Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De que lado estou?

Como militante na defesa dos direitos humanos e do movimento pela socialização da comunicação, ando questionando sobre o que democratizaria mais nossa luta: a exigência do diploma ou a ausência dele?

Minha cética posição diante da tese defendida pela Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas vem sendo questionada algumas vezes. A última foi após a divulgação do fato de que seis dos onze ministros do STF – Supremo Tribunal Federal já terem se posicionado contra. Caso persista assim, a Fenaj estará perdendo mais uma de suas lutas. Mas ainda é possível que alguns mudem de posição, diante de novos argumentos que poderão surgir, impedindo que isto ocorra. Possível, mas pouco provável.

Embora não possam antecipar seus votos, alguns já sinalizaram, nos bastidores ou em decisões anteriores, como pretendem votar. Um deles é o próprio presidente do Supremo, Gilmar Mendes, relator do caso. Em 2006, ele relatou, na 2ª Turma do STF, uma medida cautelar que garantiu o exercício profissional a pessoas que trabalhavam na área sem ter o registro no Ministério do Trabalho. Na época, Gilmar teve sua posição referendada por Cezar Peluso, Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Mesmo não tendo participado da análise do recurso, os ministros Eros Grau e Ricardo Lewandowski também chegaram a dar declarações ‘simpáticas’ à decisão dos colegas. Os dois declararam publicamente que o exercício da profissão de jornalista não deveria estar atrelado a diploma específico de graduação porque, na avaliação deles, não dependeria de conhecimentos específicos. A possibilidade de derrubada da obrigatoriedade do diploma de jornalista não se restringe à ação do Judiciário.

Posição maniqueísta

Propostas vindas do Executivo e do Legislativo também apresentam mecanismos de flexibilização da exigência de graduação específica para a área [ver aqui].

A Fenaj protestou de forma estupidamente genérica e evasiva, sem demonstrar objetivamente que qualquer parte desta notícia seja manipulada, mesmo amaldiçoando cada letra dela:

‘Representantes da Fenaj e da Campanha Nacional em Defesa do Diploma viram em tais iniciativas tentativas dos donos da mídia de influenciar a decisão dos ministros do STF. (…) Para o presidente da Fenaj, Sérgio Murillo de Andrade, as informações disseminadas em alguns veículos de comunicação e em listas de e-mails são interpretações daqueles que `estão na torcida contra o diploma´. Para Murillo, é legítimo assumir o lado patronal. `O que não é lícito é manipular informação, distorcer a realidade. Antecipar as posições dos ministros é exercício de futorologia´, criticou, combatendo a versão de que a maioria dos ministros do STF têm posição contrária ao diploma’ [ver aqui].

Alguns defendem que esta se trata apenas de uma questão trabalhista. Que não tem coisa alguma a ver com liberdade de expressão ou democratização da comunicação. Há também uma posição maniqueísta: ou defendemos a posição dos jornalistas, ou a de quem apenas quer ter o privilégio de comprar barato seus serviços. E indagam enfaticamente sobre o lado em que me posiciono neste imbróglio.

Ética e qualidade na informação

Estou do lado de quem não acredita em liberdade de expressão quando o jornalista é escravo de seu patrão.

Estou do lado de quem não compreende como os países de primeiro mundo conseguem sobreviver sem exigir este idolatrado diploma.

Estou do lado de quem ainda não tem dados para confirmar que lá estes serviços são comprados por um preço inferior ao daqui, após décadas de diploma de jornalismo obrigatório em nosso país.

Estou do lado de quem não compreende como o diploma possa resolver o único problema que há nesta questão trabalhista, que é a absoluta submissão do profissional de jornalismo aos princípios éticos e à qualidade da informação imposta pela voracidade insaciável de lucro a qualquer custo por parte de seu empregador.

Estou do lado de quem acredita que democratizar a comunicação e a informação é democratizar a relação existente entre o capitalista da mídia, o jornalista e o recipiente do trabalho de ambos.

Estou do lado de quem não percebe como esta relação trabalhista pode ser equilibrada em benefício da ética e qualidade mínimas na informação para a sociedade, prometidas equivocadamente pela Fenaj.

Luta de classes

Estou do lado de quem duvida muito que os capitalistas aceitem suas empresas serem controladas por um conselho independente de sua influência para assegurar efetivamente estas condições.

Estou do lado daqueles 95% que não confiam em nossos políticos, certos de que deles jamais sairá uma legislação que resolva efetivamente este problema.

Estou do lado dos que consideram a República uma reparticular; a Federação, um estado unitário, oligárquico e autoritário; a eleição, um leilão; o Estado democrático de direito, uma mentira que se faz passar por um Estado democrático de fato etc. etc. etc.

Estou do lado daqueles que suspeitam de entidades de classe de jornalistas que não têm vergonha de serem financiadas pelo dinheiro de seus patrões.

Estou do lado daqueles que não acreditam em conciliação de classes, mas em luta de classes, ainda que pacífica.

Vítima e cúmplice

Estou do lado dos que jamais encontram jornalistas capazes de reproduzir estas verdades, com todas as letras e cores. Com ou sem diploma!

Estou do lado daqueles que consideram um absurdo a categoria se mobilizar para lutar pela obrigatoriedade do diploma, mas não é capaz de se concentrar no ponto fulcral de uma relação trabalhista leonina, de uma forma geral em qualquer profissão, mas que, especialmente no caso de um comunicador, obriga-o a ser um instrumento passivo da grande inimiga do povo brasileiro: a mídia comercial, como registrou Perseu Abramo.

Estou do lado daqueles que não acreditam no Conselho Federal de Jornalismo, da forma como foi proposto, como sendo capaz de colocar um fim adequado a esta questão. Afinal, em função da conciliação da classe com seus exploradores, não propõe medidas que sequer apontem nesta direção: um conselho deliberativo em cada grande empresa da mídia que impeça a manipulação da informação, garantido ética e qualidade adequadas em sua divulgação para a sociedade.

Estou do lado de quem enxerga o jornalista não apenas como vítima deste processo de manipulação, mas também como cúmplice.

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida