e práticas relacionadas ao movimento animado; Roberto Shimose, dedicado à área de efeitos especiais; Walbercy Ribas, com diversas campanhas como da Faber Castell e Homenzinho Azul da Johnson, futuramente, inaugurando a Start Desenhos Animados (1965); Ely Barbosa, autor da animação com pulgas e baratas para a empresa DDDrin, instalando, na década de 60, o estúdio Elo Filmes; Daniel Messias, responsável pelas antigas animações do Frango da Sadia, Chambourcy, Chester Cheetos, Kellogg´s, posteriormente, fundando a Daniel Messias Cinema de Animação (1975) e considerado um dos pioneiros a importar softwares de pintura digital.

Figura 3 – CHAMBOURCY

 

Alguns dos grandes nomes, porém, não passaram pela Lynxfilm, mas se fizeram presente no desenvolvimento gradual e progressivo de tal arte. Como Luiz Briquet, um aprendiz de Lebrun, vindo a montar mais tarde o seu estúdio. É dele as realizações: Bond Boca, Toddynho, Lollo da Milkbar etc. Outro nome é Joaquim Três Rios, responsável por vinhetas célebres que antecederam as criações de Hans Donner.

Obras-primas, como as citadas aqui, não tem recebido valor a altura. Muitos dos nomes vem sendo apagados, como se nunca houvessem existido. Sabe-se, até então, de fragmentos que pouco a pouco contam uma história. Eram mestres na arte de desenhar e animar – nos proporcionava o infinito, a possibilidade de nos fazer imaginar. “O desenho animado não tinha limites, tais como as promessas da propaganda. ‘Bilcreem, Bilcreem, apenas um pouquinho, para mil garotas conquistar!’” (TRAÇOS DE…, 1997, p. 4).

No entanto, nos anos 70 teremos mais um elemento marcante para a história da animação, o computador começa a despontar no cenário brasileiro. Datado de 1940, a máquina só teria semelhança com os computadores atuais – dispondo de tela e ambiente interativo – na década de 60.

“A imagem realista convencional obtida com a câmera passa a ser dissolvida numa rede e efeitos gráficos acentuadamente abstratos, que afastam cada vez mais a televisão do seu padrão figurativo original” (MACHADO, 1995, p.158). Temos uma nova concepção gráfica, onde as imagens são submetidas a um tratamento digital, além de mudanças relacionadas ao sinal de transmissão. “A evolução de uma linguagem analógica para uma linguagem digital pode ser definida como a transformação de uma televisão predominante figurativa em uma televisão predominantemente gráfica” (MACHADO, 1995, p. 158).

Nota

Embora se observasse muitos profissionais realizando trabalhos para a televisão em meados de 70, a produção de curtas-metragens promoverá surpresas. Destaque para Daniel Messias, ao apresentar o primeiro curta com os personagens de Maurício de Souza. Também, em evidência, Marcos Magalhães, com o Meow. “O filme foi premiado nos festivais de Brasília, Havana e Cannes (França)” (SILVA, 1999, p. 18). Nesta mesma linha, de títulos honoríficos, vem Flávio Del Carlo – reconhecido, em 1978, por trabalhos como Paulicéia, melhor curta no Festival de Gramado, e Veneta, premiado no Festival Internacional de Barcelona, no gênero de melhor desenho animado. No Festival de Los Angeles, Fábio Lignini recebe prêmio por Quando os Morcegos se Calam. Salvador Messina, Eduardo Messina, Vera Abbud, Fernando Dassan e Sylvio Pinheiro inserem qualidade técnica nas produções Zabumba e Rovena. Empenho conjunto que se repete nas produções de Bruno André, parceria com Michael Ruman, Ana Mara Abreu e Cao Hamburguer.


Curtas-metrangens brasileiros (1970-1995)
Ano Título da Produção Responsável (Animação)
1971 O Filho de Urbis Pedro Ernesto Stílpen
1972 A Raposa e o Passarinho Antônio Moreno
1973 Emprise José Rubens Siqueira
1974 Reflexos Pedro Ernesto Stílpen e Antônio Moreno
1976 Natal da Turma da Mônica Daniel Messias
1976 Meow Marcos Magalhães
1976 Simplex Alcídio da Quinta
1978 Paulicéia Flávio Del Carlo
1978 Veneta Flávio Del Carlo
1980 Origem dos Andamentos Bruno de André
1983 Tzubra Tzuma Flávio Del Carlo
1984 Zabumba Salvador Messina e Equipe
1985 Fotograma Abstrato Roberto Miller
1985 Boi Aruá Francisco Liberato
1985 Antes do Galo Cantar Bruno de André
1986 Quando os Morcegos se Calam Fábio Lignini
1991 Rovena Salvador Messina e Equipe
1992 Novela Otto Guerra
1993 Dinda´s Daniel Messias

 

3.2 As Influências das Descobertas Tecnológicas

O sistema de linguagem eletrônica organizada seria desenvolvido no Massachussetts Institute of Technology (MIT), o primeiro instrumento, o Whirlwind, seria apresentado em 1951. “Suas telas exibiam um mapa de área e pontos de luz que representavam a presença de alguma aeronave detectada pelo radar” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p.190). Foi neste período que foi introduzido o Sage System, chamada de computação pré-interativa – uma caneta, o Light Pen, conseguia acesso a informações quando sobreposta à tela da máquina.

Porém, foi na década de 60 que houve o desenvolvimento da computação gráfica. O pesquisador de origem norte-americana, Ivan Sutherland, aperfeiçoou o processador gráfico. Em 1963, Sutherland apresentou uma tese no MIT e fez conhecer o Sketchpad – informações obtidas por uma caneta ótica eram armazenadas na memória da máquina.

Logo em seguida apareceram outros nomes como Thomas O. Ellis, responsável pela mesa digitalizadora, Douglas Engelbart, introdutor do mouse e Steve Russel, inventor do videogame (Spacewar), sistema ainda não utilizado como uma forma de entretenimento. “Naquele momento, esse jogo ficou mesmo restrito à própria DEC, cujos engenheiros o usavam como programa de diagnóstico, para verificar o funcionamento de cada novo PDP-1 antes de ser vendido” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 221).

Entretanto, é da Bell Telephone (AT&T) que surgirão as primeiras animações com o uso do recurso digital – com destaque para Kenneth Knowlton –; associadas às contribuições da Boeing Aircraft Califórnia Company e do Lawrence Radiation Laboratory (laboratório da Universidade da Califórnia).

Enfim, a constatação de mudanças pode ser observada em várias atividades. Na década de 70 e 80, as ilhas de edição terão mais liberdade com a introdução do Animac, Scanimate e Caesar. E, as evoluções, não param por aí. “Em 1973, John Whitney, juntamente com Demos, introduziram a técnica de Pixellization, programa gráfico de computador utilizado no cinema, permitindo a fragmentação da imagem em milhões de quadradinhos, dando um efeito mosaico” (SILVA, 1999, p. 23-24).

Já 1975, o ano ficaria marcado pelo surgimento da Microsoft, por Bill Gates. “Em 1980, a IBM alia-se a Microsoft e lançam o programa DOS, para computadores pessoais, impulsionando o crescimento da indústria da informática.” (SILVA, 1999, p.24). Depois disso, a Apple Computer lança o Macintosh (1984) abrindo um campo de oportunidades para artistas, programadores, cientistas e pesquisadores.

Aproveitando do momento propício, o estúdio Disney realiza suas primeiras experiências com os novos recursos: Tron (1982), The Black Cauldron (1985), Tin Toy (1988) – esse, premiado com Oscar de Melhor Filme de Animação. Porém, na década de 90, os filmes Toy Story (Disney) e Cassiopéia (NDR Filmes) entram num embate pelo título de precursor no gênero longa em animação totalmente computadorizado.

Clóvis Vieira, diretor de Cassiopéia, mesmo com todas as dificuldades, foi aclamado por ter filme cem por cento digital, ou seja, sem usar de recursos externos. Fato que revela o grande interesse e espírito desafiador por parte dos brasileiros ao que se refere à animação. Walbercy Ribas também ganha destaque, porém, com material para televisão.É responsável pela série de grande sucesso da Sharp, na década de 70, resultando no Clio Award. “Mas o seu trabalho mais significativo e de maior fôlego, provavelmente tenha sido o longa “O Grilo Feliz”, uma animação de qualidade impecável que consumiu 20 anos de trabalho desse incansável experimentalista.” (MESSIAS, 2004).

Figura 4 – SHARP
Sharp_Nova_Era

 

Na TV brasileira, aos poucos, o uso do computador será evidente. Não existe um filme publicitário que marca a ruptura das técnicas tradicionais para a técnica digital. Temos várias empresas utilizando dos novos conhecimentos como a RBS e a Casablanca.

Hanns Donner, originário da Áustria, ao terminar seus estudos em Hohere Graphische Bundeslehr-und-Versuchsanstalt, uma das melhores escolas de design européia, parte com destino ao Brasil, recebendo o convite para trabalhar na Rede Globo de Televisão, fundada em 1965. Ele é responsável por desenvolver a identidade visual da emissora que é bem aceita e se torna marcante não só pelo conceito, mas por toda a parte de desenvolvimento. “Foi então que deu o primeiro passo em direção ao que constituiu uma verdadeira revolução nos projetos de animação da TV: seu design tridimensional – inédito, até então” (DONNER, 2009).

Figura 5 – METABOLAS (REDE GLOBO)

hansdonner

 

Herdando os conceitos da animação tradicional, a computação gráfica, por ela só, nada poderia criar sem auxílio humano. Cabia ao artista integrar arte e técnica de modo que se obtivesse mais do que formas duras e geométricas.

“O aparecimento das técnicas de metabolas (metaballs) e cinemática inversa – ao lado dos autênticos métodos baseados em simulação física – contribuíram para a superação da estética digital mecânica que marcou as décadas de 1960 e 1970” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p.374). Foi usando deste artifício, que Donner foi capaz de desenvolver as gotas que flutuavam num espaço gelatinoso até formar o logotipo da Rede Globo, na década de 90.

Também será observado neste campo de ação criações com estruturas rígidas, movimentos deformados e falta de expressão. Assim como o movimento, outros elementos visuais compõem a representação básica daquilo que observamos: o ponto, a linha, a forma, a cor, a textura. Enfim, são inúmeras configurações que atribui um todo. Partindo desse princípio, os computadores também deveriam conter esses conhecimentos. As máquinas seriam munidas dos mesmos fundamentos compartilhados pelos seres humanos, possuindo dispositivos que reproduziriam nossos sentidos. A Gestalt foi responsável pelos experimentos que incluíam fenômenos psíquicos e do comportamento, noções que se revelaram como sendo de extrema importância na composição do artifício tecnológico.

Nota

José Mario Parrot Bastos concebeu em 1971 o Balé de Lissajous, sendo considerado o primeiro curta brasileiro a utilizar o computador.

3.3 Criações de Êxito

Os animadores sempre persistiram na animação convincente, pois seus personagens teriam que ser mais do que simples desenhos com movimento; deveriam ter vida. Nesta mesma linha de pensamento, encontra-se Walt Disney; o difusor da ideia. “Para ele, o personagem de animação tinha de atuar, de representar convincentemente; parecer que pensa, respira; convencer-nos de que é portador de um espírito. E para envolver completamente a audiência, esse personagem tinha, por fim, de estar inserido em uma história” (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 99). O artista Norm Ferguson, por exemplo, utilizou suas próprias expressões de rosto para compor a personagem Pluto (Disney).

É interessante observar que as personagens de TV deveriam conter dos mesmos ingredientes das personagens criadas para as telonas, porém com um tempero a mais. Como o tempo era restrito, os filmes de animação apresentavam traços e cores mais marcantes, capazes de revelar ao telespectador características “interiores”, por exemplo, o uso das curvas para criar um personagem de boa índole. Os comerciais de TV funcionaram como alicerces para as empresas que investiram, e continuam investindo, nesta arte, além de assegurar o estabelecimento dos bons animadores.

Um fato atraente quando se opta pela animação é o fato da comunicação universal, capaz de agradar pessoas de diferentes faixas etárias. Dependendo da mensagem, pode ser inconveniente a utilização de personagens em ação livre. Por isso, muitas vezes, para não ser indiscreto ou indecoroso, usa-se a animação com o objetivo de tornar mais leve determinada campanha empregando o humor e a fantasia. “Nada é sagrado no humor. Algumas coisas são tão sérias que elas só podem estar ligadas ao humor” (SANT´ANNA, 1996, p.169). É o que vemos numa produção de 2002, da Atitude Mídia Digital para a empresa farmacêutica Pfizer, fabricante do Viagra. “Disfunção Erétil não é exatamente um assunto fácil. A animação, com doses sutis de humor, permite abordar o tema de forma agradável, mas ao mesmo tempo séria” (CONDE et al., 2002, p. 34).

O Dr. Prevenildo, dos anos 70, foi uma das personagens produzidas para passar uma mensagem delicada sem atemorizar os telespectadores. Criado para uma campanha contra o câncer, a pretensão era estimular as pessoas a fazerem exames de prevenção. A campanha resultou em tão boa recepção (público), que a rede de hospitais solicitou sua retirada do ar devido à demanda acima do previsto.

Outro caso, mais conhecido do grande público, provém da década de 80. Em 1983, falar sobre higiene bucal tinha os seus tabus, por isso a utilização do Bond Boca, personagem animado, foi o recurso mais viável para transformar a comunicação com o público eficiente e, ao mesmo tempo, bem humorada. O mocinho versus os vilões Zé Cariado, Bafo-Bafo e Gargantão fizeram tanto sucesso que deram sucessão a novas situações, além de conseguir informar de maneira didática.

A animação permite quebrar regras, ir além dos limites humanos. Entende-se este recurso, como uma forma de comunicação já introduzida no inconsciente coletivo, procedente de experiências ancestrais que transparece através do tempo. Com essa receptividade pode-se transmitir conhecimento, influenciar, comover e também acabar confundindo as pessoas.

Lembrado até hoje pelos telespectadores de 1971 e 1972, o Sujismundo causou confusão. O propósito do filme institucional estava relacionado a uma campanha de limpeza do governo federal. A polêmica, no entanto, se instalou devido à simpatia da personagem, a qual poderia acarretar uma ação contrária; o estímulo à sujeira. Logo, foram feitas pesquisas e constatado que, apesar do público gostar do garoto-propaganda, ninguém procurava ser como o Sujismundo. Mais tarde, entre 1978 e 1979, a personagem ganhou espaço nos quadrinhos resultando em tiras diárias em jornais do interior – projeto extinto prematuramente. Recentemente, porém, o Sujismundo foi utilizado num livro infantil abordando o tema reciclagem. Como se observa: um dos benefícios do desenho animado é a característica de se manter atual independente do período que seja inserido, talvez este seja um dos motivos para se apostar ainda nesta técnica.

Figura 6 – SUJISMUNDO
sujismundo

 

As criações brasileiras não param por aí… A Barata Rodox (1971) foi a primeira personagem a receber prêmio no exterior, isso no Festival de Veneza (1992), como melhor técnica em animação. Entretanto, o objetivo, que era a venda do produto Rodox, um mata baratas, foi confundido com a dramaticidade da personagem. Muitos telespectadores chegaram a ficar com pena da barata se opondo ao consumo do produto. O uso da animação, neste caso, se deu diante da figura do próprio inseto; algo repugnante. A personagem, construída com traços livres, nada harmoniosos, recebeu tratamento diferenciado diante dos poucos recursos.

Neste trabalho, além do acetato, houve a utilização do sebo de boi, resultando no aspecto sujo, e do nanquim, pigmento que reforçou as formas, sem comprometer na aparência residual. A busca pela pintura despreocupada, a qual transpunha os contornos da personagem, sugeriu um movimento mais interessante. Segundo relatos de Ribas, houve um fato curioso. A pessoa destinada a fazer a voz da barata, para conseguir aquele som desarmonioso, precisava tirar o pivô para o espaçamento de um dente originar a voz sofrida.

O argumento do roteiro:

Gente! Estou aqui para fazer um apelo as donas de casa

Eu sei que sou um bicho feio e sujo

E que assusto muita gente

Bem, assustava né?!

Porque depois que apareceu Rodox

Ihhh, não há barata que chegue

Rodox aparece na hora, faz aquela matança

E ainda fica quinze dias matando

Por favor! Rodox não!

É covardia! Não! Rodox não! Não! Não!

Rodasol é Rodhia.

O uso da animação para tratar da exterminação de baratas marcou época e abriu caminho para muitos outros filmes publicitários do mesmo gênero, que viriam seguidamente, utilizando da mesma linguagem. Até hoje, nos deparamos com pernilongos, moscas, formigas e baratas reclamando de inseticidas superiormente potentes na eliminação dos mesmos. O recurso, como se observa, ameniza temas como é o caso da morte de insetos.

A animação no Brasil veio ganhando mercado e as personagens, não se limitaram mais a um meio comunicativo. O que não é novidade quando se tratando, por exemplo, da Galinha Azul (1988), dos caldos Maggi. “Entre as ações de merchandising, a Galinha Azul esteve presente em todos os eventos que se possa imaginar, dos principais bailes de carnaval às páginas da Playboy, passando pelo inevitáveis programas de auditório” (SAMPAIO, 1997, p. 147). Simpatia iniciada nos intervalos comerciais que sucedeu em promoções e brindes alavancando os propósitos publicitários.

Como a Galinha Azul, o Bond Boca entre tantas outras personagens, a característica que cativou o espectador constituiu numa soma: personalidade adicionada às situações; o impacto emocional.

A emoção é um dos elementos mais utilizados pelos experientes profissionais da propaganda. “A imagem emocional tem influência muito importante na relação do consumidor com a marca” (MARTINS, 1993, p. 27). Tratada como uma reação intensa, mas breve do organismo, em primeiro instante, causa surpresa, a qual se acompanha de um estado afetivo.

É o caso do Lequetreque, ou melhor, aquele franguinho da Sadia. “Criado em 1971 para a campanha publicitária do frango defumado lançado naquele ano, ele foi apresentado como o “frango mais veloz do mundo”. Mais tarde, foi oficialmente batizado como “Lequetreque” – nome vencedor entre as várias sugestões enviadas para um concurso promovido na TV em 1985” (2004).Desse modo, conquistou para sempre o carinho da audiência brasileira. Recebendo primeiramente os traços de Guy Boris Lebrun, Daniel Messias conferiu-lhe aparência e gênio definitivo – o último, baseado na personalidade do publicitário Francesc Petit. O franguinho acabou se tornando um filho para o animador: “uma entidade familiar com a qual eu convivia e chegava até a sonhar”, declarou Messias em uma entrevista.

Algumas das personagens, realmente, acabam ganhando vida própria, alcançando status de celebridade. Essa autonomia, diante das emissoras de TV, possibilita as personagens criadas para as propagandas à transposição de mídias. O tigre Chester Cheetos, da Elma Chips, por exemplo, foi utilizado em videogames.

Figura 7 – FRANGO SADIA

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A animação tem oferecido diferentes empregos, além de propiciar as personagens trânsito livre nos meios de comunicação. Podem sair do gibi e fazer uma boquinha num comercial da Cica ou mesmo, migrar para as pequenas telas de celulares e, se a história for boa, pode ainda render uma experiência nas telonas. Apesar deste crescimento globalizado, os comerciais de TV (seja de animação, seja de ação livre) continuam sendo chamarizes para os anunciantes – sem esquecer, que são eles que sustentam as produtoras e impulsionam as programações televisivas.

Mesmo com os atuais filmes publicitários, um dos comerciais que ninguém esquece está entre os mais remotos da televisão brasileira, o do cobertor Parahyba. Transmitido pela emissora Tupi, às 22 horas, marcava o fim do expediente, depois disso o canal saia do ar.

Jingle cobertor Parahyba:

Tá na hora de dormir, não espere mamãe mandar,

Um bom sono prá você, e um alegre despertar.

Outro que segue a mesma linha é das Casas Pernambucanas, ainda transmitido nas campanhas de inverno da loja, foi produzido pela Lynxfilm, nos anos 60. Utilizando de uma técnica antiquada, mesmo para a época, a animação quadro a quadro e a trilha, de Heitor Carillo, por ora, criticada, conquistou o telespectador. Mais uma vez, a simplicidade proporcionava bons resultados.

Jingle Casas Pernambucanas:

Quem bate?

É o frio

Não adianta bater

Eu não deixo você entrar

As Casas Pernambucanas

É que vão aquecer o meu lar

Vou comprar flanelas

Lãs e cobertores, eu vou comprar

Nas Casas Pernambucanas

E nem vou sentir o inverno chegar

Nota

Outras produções comerciais inesquecíveis: Leite Gloria, Gillette, Fiat Lux, Sal de Fruta Eno, Band Aid, Mirabel, Caloi, Ping Pong, Chambinho, Ceras Dominó, Calçados Sete Vidas (Loja Três Leões), Elefante Jotalhão (Cica), Bebê dos Cotonetes (Johnson), Alfabeto Animado (INCE[Instituto Nacional de Cinema Educativo]), Vaquinha Vaidosa (Fectron), Rosinha Boazuda (Consul) etc.

3.4 O Profissional que Anima

A imagem e o movimento têm exercido desde o começo da história grande atração visual, essencialmente, quando se tratando dos seres humanos. Não é por acaso que inúmeros estudiosos dedicaram grande parte de suas vidas, se não toda ela, na elaboração de projeções animadas. No entanto, não lançaram mão apenas de uma ciência na descoberta e introdução do artifício. Muitos outros conhecimentos se fizeram necessários na fundamentação e elucidação do foco, principalmente, ao que se refere ao cenário brasileiro.

Como registro, inserimos algumas das primeiras obras fílmicas, as quais mesclam uma diversidade de técnicas – talvez, observadas como rudimentares, porém responsáveis pelo desenvolvimento atual. Mais que recursos materiais, a criatividade sempre foi requisito indispensável. Menção para o longa de Nakashima, um trabalho realizado com colagens e recortes de papel; o curta, Batuque, de Stil, realizado com caneta hidrográfica e papel; Simplex, produzido com o uso da areia; as animações de Bruno de André, constituídas através da introdução da massa de modelar por Cao Hamburguer.

As dificuldades enfrentadas pelos profissionais são tantas, que depois do terceiro longa-metragem, uma década separaria produções semelhantes.

“Mas a despeito do talento inequívoco de muitos realizadores envolvidos em todas as produções, a animação de longas não decolou no Brasil como indústria cinematográfica. Com exceção de apenas um produtor, Maurício de Souza, nenhum dos outros diretores foi além do seu primeiro e único filme. As causas deste fiasco até hoje são motivo de discussão nos cine clubes, festivais de animação e programas nas televisões educativas estaduais. E sejam elas quais forem: a falta de uma estrutura de produção, distribuição e exibição, desinteresse do estado e da iniciativa privada em financiar projetos culturais ou até a indiferença do público com a nossa produção de curtas de animação, que engatinha até hoje à procura de um mecenato disposto a bancar o talento dos seus criadores” (MESSIAS, 2004).

Além dos fatores materiais e financeiros, a falta de conhecimento, seja da parte técnica ou artística, resultou em vários impasses no desenvolvimento da animação brasileira. Utilizando de poucas obras como o livro de Preston Blair – pequeno, mas não menos importante – ou o aclamado The Illusion of Life: Disney Animation, os animadores das décadas anteriores foram verdadeiros desbravadores. Porém, passados anos, o problema ainda persiste.

Perotti, após ocupar cargos de direção (diretor de criação, de arte e editorial), relatou em uma entrevista o trabalho de caráter experimental. Os interessados em animação, no início da televisão, tiveram que praticamente redescobrir o desenho animado. Como não havia mesas de animação, pranchetas de filmagem e arte-final, tudo teve que ser produzido aqui, utilizando de um conhecimento superficial. E, ainda, com estes obstáculos, por muito tempo, o individualismo foi um dos empecilhos mais austeros na progressão das experiências relacionadas à animação. Poucos foram os animadores que se esforçaram na manutenção e no reconhecimento desta arte.

As objeções relacionadas à importação não impediram, por exemplo, que Lebrun elaborasse uma filmadora específica para capturar a imagem quadro a quadro ou de fabricar a sua própria tinta misturando desde guache até tinta utilizada no seguimento residencial para aderência ao acetato.

Em 95, tanto nas emissoras de TV, quanto nas produtoras de vídeo, fazia-se obrigatório o estudo do espaço oferecido como ambiente de trabalho. De um instante para outro, surgia a necessidade da acomodação das máquinas. Os computadores chegavam para ficar.

Depois de marcada a presença do computador, nunca mais a propaganda brasileira seria a mesma. A despeito de todas as possibilidades que o equipamento passava a fornecer, as diferenças físicas apontaram para um declínio estrutural, ou seja, os novos equipamentos proporcionavam condições às equipes para apresentações estéticas tão bem elaboradas, como em qualquer lugar do mundo.

Mas, atenção! Apesar das evoluções da eletrônica, dos custos cada vez mais baixos e das produções, significativamente, mais rápidas, a mágica não aconteceu. Seja na composição de um filme 2D ou 3D, as ferramentas tecnológicas – que permitiram fazer o ilusório se assemelhar, e até confundir, com o real –, quando equivocadamente empregadas, surtiram em resultados catastróficos. O desapontamento provindo dos entusiastas à procura de uma receita para o sucesso, gerou dúvidas no campo profissional. Em pouco tempo, a dura constatação: pouco adiantava os recursos de ponta se o argumento era ruim. Mesmo com o progresso virtual, a criatividade e o bom roteiro continuaram sendo elementos importantes, quando o que se almejava era o êxito. Portanto, não bastava uma animação visualmente requintada, se a ideia narrativa do autor não era boa.

Algumas fases, onde são observadas limitações no trajeto da animação, continuaram impactando no mercado nacional. Os trabalhos contemporâneos não alcançaram o status das produções internacionais.

Não há como discutir, os profissionais brasileiros poderiam estar produzindo mais e melhor em relação aos outros países (Estados Unidos, alguns países do continente europeu), os quais permaneceram à frente. O histórico da animação nacional demonstra, pelo empenho e inventividade, que o Brasil deveria estar ocupando um patamar muito acima do observado hoje. Lula Vieira, publicitário, jornalista e nome importante na V&S Comunicações, em um relato sobre a arte, fez um desabafo:

“Já não passam mais desenhos animados em Cannes, nem se vêem tantos na televisão. No entanto, todo ano a Disney sopra a poeira de cinquenta anos de Branca de Neve, Pinochio, Bambi e fatura milhões de dólares. Enquanto isso a gente vai para Cannes aplaudir filmes que mostram gente como a gente fazendo coisas como a gente faz e, exatamente por isso, engraçadas só para intelectual escandinavo” (TRAÇOS DE…, 1997, p. 5).

Passada a fase de estagnação, a retomada ocorre por mãos inquietas e mentes experientes. Em 2009, o público se depara com o segundo longa-metragem de Ribas, O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes. Na televisão não é diferente, algumas produtoras tem o seu trabalho reconhecido. Cabe destacar a Vetor Zero, dos idos de 80, passou por mudanças resultando em excelente infraestrutura – atualmente, uma das melhores em computação gráfica. A produtora, TV PinGuim, também faz jus aos mais de 20 anos de trabalho. Com o sucesso nacional e internacional de Peixonauta, estréia na Discovery Kids (2009), o trabalho é foco para o primeiro longa – fora outra produção (longa) inspirada nas obras da pintora e desenhista, Tarsila do Amaral.

A chegada da TV digital ao Brasil, em 2007, marcou de vez não só a adoção de um novo padrão, mas uma nova maneira de assistir televisão. A tecnologia digital transformou amplamente os veículos de comunicação e, consequentemente, trouxe aos profissionais da publicidade uma gama de recursos impensáveis. “Uma delas é a dos agentes inteligentes que […], interagem com usuários da Internet, celulares, palmtops, brinquedos eletrônicos e TV digital a partir do conhecimento gradual de seus próprios hábitos.” (COSTA, 2008, p. 18). A nova televisão é dotada de dispositivos chamados de inteligentes por permitir a interação com programas e com pessoas. “Neles já é possível encontrar notícias, comércio eletrônico (chamado e-commerce), home banking, meteorologia, tráfego e jogos, por exemplo” (COSTA, 2008, p. 29).

Figura 8 – O GRILO FELIZ E OS INSETOS GIGANTES
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Nos cinemas, a busca pelas salas com recurso 3D só tem aumentado nos últimos anos. Feito que tem motivado muitos animadores a produzirem trabalhos como O Brasil Animado (de Mariana Caltabiano, Nautilus, Rodrigo Gava, Eduardo Campos e Clewerson Saremba) e Bruxaria (de Virginia Cúria). Além das produções nacionais, alguns profissionais se juntam às equipes internacionais desenvolvendo sucessos. A exemplo de Rio (2011), produção americana, da Blue Sky Studios e Twentieth Century Fox Animation, sob direção de Carlos Saldanha.

Nota

Ruy Perotti faleceu em 2005, mas, nos últimos anos, apesar de aposentado, realizava trabalhos de criação. Receptivo à pesquisa, se recordou de grandes campanhas e citou sucessos como Seu Cabral (1967), Urashima Taro (1969) entre outros. No relato histórico, fornecido pelo contato on-line, lembrou o início da carreira:

“A prática profissional só aconteceu quando me transferi para São Paulo, em 1958 e depois de um breve período numa agência de propaganda, conheci a então fundada Lince Filmes e o Boni (da Globo) que era um entusiasta dos comerciais animados. Através desse pessoal consegui fazer um teste e fui aprovado para realizar uma série de três comerciais para o desodorante Mum” (2004).

Entre a nova geração de animadores de sucesso está o seu filho, Guilherme Alvernaz.

Peixonauta é uma criação de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo. Considerada a primeira animação brasileira a obter êxito na TV paga, tem revelado índices invejáveis de audiência. É de Catunda, também, a obra fílmica Tarsilinha.

O trabalho de brasileiros em equipes internacionais não vem de agora. Céu D´Elia, na década de 90, inseriu seus conhecimentos (como desenhista) na produção de Steven Spilberg, Fievel Goes West, an American Tail II (1990/91), e de Walt Disney, The Goofy Movie (1993).

5. Considerações finais

A animação na publicidade, diante dos novos meios comunicação, trouxe um cenário riquíssimo em elementos tecnológicos como softwares, programas gráficos, computadores cada vez mais potentes e menores. Por outro lado, verificamos a ausência de profissionais especializados para utilizar dos recursos. Uma falta de equilíbrio causada pela escassez de cursos conceituados na área, a existência do individualismo (adotado, em certos períodos, por alguns animadores) e o pouco interesse do profissional na leitura de obras referentes – publicações americanas que reforçam a necessidade do domínio do idioma, seja para lhe dar com a máquina, seja para poder operar os novos programas.

O mercado nunca precisou tanto de novos talentos como agora. As novas tecnologias: TV digital, celulares, palmtops, iPads, pendrives e outros mecanismos de armazenamento ou veiculação de informação (comunicação) tornaram a animação elemento essencial para a interação usuário e máquina. Nunca se falou tanto de interatividade; em uma possível interligação de todos os meios; de uma publicidade mais abrangente e mais próxima do consumidor.

Iniciamos o trabalho com a menção das figuras rupestres revelando o desejo antigo pela comunicação mais direta, com o uso de ilustrações, para nos depararmos com a sociedade atual: uma população que caminha para um possível isolamento humano, onde os elementos de conforto estão embutidos em parafernálias mecânicas; máquinas. As pessoas não disponibilizam mais de tempo e necessitam dos meios para criar vínculos.

Nessas novas relações que vão sendo estabelecidas pelo mundo moderno, personagens animados se revestem de uma tecnologia capaz de fornece-lhes a capacidade de sentir. Diferente do ser humano, os bonecos virtuais, mesmo que não sintam, são capazes de demonstrar: amor, tristeza, emoção… Enfim, o cinema e a propaganda, percebendo essa lacuna, cada vez mais, vem se utilizando da carência afetiva para criar seres capazes de envolver o espectador sem que o mesmo perceba, uma vez que o homem está mais receptivo ao entretenimento e a beleza que dado anúncio pode vir a lhe oferecer.

A tendência é mesmo essa. A animação promove beleza desde pequenos detalhes como a simples inserção de caracteres até a criação de personagens perfeitos. Diferente de atores, utilizados a dedo para compor uma personagem (curta ou longa-metragem) ou passar credibilidade ao consumidor (campanhas publicitárias), o qual, ora ou outra pode se envolver em um escândalo, por exemplo, vindo a comprometer sua imagem. Os personagens animados não geram fofoca, não envelhecem, ao contrário: melhoram com o passar do tempo diante dos novos recursos. Pelo menos é o que vemos no pequeno personagem com chapéu de “couro” das Casas Bahia ou no franguinho da Sadia – a mudança é expressiva dada à inserção dos recursos 3D.

Depois da invenção do computador, entramos na época das máquinas portáteis já pensando nas possibilidades do mecanismo sem fio e, no momento, investigam-se as possibilidades de se extinguir o aparato mecânico, ou seja, projeções ao ar. Porém, mesmo com tantas possibilidades propiciadas pela tecnologia, o conhecimento das técnicas para fisgar o espectador, o estudo da animação e do desenho tradicional ainda são recursos necessários para a utilização consciente e inteligente. Enfim, a máquina, até então, não exclui o homem enquanto ser criativo e capaz.

Nota

Graças aos grandes mestres da animação, que não sucumbiram diante das improvisações e falta de aparo financeiro, em junho de 2003 foi fundada a Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA) – um passo importante para o reconhecimento dos profissionais, além da arte.

Como o Anima Mundi, festival de animação originado nos idos de 90 e encabeçado pelos animadores Marcos Magalhães, Aida Queiroz, Cesar Coelho e Léa Zagury, as iniciativas (concursos, eventos públicos, workshops…) incentivam as produções independentes e revelam grandes talentos. As mídias, como a TV e o cinema, há bem pouco tempo atrás os dois únicos espaços para a animação, não são mais os focos dos novos e conceituados animadores. A internet, os celulares, i-Pods, e-Books, tablets etc. são meios que desafiam os profissionais e revelam possibilidades inéditas.

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Observação: diante das fontes (panorama brasileiro), o conflito de datas, por vezes, foi constatado. Em decorrência, manteve a coerência com o cenário e as descobertas. Outro fato importante está na falta de material referente aos animadores. Os nomes que não foram citados, além de obras fílmicas, poderão fazer parte deste material em uma futura edição.

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Monalisa Arikawa é graduada em Comunicação Social, pós-graduada em Audiovisual e Tecnóloga em Produção Publicitária