Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As resenhas demolidoras do jornal

O editor de cultura do New York Times, Jonathan Landman, chama-as “críticas exuberantes” – resenhas tão negativas que parecem conseguir decolar. São projetadas no mundo da mídia com uma força cósmica. Todo mundo parece perguntar “Você viu aquilo?” Às vezes, tornam-se clássicas na hora. E, é claro, a diversão do crítico é inversamente proporcional àquela do lado de quem recebe.

O exemplo mais recente no NYTimes é o de um restaurante aberto há pouco tempo na Times Square por Guy Fieri, estrela de um canal de culinária na TV. A resenha, escrita por Pete Wells, começa com a abordagem: “Guy Fieri, você já comeu em seu restaurante na Times Square?” E também perguntou: “Você reparou como seus Awesome Pretzel Chicken Tenders [uma espécie de biscoito salgado feito de galinha] estão longe de serem impressionantes?” e “Quando ouvimos as palavras molho de asno, em que parte do burro deveríamos pensar?”. Ou ainda: “Por que os marshmallows torrados tinham gosto de peixe?”.

À medida que a resenha ia ficando mais amarga, a ombudsman do NYTimes, Margaret Sullivan, resolveu falar com Wells, que disse que visitara o American Kitchen & Bar na esperança de sair satisfeito. Embora soubesse que não se tratava de um lugar sofisticado – “Eu gostaria de ter escrito uma resenha que fosse, realmente, um ‘furo de reportagem’”, diz ele – ele queria ter uma grata surpresa. Apesar das quatro visitas, isso não aconteceria. É claro que não são só restaurantes que acabam sendo o alvo infeliz da ira dos críticos. Também o são peças de teatro, álbuns, atores, exposições de arte e filmes.

“A banda mais intolerável da década”

Às vezes, a rejeição de um crítico torna-se imortal. Como se poderia esquecer a opinião de Dorothy Parker, dizendo que Katharine Hepburn conseguia “expressar qualquer tipo de emoção, de A a B”, ou a demolição do diretor de Hardcore, Paul Schrader, por Pauline Kael: “Para Schrader, chamar a si próprio de prostituta seria vaidade”?

Do ponto de vista de Landman, o cenário do tipo “revólveres fumegantes” não deveria acontecer com frequência. “Existem milhares de coisas entre o melhor e o pior”, disse, “e um bom crítico acerta em cheio quando escolhe o lugar certo nessa escala.” Entretanto, há momentos em que é mais do que justo o uso de uma faca afiada. Veja-se, por exemplo, uma resenha feita por Garrison Kaillor em 2006 de American Vertigo: Traveling America in the Footsteps of Tocqueville, de Bernard-Henri Levy, um livro que pretende atualizar as opiniões de outro francês sobre o Novo Mundo. Keillor mirou a grandiloquência: o senhor Levy é “um escritor francês com um estilo de prosa salpicado de cores e a grandiosidade de um calouro universitário; ele passeou por este país a pedido da revista The Atlantic Monthly e agora transformou suas anotações numa espécie de livro”. Quando acabou, você praticamente podia vê-lo soprando a fumaça do cano de seu revólver antes de o por no coldre de novo.

Outro exemplo é a demolição feita por Jon Pareles da banda Coldplay, quando esta apresentou seu tão esperado álbum “X & Y”. A ombudsman mencionou essa resenha há alguns dias a um jornalista de 24 anos e ele, surpreendentemente, citou, de imediato, a frase-chave na íntegra. Ele estava no ensino médio quando o NYTimes publicou a matéria, em 2005. A frase de Pareles era: “Não há nada de errado com a autocomiseração. Como estímulo à composição musical, está ali com a cobiça, a ira e a avareza – e, provavelmente, melhor que os restantes pecados mortais. Também não há nada de errado em se esforçar pela grandiosidade musical, utilizando todos os macetes e ilusões de estúdio para criar um som suficientemente alto para nos perdermos. A sensibilidade masculina, uma qualidade que vem sendo alvo de uma cultura popular repleta de assédio e machismo, não deveria ser descartada de saída, por mais risível que seja na prática. E fazer um som com base nas lições de bandas mais antigas é virtualmente inevitável.” E é então que ele acerta o soco na boca do estômago: “Mas junte todas elas e elas se equivalem a Coldplay, a banda mais intolerável da década.”

Honestidade brutal

Vale lembrar duas resenhas de teatro feitas no ano passado, ambas por Ben Brantley, da peça Spiderman: Turn Off the Dark – a primeira, quando o espetáculo ainda estava numa série de pré-estreias, e a segunda, depois da montagem final. Na segunda resenha, ele escreveu: “O gibi cantado deixou de ser aquela confusão blasfema e indecifrável que era em fevereiro. Agora é apenas chato.”

A crítica de cinema Manohla Dargis diz que essa é a norma. “A maioria dos filmes é mediana”, diz ela. “São bons, mas não envolvem você.” Manohla está plenamente consciente de como uma resenha ruim pode afetar – não apenas no sentido emocional, mas também em termos de êxito comercial. Isso é particularmente verdadeiro no que se refere aos críticos do NYTimes. Alguns filmes muito badalados, no entanto, são praticamente “à prova da crítica”, segundo Manohla. Quando o assunto é vulnerável, uma solução talvez seja simplesmente não fazer a resenha. Mas isso, às vezes, não é prático. O NYTimes pode deixar de fazer a resenha do esforço de um diretor independente estreante, ou uma exposição numa pequena galeria, mas tem a obrigação de escrever sobre os principais concertos e produções de cinema ou de teatro, seja qual for a sua qualidade.

“Seria aceitável que a crítica esteja acima de tudo, uma vez que há seres humanos por trás de qualquer evento?”, questiona Margaret em sua coluna [25/11/12]. Aparentemente, sim. Aquele tipo de honestidade brutal, às vezes é necessário. Se for divertido, melhor ainda. A crítica demolidora deveria ser uma flecha no alforje do crítico, mas só usada raramente. Quanto a Fieri, ele respondeu de forma semelhante àquela que fazem muitos outros: culpou o mensageiro. No programa Today, da NBC, acusou Wells de ter uma pauta prévia: “É ótimo para fazer o seu nome – criticar um chef [de cozinha] que não é nova-iorquino.” A impressão da ombudsman é que Wells agiu com inocência, mas o material de que dispunha era irresistível – embora a cozinha, empapada em molho de asno, não fosse.