Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O que você não vê na TV

Um casal discute à mesa de jantar quando o homem pergunta para a mulher: “O que você quer?”. A resposta é uma sequência da baixarias, de sexo coletivo com o exército israelense a práticas pornográficas heterodoxas.

Trata-se do vídeo “Sobre a Mesa”, da produtora Porta dos Fundos. Seu sucesso aponta para uma tendência: conteúdos exclusivos para a internet com qualidade de televisão, mas com mais liberdade criativa.

Longe das produções caseiras que pipocam na web, a Porta dos Fundos tem um canal com mais de 20 milhões de acessos no YouTube, trabalha com estrutura profissional e não pensa em migrar para a televisão.

“Não queremos dar recibo a quem não entende o que fazemos”, diz Antonio Tabet, um dos sócios da produtora e dono do blog Kibe Loco. “Na internet, a liberdade é total.”

Essa produção on-line aumentou de forma inusitada: com o aporte de dinheiro de um grande patrocinador que havia sido alvo de piadas em um dos vídeos do Porta dos Fundos -o fast-food Spoleto.

“Percebemos que era melhor entrar na brincadeira do que brigar”, diz Antonio Moreira Leite, diretor de marketing do Spoleto. No vídeo, uma cliente é maltratada por um atendente apressado.

“Foi uma oportunidade de ativar um canal direto com os clientes por meio da aderência que só a internet traz.”

Outro programa de sucesso fora da TV é a série Marcelinho, protagonizada por um fantoche que lê contos eróticos. Para Erik Gustavo, criador da atração -vista mais de 25 milhões de vezes no YouTube-, a internet deixou de ser uma mídia de passagem.

“A renda que consigo é boa e posso fazer o que quiser, quando quiser”, diz Gustavo, hoje parceiro comercial do YouTube. Marcelinho foi parar em anúncios publicitários.

Desde 2008, o comediante Bruno Motta fatura entre US$ 5 e US$ 20 (entre R$ 10 e R$ 40) a cada mil visualizações de seus vídeos no YouTube -desde 2006, eles já foram vistos 25 milhões de vezes. Ele já foi contratado por empresas como Sebrae e Microsoft por causa de sua repercussão.

O fortalecimento de vídeos na web transcende o humor. “Temas tabus para a TV, como o beijo gay, são mais bem recebidos no on-line”, comenta Marcelo Caetano, diretor de programação da Record.

Séries de ficção e “talk shows” também despontam nesse segmento.

Grana

O mercado publicitário investe nas produções on-line, mas perduram ressalvas.

“O sucesso na internet é tão imponderável quanto o de um programa de TV, mas o anunciante [da web] ainda é conservador”, diz Daniel Chalfon, da agência Loducca.

“É difícil prever o que vai fazer sucesso na internet. A produção é muito grande e fragmentada”, completa Paulo Sanna, vice-presidente de criação da Wunderman.

A TV aberta se mantém na liderança do mercado, com uma fatia de 64,88% do bolo publicitário, segundo o Projeto Inter-Meios, de investimento em mídia de 2011.

A internet representa 5,14% do total (R$ 1,45 bilhão), mas é o meio que mais cresceu em arrecadação com publicidade: 19,63% em 2011.

A própria televisão vê potencial na internet. Canais como Multishow já investem em webséries, como “Zapeando”. O Off vai estrear três novas produções em novembro.

Nos EUA, o Netflix, canal de vídeos por demanda, vai lançar em 2013 “House of Cards” e uma nova temporada de “Arrested Development”.

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Conteúdos de TVs na internet seguem sem medição de ibope

Além de ser um espaço propício a novas atrações, a internet também é opção para o consumo de conteúdo televisivo em horários alternativos aos programados pelas emissoras.

Exemplo disso foi a novela “Avenida Brasil”, da Globo, que terminou no dia 19.

Na TV, a trama fechou com 39 pontos de média no Ibope -cada ponto equivale a 60 mil domicílios da Grande SP. Na rede, seu site bateu o recorde de visitação comparado ao das outras produções da emissora.

O número de requisições de vídeos de “Avenida Brasil” em seu último mês de exibição foi de mais de 93 milhões.

No último capítulo, foram 6,6 milhões de vídeos requisitados -14 dos 15 vídeos mais assistidos do portal Globo.com eram do folhetim.

Expressivos, esses índices ainda não são computados na medição de audiência aferida pelo Ibope.

A empresa já consegue medir o “buzz” -o eco de assuntos sobre a televisão nas redes sociais- e está estudando o uso de uma ferramenta para medir audiência focada no conteúdo, independentemente da forma como ele é consumido e da plataforma utilizada.

O nome provisório do projeto é 3 Telas, em referência ao aparelho de TV e às telas do computador, de tablets e de smartphones.

“A nossa ideia é integrar tudo na mesma base de dados. Em mais um ou dois anos, isso será unificado”, diz Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope. (APJ e ICT)

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[Alberto Pereira Jr. e Iuri de Castro Tôrres, da Folha de S.Paulo]