Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O homem mais inteligente do mundo

Quando eu ainda era um novato na cobertura de ciência, numa conversa com minha colega Martha San Juan França, ouvi ela se referir ao físico e jornalista Flávio de Carvalho Serpa como “o homem mais inteligente do mundo”. Com essa reputação entre os colegas, evidentemente fiquei curioso para conhecê-lo.

Na primeira vez em que o encontrei, num encontro informal de jornalismo científico, ele se revelou um cara totalmente despretensioso, quase a antítese do título que os amigos tinham lhe conferido por brincadeira. No bar, não fazia nenhum esforço para parecer um gênio. Na verdade, adorava desviar o assunto de ciência para falar bobagem.

Seu título honorário, fui descobrir depois, era mais do que merecido. Conheci pouca gente capaz de se intrometer tão a fundo nos afazeres da física. Conseguia extrair as observações mais pertinentes e as sacadas mais bacanas para fazer o público leigo entender assuntos cabulosos como o bóson de Higgs, a teoria das cordas e as dimensões extras de espaço.

Em busca de explicação

Ele conversava com esses monstros da física como se estivesse batendo papo com um colega de redação. E sempre que alguém publicava uma matéria sobre física ou algum assunto de ciência mais intricado, logo em seguida aparecia o Flávio com um texto melhor. Devorava livros de ciência como se fossem best-sellers de banca. Sempre escrevia as melhores resenhas.

Com a morte dele nesta madrugada [segunda-feira, 23/6], aos 66 anos, todo mundo que o conhecia ficou muito triste e meio chocado. Foi muito cedo. É uma sensação ruim pensar que fiquei tanto tempo sem bater papo com ele. Ainda ontem [domingo, 22], o Humberto Werneck, do Estadão, estava torcendo para ele melhorar [ver “Pílulas de cultura trans”]. Agora, lendo o blog do Flávio, vejo quanta coisa ele escreveu e eu ainda não li. Ele fez o favor para a gente de deixar um portfólio legal de matérias que podemos fuçar quando estamos tentando entender algo inexplicável. Universos múltiplos? Computação quântica? Ele encarava tudo.

Eu não sei se o Flávio era realmente o cara mais inteligente do mundo, mas se não era ele conseguia enganar a gente muito bem. O que eu sei é que agora, sem termos ele para nos ajudar a compreender toda sorte de coisas complicadas, nós, leigos, estamos um pouco mais desconectados da ciência.

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Rafael Garcia é repórter de Ciência da Folha de S.Paulo