Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O baile do ódio

Ensinavam os sábios romanos que, dos mortos, só se diz o que é bom. De mortuis nil nisi bonum. Como todo mandamento, precisa ser interpretado. Morre um tirano, o jornalista tem de contar sua história verdadeira. Mas não é preciso adjetivá-la, carregar nas tintas – se for preciso carregar nas tintas, se houver como carregar nas tintas, talvez o de cujus não fosse tão mau assim.

Poucas vezes este colunista viu tanto mau humor, grosseria e inconveniência quanto nos comentários sobre a morte de Ruy Mesquita e Roberto Civita. Não foram encarados como adversários ideológicos, mas como inimigos da Humanidade. Um desenhista chegou a acusar Civita de ter sido um dos responsáveis pela morte de Vladimir Herzog, por ter apoiado a deposição do presidente João Goulart. Este colunista não chegou a conhecer direito Roberto Civita, mas amigos que lhe merecem todo o respeito e que o conheceram gostavam dele.

Um senador da República se regozijou pela morte de Roberto Civita, com apoio de um ator que de repente virou ativista político. É no mínimo – e este colunista teve de respirar fundo para evitar palavras mais duras – falta de educação.

A loucura ideológica vai a extremos, de um lado e de outro. Em entrevista à irrepreensível Marília Gabriela, o cantor Amado Batista contou que foi preso e torturado durante a ditadura militar, mas acha que os torturadores tinham razão e que a tortura foi, para ele, como uma surra que os pais dão no filho para corrigi-lo.

Gabi escandalizou-se, discutiu com ele. E foi acusada de exigir que ele mudasse de posição política; foi acusada de ser porta-voz dos comunistas; foi acusada de querer proscrevê-lo, por aceitar a tortura como coisa normal, como em outras épocas foi proscrito, com a cumplicidade dos meios de comunicação, diga-se, o grande cantor Wilson Simonal.

Besteira absoluta: Marília Gabriela é jornalista, boa jornalista, excelente entrevistadora, e não discutiu em nenhum momento a justiça da prisão de Amado Batista. Mas, fosse ele culpado, a sentença teria de ser dada por um juiz, não por um torturador protegido por codinome; fosse ele culpado, com sentença transitada em julgado, cumpriria o castigo determinado pela Justiça, e não poderia ser torturado, porque tortura é algo com que não é possível conviver.

Amado Batista pode achar que a tortura em seu caso foi aceitável; é sua opinião. E estará errado. Tortura nunca é aceitável. A tortura avilta tanto a vítima quanto o algoz. E traz à tona, no caso do torturador, baixos instintos que, para seu próprio bem, jamais deveriam ser revelados.

“That's only rock'n roll”, dizia um famoso roqueiro, quando tentavam transformar a rivalidade entre bandas em motivos de briga de torcidas. Política é importante, mas é apenas política. Como vemos aqui mesmo no Brasil, há quem esteja hoje de um lado e amanhã de outro, e de outro; o único limite para a troca de posições é a falta de novas posições para aderir. Vale discutir, vale enfrentar as ideias dos adversários, vale mobilizar seus adeptos. Não vale demonizá-los.

Como não disse Caetano, gente é pra brilhar, não pra virar demônio.

 

Cadê a notícia?

Este colunista deve ter pulado a informação – uma falha imperdoável. Ou talvez a informação tenha saído só em colunas especializadas – o que seria uma falha imperdoável dos meios de comunicação. Mas, enfim, a Lei 12.810, em vigor desde o dia 15 de maio, não mereceu grande divulgação, se é que mereceu alguma. E, no entanto, atinge diretamente o bolso de cada cidadão.

A lei modificou a norma pela qual, em caso de litígio com o banco, o cidadão poderia suspender o pagamento ou depositá-lo em juízo. Agora, o cidadão é obrigado a pagar as parcelas até que a dívida seja liquidada ou a sentença transite em julgado. E como é que a lei passou discretamente, sem alarde?

Foi contrabandeada na Medida Provisória 585, que tratava originalmente da liberação de pouco menos de 2 bilhões de reais para estados e municípios exportadores, para compensá-los pelas perdas de arrecadação causadas pela Lei Kandir (que isenta de alguns impostos as exportações). O senador Romero Jucá, do PMDB de Roraima, relator da MP, incluiu discretamente a emenda que envolve litígios entre credores e devedores. É o que se chama de “penduricalho”. E, se ninguém chamar a atenção dos nobres parlamentares (um papel que os meios de comunicação deveriam desempenhar, e não desempenharam), o penduricalho passa mesmo.

 

A notícia, cadê?

Lembra do leite gaúcho com formol e sabe-se lá mais o que é que continha? Pois bem: a adulteração do leite rendia aos bandidos 9 centavos por litro. O lucro normal no transporte de leite é de 6 centavos o litro; com a falsificação, a quadrilha conseguia 15 centavos para transportar o leite dos produtores rurais às indústrias de laticínios. Tudo bem: não era o filho do bandido que estava em risco. Aliás, as indústrias não podem proclamar inocência. Deveriam verificar os padrões de qualidade e deixaram isso pra lá.

Onde está esta notícia, caro colega? Talvez por falha deste colunista, só a encontrou no caprichado portal jurídico Espaço Vital, editado em Porto Alegre. TV, Internet, rádio, jornais, revistas? Pois é.

 

Os mais iguais

Faz pouco tempo, o cantor Latino postou fotos da cabine de comando do jato em que viajava. Por permitir a violação das normas de voo, dois comandantes foram demitidos da empresa em que trabalhavam.

A presidente Dilma Rousseff faz bem pior: interfere nos planos de voo, manda o avião mudar de rota para evitar turbulências que a incomodam, chegou a fazer um percurso Porto Alegre-Brasília tão esquisito que o avião passou por Mato Grosso. O avião balança, a presidente chama o piloto, um brigadeiro do ar, máxima patente da Aeronáutica, e o interpela sobre a rota e o motivo da turbulência. Poderia tomar um Dramin e o efeito seria o mesmo, com as vantagens de permitir que o avião faça a rota padrão já testada e economize combustível; mas prefere brincar de pilota, ou comandanta.

E daí? Daí, nada: houve uma boa matéria, publicada na parte inferior da página, sem suíte do jornal nem repercussão dos demais meios de comunicação. Só.

 

La Medicina soy yo

O debate sobre a contratação de médicos no exterior virou um tema ideológico. E, no entanto, a questão é simples: não há qualquer problema em contratá-los, venham de Cuba, da Argentina, do Paquistão, do Canadá, desde que revalidem seu diploma no Brasil e comprovem sua capacidade de falar e entender nossa língua. É como acontece com advogados formados aqui mesmo: até que sejam aprovados no exame da OAB, são bacharéis em Direito, mas não podem exercer a advocacia. Por que, com médicos estrangeiros, seria diferente?

Nada contra faculdades estrangeiras. Este colunista conhece uma médica brasileira que se formou no Peru, revalidou seu diploma no Brasil e vem trabalhando há anos, com clientes fiéis e confiantes em sua capacidade. O médico russo Noel Nutels fez um trabalho magnífico com índios. Ideologia é besteira: o importante é saber se o médico estrangeiro tem competência (e se os locais para onde for designado têm condições de dar-lhe apoio básico para seu trabalho).

Quanto à história de que em outros países qualquer médico desembarca e já começa a trabalhar, definitivamente não é assim.

Um competente médico paulista, Luiz Nusbaum, estudioso do assunto, lembra que não há qualquer restrição do Conselho Federal de Medicina à contratação de médicos estrangeiros, desde que revalidem o diploma e saibam comunicar-se em português – ou não entenderão seus clientes, que também não entenderão suas recomendações e prescrições. Na Inglaterra, informa, o médico se submete ao PLAB – Professional and Linguistic Assessment Board. Nos EUA, ao USMLE – United States Licensing Examination. O mesmo ocorre em Portugal e Espanha.

E há outra questão: médicos de países europeus estarão interessados em mudar-se para o Brasil? Diz o presidente da Ordem dos Médicos de Portugal, José Manuel Silva: “A proposta do governo brasileiro fica próxima da escravatura”; “os médicos vão ficar dependentes das decisões discricionárias do governo brasileiro”; “as condições que devem encontrar do outro lado do Atlântico são semelhantes ao Portugal do início do século 20”.

Traduzindo: trazer médicos estrangeiros significa, em bom português, importar médicos cubanos. Exclusivamente cubanos.

 

Boa festa

Ótima notícia: o Jornal da Record News, com Heródoto Barbeiro, acaba de completar dois anos no ar, com alcance imenso. “Estamos em mais de 150 países pela Record Internacional e no mundo inteiro pela internet”, diz Heródoto.

Figura lendária no rádio paulista, professor de boa parte dos jornalistas em atividade, Heródoto é apresentador e editor-chefe de um jornal com muitos e bons comentaristas e que abre espaço para o público se manifestar. Seus sonhos imediatos são dois: levar ao jornal o ex-presidente Lula e a cantora Maria Rita. Vai conseguir.

 

Os bons livros

1. – Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, prédio da Faculdade de Direito, dia 5/6, às 19h30, A Moralidade do Direito, de Angela Vidal da Silva Martins. O lançamento é caprichado: terá palestra do consagrado professor e advogado Ives Gandra da Silva Martins, pai da autora, sobre “O Estado de Direito e o Direito do Estado”.

2. – Na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, SP, dia 8/6, às 16h, o segundo volume da coleção “Comunicação em Cena”, organizado pela sempre competente Liana Gottlieb. O prefácio é de Maria Elisabete Antonioli.

3. – Dia 12/6, às 18h30, na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, Os órfãos de Korczak – vivências de uma educação transformadora, de Ana Szpiczkowski. O livro fala de um herói: o médico, educador e escritor polonês Janusz Korczak, que se devotou inteiramente às crianças perseguidas pelos nazistas. A autora conseguiu o testemunho de sobreviventes do Holocausto sobre Korczak.

 

Trabalhar corretamente

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) colocou online o Manual de Direito Penal para Jornalistas – material de apoio para coberturas criminais. O guia foi lançado no final do seminário “O Crime e a Notícia”, organizado pelo IDDD e a Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

 

Como sai na imprensa

O Manual de Direito Penal para Jornalistas pode evitar títulos como este, de um importante jornal:

“(…) chegou a ter pedido de prisão decretado”

Afinal de contas, a prisão foi pedida ou decretada?

 

Como…

Da campanha do governo federal contra a febre aftosa, na TV:

** “O Brasil está unido contra a Febre Aftosa. Vacine seu gado e convoque seu vizinho.”

Estarão sugerindo, por acaso, que vacinemos nossos vizinhos?

 

…é…

De um grande jornal especializado em Economia:

** “O cantor (…) pagou mais de 12 bilhões em impostos atrasados”

Milhão, bilhão, trilhão – parece aquelas multas que o governo impõe às empresas que operam mal no Brasil. Tanto faz quanto é, elas não pagam mesmo.

 

…mesmo?

De um grande jornal impresso:

** “Repórter (…) conta curiosidades do programa sobre sidades prósperas”

Cim, cim, cenhor. O cenhor leu serto!

E nem reclame muito. Num tradicionalíssimo jornal impresso, de grande importância regional, informa-se em manchete:

** “Mais dois prédios condenado (…)”

Concordância? Pelo jeito já era. A democracia vive da discordância.

 

Frases

Do jornalista Mário Mendes, irritado com a grosseria dos politicamente enlouquecidos que comemoram a morte de pessoas que consideram adversárias e com a arrogância dos que só sabem criticar o trabalho dos outros:

** “É assim: pra você que tá comemorando as mortes de Ruy Mesquita e Roberto Civita, enfia o rojão Caramuru lá onde você tá pensando e acende – só pra sentir o drama. E pra você que diz que sabe fazer uma capa übermaravilhosa, bafônica, babadeira pra Vogue Brasil (Gisele Bundchen by Mario Testino), vai lá, faz e espera a Anna Wintour te convidar pra trabalhar com ela. Não vale apresentar essas versões requentadas que você estudou de outras revistas de moda e fica postando porque tá REVOLTADO. Quero ver”.

Do blogueiro Gabriel Meissner, um dos mais talentosos da nova geração:

“Comer são as duas melhores coisas que existem”

Do jornalista Cláudio Tognolli:

“Oferta e procura: o bônus do Alckmin pra prender é muito inferior ao que os caras têm pagado pra não prender”

Do escritor americano Mark Twain:

“Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”

 

E eu com isso?

Mas mudemos de assunto. Chega de ladroeira, de notícias dúbias, de textos esquisitos, assaltos, guerras. Como cantava Judy Garland, além do arco-íris há um mundo de coisas boas. Praias, shoppings, passeios, refeições com amigos.

** “Vice dos EUA visita comunidade no Rio e compra biscoito”

** “Vladimir Brichta leva filho para surfar”

** “Justiça aguarda documentos para liberar macaco de Bieber”

** “Klara está encantada com cachorrinho”

** “Miranda Kerr presenteia Jennifer Aniston com lingerie sexy”

** “Claudia Leitte toma gemada para repor energias”

** “Kim Kardashian deixa o glamour de lado e sai de chinelo para jantar”

** “Ingrid Guimarães e Letícia Isnard trabalham em pleno feriado”

** “Heather Graham exibe boa forma em praia”

** “Evento no Rio reúne famosos”

** “Will Smith vai de terno vermelho à première de seu novo filme”

** “Tayla Ayala exibe barriga sequinha em Fernando de Noronha”

** “Bradley Cooper e amigos curtem praia no Rio”

** “Angélica e Huck visitam exposição no Rio”

** “Zach Galifianakis usa camisa do Brasil”

 

O grande título

Há títulos bem esquisitos.

** “Site vende o biquíni do capeta para góticas que curtem sol”

É um biquíni que, graças às tiras, faz com que a marca do sol forme um pentagrama. Segundo o anúncio, “é uma verdadeira marquinha satânica de bronzeado”. Custa o equivalente a R$ 116,00, num portal americano.

São títulos esquisitos, mesmo:

** “SBT é invadido por homem e chama a polícia para prender invasor”

O SBT é invadido diariamente por centenas de homens e mulheres, alguns dos quais fazem qualquer maluquice para ver Silvio Santos ao vivo. Que terá feito este invasor para que chamassem a polícia?

E há um título fantástico, errado de ponta a ponta. Refere-se ao jogo entre Atlético Mineiro e Tijuana, em que o Atlético acabaria se classificando.

** “Favoritos, mineiros pegam Tijuana em estádio onde nunca perdeu”

Considerando-se que Tijuana é singular e o verbo está no singular, quem nunca perdeu ali foi o time mexicano. Era verdade: o Tijuana nunca havia perdido no Estádio Independência de Belo Horizonte. Só que também jamais havia perdido ali, ou empatado, porque era seu primeiro jogo no local. Se a frase se refere aos “mineiros” que “nunca perdeu”, já não é tão verdadeira: o Atlético Mineiro não perdeu no Independência desde que voltou a jogar lá, após a grande reforma do estádio. Mas antes da reforma, o Atlético jogou muitas vezes lá, ganhando, empatando e também perdendo. Ainda bem que o leitor de Esportes sabe de mais coisas que os fazedores de títulos e acaba entendendo tudo direitinho.

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Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação