Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Da redação para a sala de aula

Roxana Morduchowicz (2001), coordenadora do programa “Escuela y Medios”, do Ministério da Educação da Argentina, aponta as razões pelas quais o jornal deve ser usado na educação: o fato do conhecimento ser cada vez mais mediatizado faz com que haja a necessidade dos meios de comunicação constituírem-se objeto de estudo, já que são determinantes em nossa maneira de adquirir, transmitir e construir informações, saberes e conhecimentos acerca do mundo. Os meios também aproximam mundos e culturas, fazendo com que vivamos em uma aldeia global, por isso, além da escola, também conhecemos muito pelos meios, e precisamos compreender essa possibilidade que oferecem.

Outra razão apontada por Morduchowicz (2001) é que a escola pode ajudar a corrigir a concentração de informação que há na sociedade. Da mesma forma, também pode orientar os alunos a acessar, selecionar e usar melhor as informações e de forma crítica. Por fim, como os meios modificam nossa percepção da realidade é importante desnaturalizá-los, entender como eles constroem as representações do mundo em que vivemos.

Para além das razões apresentadas por Morduchowicz há o fato dos jornais levarem para a sala de aula a vida que pulsa fora dos muros da escola e das páginas dos livros didáticos, possibilitando que educadores e educandos relacionem os conteúdos escolares com a realidade.

Importante ressaltar que ensinar sobre/com os meios de comunicação, tê-los em sala de aula, não significa condená-los ou idealizá-los. Eles não são bons nem maus em si. Tudo depende da maneira como são trabalhados na educação.

Estimular a criação de jornais (impressos ou online) na escola, por exemplo, pode ser uma boa maneira de unir um exercício de leitura crítica, com ensino da língua, melhoria da auto-estima do aluno, trabalho com a questão da cidadania e autonomia, entre outras possibilidades que cabem ao educador, junto com seus alunos, decidirem, permitindo assim que o aluno tenha uma participação mais direta em sua aprendizagem, nas escolhas que farão parte de seu percurso formativo.

Na tese de doutorado de Amarildo Carnicel, defendida em 2005, na Unicamp, o jornal comunitário é visto como estratégia de educação não-formal. É feita uma pesquisa em três instituições fora da escola que desenvolvem oficinas diversas e, entre elas, a de jornal comunitário, para ver como esse instrumento pode atuar enquanto educação não-formal.

Foram entrevistados 35 professores sobre a importância da utilização do jornal na sala de aula e o resultado foi que 64% consideram muito importante o uso do jornal em sala de aula e 36% acham importante; 92% dos professores conseguem identificar melhora no desempenho do aluno a partir da leitura de jornais; 62% dos professores acham o conteúdo dos jornais interessante, 34,5% interessante e só 3,5% pouco interessante.

Direito a um lugar

Os professores também afirmam que quando o jornal é levado à sala de aula 58% dos alunos trabalham com interesse; 31% com interesse regular e 11% dos alunos são indiferentes. Segundo os professores, 34% dos alunos se tornam mais críticos; 25% escrevem melhor; 22% se tornam mais participativos e 19% expressam-se melhor. Por fim, 96% acham que a elaboração de um jornal fora de um ambiente escolar pode se tornar um instrumento de educação não-formal.

Apesar de todos esses dados e de que não há dúvida sobre a importância do jornal como instrumento pedagógico, 69% dos professores entrevistados nunca elaboraram jornal em sala de aula. Chama atenção o fato de os educadores perceberem a possibilidade de sucesso de um jornal fora da escola, como educação não-formal, mas a maioria não encarar o desafio de levar o projeto para a sala de aula, enquanto espaço de educação formal. Por que a possibilidade de autoria, criatividade e autonomia só pode acontecer fora da escola, segundo esses educadores? Com essa posição não estão assumindo que um trabalho criativo e que gera tantos benefícios só pode acontecer fora da escola, negando seu papel?

Segundo a professora Regiane Carminitti, entrevistada de Carnicel, esse tipo de atividade faz com que “adolescentes ampliem seus horizontes descobrindo novas formas de expressão em que passam de um simples leitor a um escritor crítico”.

Izabel Cristina dos Santos, coordenadora do Progen – projeto onde aconteceu numa das oficinas de jornal de Amarildo Carnicel – afirmou que a oficina de jornal comunitário acabou propiciando mudanças nos adolescentes. Desde uma postura mais crítica em relação aos problemas do bairro a um uso mais natural da escrita para se expressarem. Segundo ela, adolescentes que antes eram vistos como bagunceiros e drogados, passaram a entrevistar pessoas, descobrir a comunidade a partir de um novo olhar, ter uma postura diferente. E isso gerou um impacto grande não só na maneira de se verem, mas de como eram vistos, porque a partir daquele momento eles eram autores, produtores de um jornal. Tinham a capacidade para aquilo.

Ela afirmou:

(…) no jornal sempre tem uma construção. O adolescente sempre participa de todo o processo de construção do jornal, e isso não ocorre na escola. Essa é a grande diferença. O que ele pensa, o que ele acha, ele tem um valor muito grande no processo de criação do jornal e a escola chega com a coisa pronta (…) quando eles pegam o jornal, a gente vê nos olhos deles, eles se enxergam dentro do jornal (…) O Johny, por exemplo, quando ele vê o desenho dele estampado no jornal e a dificuldade que ele tem pra escrever, aquilo me emocionou. A escola não faz isso (…) Esse desenho é uma expressão e se a escola valorizasse esse lado… Existe um processo de criação desse menino. Se a escola fosse por esse processo e mostrasse o outro lado, provavelmente teríamos outro resultado. (CARNICEL, 2005, p. 185).

Ela também afirma que o jornal sacia a “fome de cidadania” dos alunos e resgatou os meninos, que passaram a sentir-se parte da história da comunidade e vistos de outra maneira que não é a mesma que a grande mídia coloca. Da mesma forma, o jornal possibilitou que eles redescobrissem a comunidade, seus personagens, a história das gentes daquele lugar.

Outro exemplo de formação de leitores-autores por nós pesquisado em nosso mestrado na Faculdade de Educação da UnB (Brasília) foi o Projeto Repórter por Um Dia, desenvolvido na Escola Estadual Antônio Vicente Azambuja, zona rural de Itahum, distrito de Dourados/MS, em parceria com o Programa de Jornal e Educação do jornal O Progresso: “O Progresso Ensinando a Ler o Mundo”. O lugar passou a ter visibilidade e voz com o trabalho dos alunos que, a partir de jornais murais, escolares e uma coluna no jornal O Progresso, de Dourados, passaram a reivindicar seus direitos e melhorias para a comunidade, num exercício de cidadania e leitura crítica do contexto em que viviam.

Para nós, o trabalho realizado pelo professor de português Domingo Rosa Vega, com apoio da coordenação e direção da escola, além dos resultados com a melhoria na leitura e escrita dos alunos – objetivos iniciais do projeto – mostraram alguns pontos relevantes que foram relatados por professores, pais, coordenação e alunos em entrevistas por nós realizadas: aulas mais dinâmicas; um olhar mais amplo para os problemas não só da cidade, mas do país; a necessidade de envolvimento do jovem com a política e a sua percepção de poder mudar para melhor sua realidade; a resignificação de seu papel enquanto sujeito naquela comunidade; um novo olhar sobre suas potencialidades e uma aprendizagem além de cognitiva, mas que faz referência aos quatro pilares da educação de Jacques Delors (2006) – aprender a aprender, a fazer, a conviver junto e a ser.

Em resumo, o projeto, tem uma forte carga educomuncativa, ao permitir uma dimensão de autoria desses alunos, que ainda aprenderam o que ser cidadão, quando começaram a reivindicar seus direitos nas páginas dos jornais.

A partir do momento em que esses alunos produzem um discurso e apropriam-se de um veículo de comunicação para enunciá-lo, estão produzindo um lugar, um Itahum a partir de seu olhar, suas histórias, suas perspectivas, como faz o jornalista com seu recorte, destaque, edição, escolhas, omissões. E o direito a um lugar é também o direito de ser seu contador de histórias, narrador e cronista de um tempo, de heróis e anti-heróis, personagens anônimos que constroem juntos a alma e as experiências desse lugar, como faz o narrador e o cronista de Benjamin. (PARENTE, 2012, p. 133).

Palavras finais

Acreditamos no uso do jornal na escola não apenas como ferramenta de apoio pedagógico, mas enquanto objeto de estudo e possibilidade de apropriação e autoria por parte dos alunos, o que pra nós, é capaz de fazer com que os alunos produzam sentidos subjetivos que modifiquem sua relação com o aprender e estimular uma atuação mais autônoma e participativa dos educandos.

Ter os meios não apenas como ferramenta e instrumentos didáticos, mas ir além. Compreender os meios e suas possibilidades criativas. Entender quem, como, com base em que critérios e para quem se produzem as mensagens. Antes de condenar, é imprescindível conhecer e saber criticar, afinal, a gente lê de algum lugar e o lugar de onde a gente lê tem importância.

A interpretação tem a ver com cada leitor de forma diferente, de acordo com o lugar de onde ele lê. Lê não só a letra, mas os sinais (naturais e culturais) que estão no mundo; tanto na natureza quanto os humanos e os culturais. Além desses sinais há uma narrativa do mundo. Uma textualidade. E esse mundo conta alguma coisa pra mim.

A capacidade de interpretação nasce de nossa condição de leitor. Quem não é leitor tem dificuldade de interpretar, dar sentido. Eu construo o mundo a partir do que eu digo e o que eu digo tem a ver com o sentido que eu dei ao mundo.

Bibliografia

CARNICEL. Amarildo. O jornal comunitário como estratégia de educação não-formal. Tese de doutorado defendida na UNICAMP, em 2005.

MORDUCHOWICZ, Roxana. El diário en la escuela. Barcelona: Octaedro, 2001.

PARENTE, Cristiane. Comunidade, Escola, Jornal Escolar – Um Estudo de Caso. 2012. 220 f. Dissertação – Faculdade de Educação, Brasília, 2012.

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Cristiane Parente de Sá Barreto é jornalista, professora, doutoranda em Comunicação pela Universidade do Minho, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom), autora do blog Mídia e Educação