Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bonner, Homer e a audiência presumida

Li com atenção o tema levantado pelo professor Laurindo Lalo Leal Filho, da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) na matéria ‘De Bonner para Homer‘, sobre o critério de seleção de matérias para o Jornal Nacional publicada na edição número 371 (de 7/12/2005), da revista CartaCapital. ‘A escolha do que vai ser notícia para o Brasil é feita superficialmente, quase sem discussão’, diz Lalo, assinalando que para o editor-chefe do telejornal, William Bonner, ‘o perfil do telespectador médio do JN é o de Homer Simpson’.

Li com a mesma atenção a resposta de Bonner (‘Sobre a necessidade de ser claro‘) logo depois da matéria ser publicada na revista. Além de Homer, o editor-chefe do JN diz que também costuma citar Lineu, de A Grande Família, como parâmetro para identificar o telespectador médio do Jornal Nacional: ‘Nos dois casos,’ – escreve Bonner – ‘refiro-me a pais de família, trabalhadores, protetores, conservadores, sem curso superior, que assistem à TV depois da jornada de trabalho. No fim do dia, cansados, querem se informar sobre os fatos mais relevantes do dia, de maneira clara e objetiva’.

Tentei me colocar na posição de um e de outro. Já estive dos dois lados: o de quem vive o dia-a-dia da redação, produzindo notícias para a TV, e o de quem atua na área acadêmica, pesquisando e refletindo sobre essa produção. Lógico que o debate em torno do assunto me instigou. E logo veio a lembrança de um trabalho que pode ajudar a clarear as coisas. O professor Alfredo Vizeu, da Universidade Federal de Pernambuco, que também já esteve dos dois lados, chama de ‘audiência presumida’ aquilo que o jornalista tem na cabeça quando está escolhendo a notícia para o telejornal. O conceito está contido em seu livro O lado oculto do telejornalismo (Editora Calandra, 2005), onde o autor afirma que…

‘os telespectadores devem gostar do noticiário pois do contrário não vão assisti-lo, e é preciso que o assistam para que possam ser vendidos aos patrocinadores. Assim, a televisão fabrica a sua audiência, assim como fabrica os noticiários’.

E continua:

‘Através das características prazenteiras do aparelho de base, através dos procedimentos ficcionais, através de apresentadores atraentes como subtexto erótico das notícias, a televisão se fabrica como objeto bom’ (Vizeu, 2005:69).

Há um outro momento em que o autor chama de ‘contrato de comunicação’ o vínculo estabelecido entre a emissora de TV e seu público, no que pode ser conceituado como ‘audiência presumida’:

‘Os jornalistas constroem antecipadamente a audiência a partir da cultura profissional da organização do trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares (as regras de redação), da língua e das regras do campo das linguagens para, no trabalho da enunciação produzirem discursos.’

E finaliza:

‘E o trabalho que os profissionais jornalistas realizam, ao operar sobre os vários discursos, resulta em construções que, no jargão jornalístico, podem ser chamadas de notícias.’ (Vizeu, 2005:94)

Passo importante

Volto a Lalo, Bonner, Homer e Lineu para concluir que a questão é oportuna e merece a reflexão, tanto de quem produz para a TV como para quem a estuda. E esse é o objetivo da rede oficialmente criada no final de novembro, em Florianópolis. Conscientes de que a televisão ainda não é estudada como deve ser, foi proposta durante o III Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) a formação de uma rede de pesquisa em TV. Dela fazem parte pesquisadores com vivência nos dois lados, que trouxeram a experiência das rotinas produtivas do mundo profissional em TV para o âmbito da pesquisa acadêmica, onde hoje atuam.

A história do Núcleo nasceu de uma proposta da professora Beatriz Becker já no encontro de fundação da SBPJor, em Brasília, quando começou a ser articulado o Grupo, que apresentou a idéia de realizar a primeira Comunicação Coordenada no II Encontro, em Salvador, em 2004. Naquele primeiro encontro, Vizeu, Beatriz Becker e Iluska Coutinho já apresentaram trabalhos e deram os primeiros passos para a construção do Grupo, que foi ampliado agora em Florianópolis com a entrada de novos professores que estudam e ensinam sobre televisão.

Hoje o grupo conta com os seguintes pesquisadores: Célia Motta (UNB); Beatriz Becker (UFRJ); Iluska Coutinho (UFJF); Flávio Porcello (UFRGS); Dalmer Pacheco (UFAL); Sebastião Squirra (Umesp); Felipe Pena (UFF); Antônio Brasil (UERJ) e Rutgers University; Marcelo Câncio (UFMS); Yvana Fechine (UFPE); Aline Greco (Unicap); Maria Cleidjane (Unicap); Sílvia Moretzshon (UFF) e João Carlos Correia (Universidade Beira Interior, Portugal).

É apenas um núcleo inicial que receberá o apoio e as contribuições acadêmicas de todos os interessados em estudar, pesquisar e ajudar na construção de uma televisão de melhor qualidade. Com certeza um passo importante para melhorar a TV que nós queremos ver a cada dia.

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Professor de Telejornalismo e pesquisador em TV na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)