Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Notícias sobre a internet


O tema deste artigo foi comentado no Observatório por Luiz Weis (‘Parasitas ou renovadores do jornalismo?), Sandro Vaia (‘Os jornais e a cacofonia da internet‘) e Ricardo Kotscho (‘O maridão na net e o futuro dos jornais‘)


Entre todos os dolorosos e pessimistas números que vêm surgindo do mundo dos jornais – a queda abrupta em circulação, a estarrecedora perda de receita, a dívida crescente e as perdas incalculáveis – nenhum parece tão realista quanto a marcha inexorável para o desemprego e as fusões. Segundo o blog Paper Cuts, os jornais perderam 15.974 empregos em 2008 e mais 10 mil na primeira metade de 2009. Isso significa menos 26 mil repórteres, editores, fotógrafos e colunistas para cobrirem o mundo, analisarem fatos políticos e econômicos, revelarem corrupção e abuso e escreverem sobre cultura, entretenimento e esporte.


O número de sócios da Associação de Repórteres e Editores Militares caiu de 600, em 2001, para menos de 100, atualmente. Em abril, a empresa Cox Newspapers fechou seu escritório em Washington, contribuindo para a dramática queda do número de repórteres cobrindo o governo federal. O Boston Globe, o Baltimore Sun, o Philadelphia Inquirer e o Newsday fecharam suas escritórios no exterior. Devido a repetitivos cortes, os jornais de rede McClatchy, que incluem o Sacramento Bee, o Charlotte Observer e mais de duas dúzias de diários em território norte-americano, não têm condições de abrir uma sucursal no Sudeste Asiático – um projeto de três anos – nem de manter um correspondente permanente no México, ou mesmo em Bagdá, onde sua agência fez um trabalho excepcional. Nos ‘bons tempos’, escreveu recentemente Mark Seibel, editor do grupo McClatchy, a empresa podia dispensar repórteres ‘e insistir, na cara dura, que isso em nada mudaria nossa capacidade de cobrir as notícias. Isso acabou. O último ano de dispensas, cortes e consolidações doeu muito. Isso é ruim’.


Uma prática reinventada


Numa conversa online com leitores, Bill Keller, editor executivo do New York Times, lamentou a ‘crescente diminuição de jornalismo de qualidade’ numa hora de ‘crescente demanda’. Por jornalismo de qualidade, disse ele, referia-se ao que ‘envolve repórteres experientes deslocarem-se aos locais, ouvirem depoimentos, fuçarem arquivos, criarem fontes, checarem e rechecarem os fatos, apoiados por editores que reforcem altos padrões’. Esse tipo de jornalismo, acrescentou, está desaparecendo porque é um trabalho duro, caro e, às vezes, perigoso. Os tradicionais praticantes desse jornalismo – basicamente, jornais – vêm fazendo cortes nas despesas ou indo à falência. O maravilhoso brotar de comunicação desencadeado pela internet contém inúmeras vozes comentando o jornalismo de outros, mas são poucas as que fazem reportagens próprias.


As queixas de Keller – entre muitas outras, na indústria – têm uma faceta comum a várias outras: uma crítica ácida à internet e aos blogueiros que normalmente fazem comentários em sites da web. David Simon, ex-repórter do Baltimore Sun e criador do site The Wire, em recente depoimento ao Senado sobre o futuro do jornalismo, apresentou uma versão particularmente crítica. Embora a internet seja uma ferramenta maravilhosa, declarou, ela é parasitária, sugando das maiores publicações as notícias, às quais se agregam sites e blogueiros cuja contribuição é pouco mais do que uma repetição, comentário ou conversa fiada. E aí, os leitores acessam a notícia desses agregadores e abandonam seu ponto de origem – a saber, os próprios jornais. Resumindo: pouco a pouco, o parasita está matando seu anfitrião.


Essa imagem da internet como parasita procede. Sem a coleta fundamental de notícias realizada pelas empresas estabelecidas, muitos sites iriam pipocar e morrer. Com sua atitude desdenhosa, entretanto, essas afirmações não só parecem obsoletas, como são defensivas. Apenas nos últimos meses, uma notável quantidade de material original, empolgante criativo (embora também caótico e tresloucado) apareceu na internet. A prática do jornalismo, longe de ser sugada pela web, ali vem sendo reinventada, com uma variedade de experiências fascinantes na coleta, apresentação e entrega de notícias. E, a menos que os editores e diretores de nossos principais jornais comecem a dar atenção ao fato, estarão apressando seu fim.


O Talking Points Memo (TPM)


1. Os dois blogueiros mais conhecidos como os pioneiros, Mickey Kaus e Andrew Sullivan, continuam na parada. Kaus, que criou o blog kausfiles em 1999, agora está na Slate e Sullivan, que começou o Daily Dish em 2000, agora está fazendo The Atlantic. Ambos continuam usando o estilo que ajudaram a popularizar – manifestações curtas e críticas de comentários e opiniões construídos a partir de links com artigos, colunas, documentos e outros blogs. À primeira vista, essa abordagem poderia parecer relevante da acusação de parasitismo. No início de julho, por exemplo, Sullivan escreveu, sob a manchete ‘Onde está agora a extrema-direita’:




‘Vi isto em Aspen [onde ele estava participando de uma conferência]. Michael Scheuer dizendo que a única `esperança´ para os Estados Unidos era um ataque importante da parte de Osama bin Laden. É aí que eles estão, cada vez mais loucos.’


Abaixo, havia um link para um clipe da Fox News no qual Scheuer, ex-analista da CIA, realmente manifestava a esperança de que bin Laden atacasse os Estados Unidos, para que o governo tomasse finalmente as medidas necessárias para proteger o povo norte-americano.


Sullivan está parafraseando o jornalismo de outros, e não escrevendo um texto pessoal. Porém, como mostra a leitura constante de seus posts, seus múltiplos links com um amplo leque de fontes – processados por sua idiossincrática-gay-católica-thatcherista-libertária-radical mente – produzem uma visão engajada e original do mundo. Uma demonstração dramática disso ocorreu logo após as eleições no Irã, quando seu site se tornou um escoadouro em tempo real para e-mails, textos de Twitter, vídeos do YouTube, fotos e e-mails originários de Teerã, muitos deles postados antes que os principais noticiários os divulgassem.


Aparentemente, Sullivan não vacilou – ele realmente queria o fim do regime linha-dura que apoiava Ahmadinejad e manteve seu site com esse objetivo – mas, num momento em que os jornalistas ocidentais, em grande parte, estavam amordaçados, o Daily Dish serviu de centro nervoso para notícias das ruas iranianas. Enquanto lia seu site, também estava assistindo à CNN e me pareceu claro que Sullivan, sentado à frente de seu computador, superou amplamente a performance de toda a rede global da CNN.


A abordagem curta e crítica de Sullivan e Kaus continua popular entre muitos blogueiros, mas com o passar do tempo deu lugar a várias crias que por si só se tornaram modelos. Entre os que mais se destacam está o Talking Points Memo (TPM), que começou com Josh Marshall em 2000, quando ele era editor do American Prospect. Após contínuos embates com seus colegas editores – ele gostava mais de Bill Clinton e da livre iniciativa do que eles –, começou a trabalhar como freelancer e criou seu blog. Embora inspirado por Sullivan e Kaus, Marshall era essencialmente um repórter e incluiu em seu blog mais material do que o que já havia revelado. O resultado foi um novo tipo de blog que não somente comentava a notícia, como, às vezes, dava um furo.


Fontes profissionais


Uma etapa fundamental veio em 2002, quando Marshall alertou para os comentários racistas sobre de Trent Lott e, chamando atenção para eles em posts frequentes, contribuiu para a queda de Lott. Como divulgaram os leitores do TPM, Marshall teria condições de atrair anunciantes que, por sua vez, permitiram que contratasse uma equipe que lhe permitisse divulgar mais notícias. Fluíram dicas de leitores sobre fatos políticos em suas comunidades. Vasculhando-as, em 2007, Marshall conseguiu detectar um padrão, no governo Bush, dos promotores pelo país afora. Seus posts raivosos sobre o assunto ajudaram a prestar atenção na imprensa nacional, garantindo-lhe um George Polk Award.


Atualmente, o Talking Points Memo é um dos sites políticos mais visitados na web. Além do blog do próprio Marshall, inclui o TPMDC, que cobre a capital, o TPMmuckraker, que faz investigações, e o TPMcafé, que apresenta textos de colaboradores. O rápido crescimento do TPM reflete uma guinada política mais ampla que vem ocorrendo na web. Em 2005, quando escrevi pela última vez sobre a blogosfera, ela era controlada pela direita, liderada pelo desconexo Drudge Report. Hoje, a esquerda liberal vem crescendo (enquanto entre os conservadores a preferência é pelo rádio).


Numa visita recente ao escritório da TPM, em Manhattan, o lugar parecia assustadoramente calmo, com cerca de uma dúzia de jovens repórteres, redatores e ‘agregadores’ (que fazem o link com outros sites da web) olhando atentamente para as telas de seus computadores. Marshall, um cidadão impassível com 40 anos de idade, disse-me que passa boa parte de seu dia de trabalho lendo e-mails dos leitores. ‘Comparativamente ao tamanho, o volume e a qualidade dos e-mails que recebemos é bem maior que a do New York Times ou do Washington Post‘, afirmou. ‘Permite que façamos mais do que os próprios jornais fazem. Os repórteres políticos têm boas fontes, mas tendem a ser fontes profissionais, acostumadas a dar dicas aos repórteres. Nós mexemos com um tipo de gente que não está aculturada pelo mundo do jornalismo político. Se alguma coisa acontecer no estado de Kansas, eu ficarei sabendo.’


Experiência desejável


Ao longo dos anos, Marshall ajudou a treinar muitos repórteres-blogueiros com conhecimentos de internet que levaram seus talentos para outras instituições, mais bem dotadas. É o caso de Paul Kiel. Depois de dois anos na TPM, ele foi contratado pela ProPublica, uma entidade investigativa online que é bancada por bolsas multimilionárias do ex-magnata da área imobiliária Herbert Sandler e outros filantropos. Desde que começou, em 2008, num espaço elegante de Manhattan, a equipe da ProPublica produziu documentação que vai do envolvimento de médicos em tortura à contaminação de água potável por gases.


De início, a ProPublica era mais voltada para investigações conjuntas com empresas jornalísticas bem estabelecidas, como 60 Minutes e o New York Times, e divulgando suas pesquisas por meio deles, mas com o tempo avaliou que poderia valorizar seu trabalho criando um site próprio na web. Paul Steiger, ex-editor administrativo do Wall Street Journal e que dirige a operação, fala, satisfeito, das ‘pessoas muito inteligentes e jornalisticamente orientadas para a internet’ que contratou, entre as quais Paul Kiel. ‘Ele é uma espécie de reencarnação de I.F. Stone’, diz Steiger, ‘mas em vez de apenas ler documentos oficiais, ele esmiúça a internet e depois faz um ou dois telefonemas. Está com a bola toda.’


Uma das tarefas de Kiel é fuçar na internet em busca de trabalho investigativo feito por outros. Muitas vezes, diz Steiger, esse tipo de trabalho é jogado de lado, ignorado, mas ao aperfeiçoá-lo e acrescentando comentários, Kiel e seus colegas contribuem para que se dê mais atenção. Kiel também criou um sub-site para rastrear o dinheiro gasto por Washington. O site ainda está em construção – a assustadora massa de números, tabelas e gráficos não é tarefa fácil para novatos – mas faz parte de uma desejável experiência para avaliar a viabilidade de fazer reportagens investigativas na web.


Relação simbiótica, não parasitária


Kiel é um exemplo de uma nova raça de ‘híbridos’, formados nas práticas de jornalismo impresso e o uso do ciberespaço. Há outros, como Matthew Yglesias, de 28 anos, que começou a mexer com um blog quando estudava em Harvard e agora escreve sobre política norte-americana para o Think Progress, blog do Center for American Progress, ou Ross Douthat, que depois de se graduar em Harvard entrou para The Atlantic em 2002, onde editava e fazia um blog. No início deste ano, tornou-se colunista do New York Times. Há ainda Ezra Klein, que começou como blogueiro quando estudava na Universidade da Califórnia e desenvolveu uma especialização em estudos sobre saúde que impressionou de tal forma os editores do Washington Post que o contrataram, nesta primavera, para cuidar do blog do jornal. ‘A explicação tornou-se mais importante que o comentário’, diz Klein, que tem apenas 25 anos.


Mas a internet não é somente para meninos-prodígio. Oferece uma plataforma para cidadãos de todas as idades, cheios de idéias, mas sem os meios de transmiti-las. Um bom exemplo é Marcy Wheeler, que fez doutorado em Literatura Comparada pela Universidade de Michigan e foi trabalhar como consultora para a indústria automobilística. Começou como blogueira em 2004 e tornou-se conhecida por seus posts sobre o caso do vazamento envolvendo Valerie Palmer. Em 2007, ela ‘blogou’ ao vivo o julgamento de Lewis Libby e ainda naquele ano, depois de deixar seu emprego como consultora, passou a trabalhar em tempo integral como blogueira para o FireDogLake, um blog coletivo de esquerda, no qual agora se concentra em temas como tortura e escutas clandestinas. Ouvi falar de Wheeler pela primeira vez em abril deste ano, quando seu nome foi citado numa matéria de primeira página do New York Times sobre a revelação de documentos da era Bush sobre técnicas de interrogação. Após ler minuciosamente os documentos, Wheeler concluiu que Khalid Sheikh Mohammed fora ameaçado de afogamento 183 vezes em um mês. Essa revelação foi rapidamente dada pelo Huffington Post e logo em seguida apareceria no Times.


‘A idéia de que nosso trabalho é parasitário é absurda’, disse-me Wheeler por telefone. ‘Há muito trabalho bom e original na blogosfera. Metade dos jornalistas visita a blogosfera quando fazem uma matéria.’ Ao mesmo tempo, disse, ‘sinto-me feliz em reconhecer que confio plenamente nos jornalistas. Você não pode conversar sobre tortura, por exemplo, sem mencionar Jane Mayer [da revista New Yorker]’. Wheeler também respeita muito Dana Priest e Joby Warrick, do Washington Post, e James Risen e Douglas Jehl, do New York Times. ‘Deveríamos falar de uma relação simbiótica, e não, parasitária’, afirmou. O que preocupa os blogueiros, acrescentou, são aqueles jornalistas que moram na ‘aldeia’ – alegoria, diz ela, para a sabedoria submissa, inquestionável e convencional que vem de Washington. É o mundo das Peggy Noonans e dos David Broders, que só se interessam por corridas de cavalos ou em manter o status quo de que fazem parte.


Dando voz à opinião de um pacifista


A blogosfera, por outro lado, provou ser especialmente atraente para quem, apesar de se ter especializado num assunto, tem pouco acesso às páginas de opinião. Aqui, o modelo é Juan Cole, professor da Universidade de Michigan cujo blog, Informed Comment, vem há anos oferecendo uma análise mais precisa de acontecimentos no Iraque – e, agora, o Irã – do que aquela de muitos repórteres residentes naqueles países. Atualmente, é possível encontrar comentaristas semelhantes praticamente em qualquer assunto. Para a opinião de um médico sobre problemas pessoais de saúde nos Estados Unidos, pode-se acessar KevinMD, um blog de Kevin Pho, de Nashua, New Hampshire. Para uma perspectiva da educação, existe o joannejacobs.com, de uma ex-colunista do Knight-Ridder; e para políticas de drogas, há The Reality-Based Community, do professor Mark Kleiman, da Universidade de Los Angeles.


Além desses sites individuais, a web ajudou a abrir assuntos que antes ficavam fora dos limites da imprensa. A política interna dos Estados Unidos em relação a Israel é um bom exemplo. Até recentemente, as atividades de lobbies pró-Israel como o Aipac eram praticamente ignoradas pelos repórteres, receosos de serem tachados de anti-semitas ou anti-israelenses. Atualmente, abundam na internet notícias, análises, opiniões e polêmicas sobre as relações entre os Estados Unidos e Israel. Rob Browne, um dentista de Long Island, mantém atualizada a legislação relativa a Israel no congresso pelo blog, de esquerda liberal, Daily Kos. M.J. Rosenberg, ex-falcão da equipe do Aipac que se tornou pacifista, esquadrinha as atividades do lobby pró-israelense em Talking Points Memo. Em ferrenha oposição a eles, há um batalhão de defensores de Israel, incluindo Ron Kampeas, Michael Goldfarb (responsável pela edição online do Weekly Standard) e o jornalista-blogueiro mais influente em questões relacionadas a Israel, Jeffrey Goldberg (em The Atlantic).


Ambos os lados alimentam uma imensa quantidade de informações na web. ‘No passado, eu tinha dificuldade em conseguir um exemplar do Haaretz‘, diz Philip Weiss, criador do blog Mondoweiss, referindo-se ao jornal israelense. ‘Agora, pela internet, não só tenho acesso a ele, como a toda a imprensa israelense e árabe.’ Weiss é um, entre vários amigos, que vi crescer com a internet após passar anos de frustração escrevendo para revistas. Com sua crítica forte a Israel, seu site irritou, inclusive, alguns de seus colegas pacifistas, mas deu voz a uma opinião que, no passado, teria poucas chances de ser ouvida. No mês de junho, com 8 mil dólares que arrecadou em donativos, Weiss viajou para Gaza com um grupo de pacifistas e, por vários dias, enviou matérias sobre seus encontros com estudantes, paramédicos e autoridades do Hamas.


Interesses especiais entrincheirados


2. Mesmo em assuntos que estão nas manchetes, como a crise financeira, a web oferece percepção e revelação. Por ocasião da crise da bolha das hipotecas imobiliárias em 2007, por exemplo, os jornalistas, tentando compreender a confusão, precipitaram-se para sites como Calculated Risk, no qual Tanta, pseudônimo de um banqueiro que trabalhava com hipotecas e tinha vinte anos de experiência na área, esmiuçava as loucuras dos tomadores de empréstimos e a irresponsabilidade das agências reguladoras. No site Naked Capitalism, Yves Smith (pseudônimo), um veterano da indústria de serviços financeiros, desmistificava os mercados de crédito e no Grasping Reality with Both Hands, Brad DeLong, professor de Economia na Universidade Berkeley, propunha uma análise crítica das opiniões dos responsáveis pela política econômica.


Enquanto pesquisava para escrever este artigo, esbarrei numa porção de material novo sobre as relações entre Wall Street e Washington. Atendendo a uma sugestão de Ezra Klein, visitei o blog de Ryan Grim no Huffington Post, um site que é muito conhecido por curiosas matérias de entretenimento, manchetes chamativas e blogs de celebridades. Porém, também tem uma sucursal em Washington com sete editores e repórteres (entre eles, Dan Froomkin, contratado em julho após terminar seu contrato com o Washington Post). Grim cobre o Congresso, como repórter, e durante a primavera acompanhou de perto a batalha para pôr fim às indústrias bancárias, de cartão de crédito e de hipotecas.


Enviando várias matérias por dia, Grim rastreia os trâmites com uma profundidade que causaria inveja à maioria dos repórteres. Num artigo sobre os esforços de um lobby de bancos para impedir um decreto destinado a evitar desemprego, Grim registrou a observação angustiada do senador Dick Durbin de que ‘os bancos – embora difícil de acreditar, numa hora em que enfrentamos uma crise financeira que muitos desses bancos criaram – ainda são o lobby mais poderoso no Congresso. Para ser honesto, eles são donos do lugar’.


Vindo da parte do líder da maioria no Senado, o desabafo de Durbin pareceu um significativo reconhecimento da contínua força do aperto que a indústria bancária mantém sobre o Congresso – e, no entanto, nenhum dos principais jornais o citou (seis semanas depois, Frank Rich mencionou o fato em sua coluna, no Times). Percebendo imediatamente a importância da frase, Arianna Huffington colocou-a nas colunas de seu site. ‘Por que os banqueiros ainda são tratados como reis?’, perguntava a manchete. E ela respondia com uma série de exemplos de como ‘interesses especiais entrincheirados’ continuavam reinando no Congresso.


A recusa em usar a palavra ‘tortura’


Vislumbres dessas realidades até aparecem, às vezes, em jornais e revistas semanais, como, por exemplo, a série ‘USA Inc.’, do Wall Street Journal, ou as matérias de Gretchen Morgenson e Stephen Labaton no Times. Em sua maioria, entretanto, as matérias cobrindo a crise financeira na imprensa diária têm sido esporádicas, diluídas, revestidas de qualificativos e neutralizadas por comentários e desmentidos por parte de empresários e seus porta-vozes – a quem os jornalistas das principais empresas se sentem obrigados a ceder tempo equivalente.


Os blogueiros que venho lendo recusam essas tentativas de ‘equilíbrio’ e é sua determinação em dispensar tais convenções que faz da blogosfera um lugar animado e revigorante. Isso em nada está tão evidente como no trabalho de Glenn Greenwald. Ex-advogado, Greenwald é relativamente novato como blogueiro, tendo começado em dezembro de 2005, mas, como frisa Eric Boehlert em seu excelente trabalho de pesquisa Bloggers on the Bus, em seis meses já ‘ascendera a uma posição de liderança não-oficial na blogosfera’. Ao contrário dos posts curtos e mordazes preferidos pela maioria dos blogueiros, Greenwald oferece um único ensaio diário de duas a três mil palavras. Em cada um deles, faz uma profunda pesquisa, reúne uma assustadora quantidade de fatos e, como diz Boehlert, constrói seu caso ‘muito como faz um advogado’.


De início, Greenwald marcou seu estilo com ferozes ataques contra a política de vigilância do governo Bush, assunto que continua a comentar com bastante fúria. Outros alvos mais recentes foram a Goldman Sachs (por sua influência no governo Obama), Jeffrey Rosen (por seu artigo depreciativo sobre Sonia Sotomayor publicado na New Republic), Jeffrey Goldberg (por seus ataques a Roger Cohen no Times), a página de opinião do Washington Post (pelo exagerado número de neo-conservadores) e a imprensa norte-americana de maneira geral (por sua insistência em usar eufemismos para a palavra ‘tortura’). Em junho, escreveu:




‘A recusa contínua e inabalável, por parte de nossas instituições jornalísticas, de se referir ao que praticou o governo Bush como `tortura´ – mesmo considerando as mortes de mais de 100 presos; mesmo que o termo tenha sido usado por uma autoridade de alto escalão do governo Bush para descrever o que era praticado em Guantánamo; mesmo que a mídia frequentemente usa a palavra ‘tortura’ para descrever métodos absolutamente idênticos quando praticados por outros países – revela muito sobre como pensa o jornalista moderno.’


Sexo e sensacionalismo


À imprensa, Greenwald acrescentou:




‘Existem dois lados, e apenas dois lados, em qualquer `debate´ – o anel rodoviário do establishment democrata e o anel rodoviário do establishment republicano.’


Ao vigiar a imprensa com tanta atenção, Greenwald prestou um serviço inestimável. Mas seus posts têm um lado negativo. Absorvendo toda a força de seus argumentos e acompanhando obedientemente os links que os confirmavam, senti-me puxado para um túnel ideológico com as contínuas rajadas de opinião e análise me enfraquecendo. Após ler sua violenta denúncia sobre a decisão de Obama de não divulgar a mais recente série de fotos de tortura, comecei a perder de vista os argumentos, persuasivos, que outros comentaristas fizeram em apoio à decisão do presidente. Embora bem argumentados e provocativos, achei que os posts de Greenwald muitas vezes não levam em consideração as posições práticas que têm que enfrentar os políticos.


Isso aponta para alguns dos aspectos mais preocupantes do jornalismo na web. Os excessos em polêmicas atribuídos à blogosfera permanecem reais. Em seu livro And Then There´s This, sobre a cultura na internet, Bill Wasik descreve como ‘a rede de blogs políticos, por meio do retorno entre blogueiros e leitores’ produziu um mecanismo que fornece ao leitor ‘informação pré-filtrada’ em apoio às suas opiniões. Segundo uma pesquisa citada por Wasik, 85% dos links de blogs eram com outros blogs da mesma tendência política e ‘praticamente nenhum blog mostrava respeito algum com um blog de tendência distinta’.


Com tantas vozes clamando por atenção, o sexo e o sensacionalismo ganham um destaque especial. Manchetes são exageradas de forma a garantir o acesso e acelerar o tráfego – as medidas básicas do sucesso da web. A qualquer momento, os administradores do site podem avaliar quais páginas estão sendo mais buscadas e as que não estão – e podem promovê-las ou enterrá-las. As matérias de Ryan Grim sobre a influência de Wall Street sobre Washington – que eu achei tão esclarecedoras – são difíceis de encontrar no Huffington Post, embora seja inevitável encontrar posts como ‘Lindsay Lohan topless no twitter’.


Experiências intrigantes


Os redatores de internet são submetidos a uma pressão constante para manter o tráfego fluindo. Muitos deles queixam-se do ritmo de trabalho taylorista, que praticamente os impede de pensar ou trabalhar textos mais longos. Os próprios leitores parecem ter alergia a textos longos nas telas de computador. ‘A única coisa que ainda não conseguimos descobrir é como fazer textos longos no jornalismo online’, diz Jacob Weisberg, ex-editor do Slate. ‘O tipo de matéria feito pela New Yorker não funciona.’ Num esforço para contornar o problema, David Plotz, sucessor de Weisberg, vem pedindo a cada redator do Slate para tirar seis semanas de folga de modo a poder trabalhar em projetos mais longos.


E, finalmente, a internet continua sendo um viveiro para boatos, distorções e invenções. A última campanha presidencial foi exemplo disso, com blogueiros de esquerda (incluindo Andrew Sullivan) insistindo que Sarah Palin fingira estar grávida para proteger sua filha Bristol e blogueiros de direita declarando que Barack Obama falsificara sua certidão de nascimento e não era um cidadão norte-americano. A recente enxurrada de material sobre o Irã, com uma porção de e-mails, vídeos e tweets não comprovados, sugere uma necessidade urgente de agregadores capacitados que possam separar fatos reais dos fictícios e ajudar os leitores no tumulto do ciberespaço.


Devido a todos esses problemas, a web vem dando lugar a experiências intrigantes. O YouTube apresentou recentemente uma Central de Repórteres oferecendo dicas da parte de jornalistas experientes sobre como cobrir o noticiário internacional. O Huffington Post criou um fundo investigativo para apoiar a pesquisa jornalística. O site GlobalPost, com sede em Boston, criou uma forma de contribuir com o trabalho de dúzias de repórteres independentes pelo mundo afora. Entre as experiências mais recentes está uma excelente seção de livros do Daily Beast, uma unidade de vídeos de debates na Bloggingheads.tv e um blog coletivo, conservador, New Majority.com, criado por David Frum depois que saiu da National Review.


Dilemas da mídia tradicional


Consideradas em conjunto, essas iniciativas sugerem que uma mudança fundamental está ocorrendo no mundo das notícias. É o que diz o Projeto para Excelência no Jornalismo do Centro de Pesquisas Pew em seu relatório sobre State of the News Media 2009:




‘O poder vem se transferindo, aos poucos, para o jornalismo individual e para longe das instituições jornalísticas… Através de e-mails, blogs, redes sociais e mais ferramentas, os consumidores vêm gravitando para o trabalho de redatores e vozes individuais e para longe, de certa maneira, das marcas institucionais. Jornalistas saídos de empresas vêm atraindo fundos para criar seus próprios sites… Experiências como a da GlobalPost vêm testando a possibilidade de jornalistas individuais se tornarem empresários independentes, oferecendo suas matérias a vários sites, tal como os fotógrafos vêm fazendo há anos para revistas.’


Num ensaio de grande circulação, Clay Shirky, consultor da internet e professor na Universidade de Nova York do Programa para Telecomunicações Interativas, compara a atual turbulência nas empresas jornalísticas à desordem provocada pela invenção da imprensa escrita, quando as antigas formas de transmitir informação foram quebradas e as novas ainda tinham que se consolidar – uma transição acompanhada de muita confusão e incerteza. A analogia histórica pode ser tomada ainda mais longe: assim como o advento da imprensa ajudou a quebrar o freio da Igreja sobre o fluxo de informação, também o surgimento da internet solta o freio mantido pelas corporações de comunicação de massa. Um processo de descentralização e democratização profundo, ainda que desajustado, vem ocorrendo.


Desnecessário dizer que as empresas da mídia tradicional continuam com o papel crítico de manter o público informado. Mas conseguirão adaptar-se às rápidas mudanças que ocorrem no ambiente das notícias? E quem vai pagar por notícias e informação de qualidade no futuro? Pretendo abordar ambos os assuntos em outro texto.


 

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Jornalista