Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

O tempo passa, o tempo voa

A Associated Press é a pioneira: seus boletins sobre resultados trimestrais de empresas serão produzidos por computadores, sem intervenção de repórteres. Claro, informam os responsáveis pela agência (e pelos cortes de custos), nada contra os repórteres: a matéria feita exclusivamente por computadores, sem gente se metendo no meio, “deixará mais tempo livre para que os jornalistas façam contato com fontes e cubram temas com maior profundidade, encontrando pautas exclusivas para complementar a cobertura empresarial”. Então, tá.

E não podemos nem reclamar muito. Quando repórteres vão ouvir as autoridades de plantão e publicar acriticamente tudo o que lhes dizem, na data em que lhes determinarem, deixando para ouvir o outro lado da maneira que lhes for sugerida, só se diferenciam de computadores porque computador não baba de felicidade ao encontrar um nhonhô que prometa varrer a corrupção da face da Terra. Mais ou menos como fazia o feroz promotor goiano Demóstenes Torres, implacável justiceiro reverenciado como guru por repórteres de carne, osso e microfone. Até que alguém descobriu que as coisas eram um pouco diferentes (e não foram os jornalistas). Hoje, os ingratos nem querem saber de ficar na mesma sala que ele.

Há coisas fantásticas. Numa reportagem esportiva, um grande portal da Internet informa que determinado personagem foi investigado pelo Ministério Público e processado. Mas, “apesar das acusações”, foi absolvido pela Justiça. Há alguém que tenha sido processado sem acusações? Se as acusações fossem suficientes para condenar alguém, para que existiria o Poder Judiciário? Para o repórter, provavelmente, o Ministério Público faz parte do Poder Judiciário e tudo o que produz é definitivo, irretocável, denúncias sem medo e sem mácula. Quem o juiz pensa que é para rejeitar a acusação do maravilhoso procurador?

Este colunista é do tempo em que ainda existia o simpático Bamerindus e a caderneta de poupança era uma boa. Naquela época, quando um meio de comunicação levava um furo, procurava aprofundar-se na história para recuperar o atraso e ficar um passo à frente do competidor. Hoje, simplesmente reproduz a história publicada na véspera pelo concorrente (às vezes com a citação da fonte, às vezes esquecendo-se essa formalidade; às vezes publicando a versão completa, às vezes esquecendo-se de divulgar a posição dos atacados – afinal, outro lado para quê?)

O corolário da história é simples: se tudo o que a fonte acusadora fala é verdade, se é a versão indiscutível, se um veículo copia o outro, sem maiores pudores, para que repórter? Um computador pode fazer o serviço. Na verdade, um gravador também faria o registro, mas depois seria preciso colocar a gravação no computador, decupá-la, formatá-la, enviá-la. Sai mais barato usar diretamente o computador. Não há qualquer justificativa para a intervenção humana na preparação da notícia – a menos que se espere raciocínio, mas pelo jeito não é isso o que se espera.

Em aviação, costuma-se dizer que os modernos equipamentos são tão sofisticados, e evoluem tão rapidamente, que em breve haverá na cabine apenas um piloto e um cão. A função do piloto será dar comida e água ao cachorro; a do cachorro, impedir que o piloto bote a mão nos controles. Se é isso que queremos para nossa profissão, estamos no caminho certo: segue-se a manada, e a manada segue o boiadeiro-autoridade, cuja palavra é por definição indiscutível.

O promotor, o juiz, por melhores que sejam, são humanos e, portanto, falíveis. É por isso que a denúncia do promotor é julgada por um juiz; é por isso que, da decisão do juiz, muitas vezes cabe recurso. Político, mesmo que seja da mesma tendência político-partidária do repórter, é também falível (e tem uma certa tendência, absolutamente natural em quem vive de disputar votos, a reforçar certos aspectos dos fatos em detrimento de outros). Jornalista ouve, registra, pergunta; e analisa o que lhe é dito, para não funcionar apenas como correia de transmissão.

Em outras palavras, jornalista bom é o que sempre desconfia. Aquele que confia em tudo o que ouve, em tudo o que lhe contam, pode perfeitamente ser substituído por um computador. E seu leitor nem vai perceber.

 

Esquisito, né

Quando este colunista começou em jornal, a Redação tinha meia dúzia de telefones, algumas das máquinas de escrever eram de ferro e o acento se datilografava depois da vogal, pessoas citadas em reportagem eram sempre chamadas de “senhor”, “senhora” ou “senhorita”, banana era musácea, amendoim papilionácea, café rubiácea (para evitar repetição de palavras). Camisinha era uma camisa pequena; aquilo que conhecemos como camisinha era chamado de “preservativo” ou “condom”. O Estadão chamava gol de “tento” ou “ponto”, porque gol é anglicismo; como não havia gol, não havia goleiro, mas guardião, guarda-metas ou guarda-valas (arqueiro não, porque arqueiro é quem atira flechas). E os Diários se referiam à concorrente Última Hora como “a prostituta do Anhangabaú” – referência ao local que compartilhava, à época, intenso tráfego de jornalistas e profissionais de outras especialidades.

Pois bem: deste tempo para cá, jamais este colunista tinha visto a cena constrangedora que a TV exibiu, de jornalistas aplaudindo a entrevista coletiva do atacante Neymar. Como diria o grande locutor José Silvério, mas o que que é isso? Jornalista está lá para perguntar, registrar as respostas, eventualmente contestá-las, analisar o que foi dito, publicá-lo da maneira mais fiel possível, descrever o cenário e o clima da entrevista. Aplaudir o entrevistado, ou vaiá-lo, não é aceitável: mostra um viés que vai aparecer na matéria.

 

Sem fantasia

A propósito, e sem colocar nada em dúvida, já que existem profissionais competentes e especializados, que dispõem de excelente infraestrutura, para cuidar dos problemas de ordem física da Seleção, há alguns fatos estranhos na gigantesca, monumental, faraônica, amplíssima cobertura da contusão de Neymar. Uma vértebra atingida, que doi brutalmente, é submetida a esforços geralmente não permitidos em casos desse tipo: viagem de Belo Horizonte para o Guarujá, viagem do Guarujá para Teresópolis, abraços, tapinhas nas costas. E a tal cinta protetora, aquela que deveria imobilizar o local atingido para permitir que a região atingida se recupere integralmente, por onde anda? Na cobertura inteira se falou da tal cinta e de sua necessidade, e não há nenhuma menção à ordem médica de retirada da cinta.

E aquela besteira inominável de botar o jogador em campo, mesmo machucado? Como é que a chefia da Seleção e o estafe do jogador (sim, hoje não há craques sem staff) permitem que o rapaz diga isso? Por que, como se faria com qualquer atleta, com qualquer pessoa com a mesma lesão, ele não foi simplesmente poupado e tratado, até se recuperar inteiramente?

A ida de Neymar à Granja Comary, em Teresópolis, ocorreu depois da desclassificação do Brasil. Não tinha sentido: quem está sob cuidados médicos não tem de ser heroi, principalmente quando a hora de ser heroi já passou. Tem de ser tratado da melhor maneira possível até a recuperação total. Simples assim.

 

Comparando…

O centro-avante titular da Seleção brasileira, Fred, correu 6.960 metros no jogo contra a Alemanha. O jogador alemão que menos correu na partida chegou a 5.840 metros. A maior velocidade que Fred atingiu no jogo foi de 25,2 km/h. O jogador alemão com quem o comparamos atingiu a velocidade máxima de 26,3 km/h. Fred deu 14 passes; o alemão, 41 (números oficiais da FIFA). Fred deu um chute a gol. O alemão, nenhum.

Quem é o alemão citado? Neuer – o goleiro.

Todas as informações estão aqui.

 

…e perguntando

O técnico Luiz Felipe Scolari não responde a perguntas sobre suas opções de jogo. Os repórteres, portanto, não teriam como saber oficialmente, pelas palavras do técnico, por que Fred se manteve tanto tempo como titular, mesmo em má fase.

Mas certas coincidências poderiam ser mostradas. Coincidência é sempre algo curioso, não? Fred é patrocinado pessoalmente pela Unimed-Rio, dirigida por seu admirador Celso Barros. Seu salário é de R$ 900 mil mensais, pagos pela Unimed-Rio, e o contrato vigora até 2015. A Unimed-Rio coloca R$ 30 milhões por ano no Fluminense.

A Unimed (o sistema todo, que inclui Unimed-Rio e outras unidades, mais a Unimed Seguros) é patrocinadora oficial da Seleção Brasileira de Futebol – e também das seleções olímpica, sub-15, sub-17, sub-20, sub-23 e Feminina. Tanto que foi a Unimed, com ampla exposição de marca, que levou Neymar de Belo Horizonte para o Guarujá.

Em sua proposta de renovação de contrato, de 2015 a 2019, Fred pediu R$ 1,25 milhão por mês. Se o Brasil ganhasse a Copa, o salário pedido passaria a R$ 1,8 milhão por mês.

Imagine o caro colega que a Seleção ganhasse a Copa. Quanto passaria a valer o passe de seu centro-avante titular? A multa contratual de hoje é de R$ 30 milhões.

Números, números. O pessoal que cobre a Copa talvez até já saiba direitinho como é que essas coincidências se interligam. Por que não interromper os aplausos a Neymar, de vez em quando, e buscar uma notícia exclusivíssima?

 

Do rock à bola

A discussão eleitoral em torno da Seleção brasileira, com profundas análises sobre os melhores resultados para cada candidato, precisa ser iluminada pelo pensamento do rock. Parafraseando os Rolling Stones, “it’s only football”.

Ou, como disse o técnico Arrigo Sacchi, que dirigiu a Seleção italiana derrotada pelo Brasil em 1994, “o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes”. É bom para divertir, para chatear os amigos, para brincar de analisar táticas e estratégias; há quem saiba ganhar dinheiro não exatamente com o futebol, mas com as transações, ou com a publicidade, com o mundo que gira em torno de nossa paixão esportiva. Mas se ficar chato, se tivermos de ouvir dilúvios de opiniões altamente partidarizadas de gente que não consegue entender a lei do impedimento, futebol perde totalmente a graça.

Vamos fazer o seguinte: quem for capaz de se enrolar na bandeira de seu clube e sair orgulhosamente à rua, sem medo de ser feliz, é apto para discutir futebol. Quem não torce para time nenhum e morreria de vergonha de sair de casa com uma cartola nas cores de um clube que se abstenha. Por mais inteligente que seja, será apenas mais um chato.

 

Tem uma pena no meio do caminho

A massa já está sendo sovada; dentro de pouco mais de dois anos, teremos um livro, que certamente será muito bom, sobre Carlos Drummond de Andrade. O poeta é ótimo, um dos melhores da língua portuguesa; e quem prepara a biografia é um jornalista de excelente texto, Humberto Werneck. Jornalista? Sim; e também pesquisador, biógrafo, contista, autor de primeiríssima linha.

Werneck adora literatura, é mineiro como Drummond, gosta de mineiros, tem excelentes fontes, é dotado de humor – humor sempre ácido, de quem escova os dentes no Instituto Butantan, e sempre muito engraçado, mesmo quando se é a vítima. E está entusiasmado com a encomenda da editora Companhia das Letras: “Tenho a chance de contar a história do maior poeta brasileiro de todos os tempos. Poderia querer mais?"

 

Como…

De um grande portal noticioso, ligado a um importante grupo de comunicação:

** Manchete de capa: “Em SP, um roubo de R$ 14 milhões”.

** No texto: “Eles fugiram em sete carretas levando cerca de 40 mil mercadorias avaliadas em R$ 80 milhões”.

 

…é…

De um portal de entretenimento:

** Título: “Jones posta foto com mulher: Essa bunda e eu nos divertindo”.

** Texto: “Mal gosto ou brincadeira?”

Mau gosto de Jermaine Jones e de quem decidiu publicar a notícia, com certeza. Mal gosto já fica por conta de quem escreve e do editor que deixa passar.

 

…mesmo?

De um jornal impresso de grande circulação, que já se orgulhou muito dos cuidados com o texto:

** “Dos 11 pedidos de prisão (…) nove atingem pessoas que já estavam detidos”

Essas pessoas detidos estarão mesmo atrás dos grades, no cadeia?

 

Frases

>> De uma foto publicada no Facebook: “Eu acho que quem vaiou a Dilma não tem educação. Nem saúde, nem segurança.”

>> Do jornalista Palmério Dória: “Marin concorda com Adriane Galisteu e propõe guinada de 360 graus no futebol brasileiro”

>> Do autor desta coluna: “Demorou 64 anos, mas agora ninguém mais vai pensar no Maracanazo”

>> Do então prefeito de Nova York Mario Cuomo, citado pelo jornalista Fernando Albrecht: “Faz-se campanha em poesia e governa-se em prosa”

>> Do médico Luiz Nusbaum: “A preocupação não é apenas o 7×1, mas o 171 que querem nos aplicar”

 

E eu com isso?

Ah, o computador! O computador permite que, sem maus pensamentos, sem trauma nenhum por destruição de árvores e utilização de produtos químicos para transformá-las em papel, num processo que exala aquele cheiro de espantar urubu, possamos desfrutar das descrições cor-de-rosa deste mundo colorido, onde tudo é alegre e as maiores preocupações são os modelitos a vestir em cada ocasião. Quem diria que o mundo maravilhoso de Oz estaria, hoje, à nossa disposição?

** Kristen Stewart aparece com cabelo curto e laranja

** Adriane Galisteu, Leona Cavalli, Juliana Paiva e Alessandra Maestrini esquiam juntas

** Miranda Kerr usa sutiã preto com regata branca

** Após gravar na praia, Bruna Marquezine faz foto fofa

** Barbudo e com cabelos mais longos, Leonardo di Caprio joga vôlei na praia

** Daniela Albuquerque curte Trancoso com Alice

** Malvino Salvador passeia com a filha no Rio de Janeiro

** Taylor Swift se diverte com simplicidade no feriado

** Kanye West reclama do papel higiênico da primeira classe do trem

** Família viaja e Luciano Camargo fica tristinho

** De barriga de fora e com copo na mão, Rihanna chega ao Rio

** Juju Salimeni abusa da batata doce para secar

** Espírito Santo recebe Aécio

Pois é, pois é. Este colunista é do tempo em que os candidatos é que faziam o possível para receber o Espírito Santo.

 

O grande título

Safra excepcional nesta semana. É possível que seja o efeito Copa: com tanto serviço para cobrir cada movimento dos olhos do Neymar (patrocinados pela Ótica XXX), sobrou pouca gente e pouco tempo para burilar os títulos.

Podemos começar com o velho e bom duplo sentido.

De um release:

** Uso errado de telefones celulares prejudica relações

Deve prejudicar, mesmo. Pense só no seu parceiro lendo e-mails quando deveria estar ocupado.

E há dois daquele tipo que, decididamente, não é fácil de entender:

** Máfia do negociou bilhete de escola

** Suzy crava placar e abre vantagem na ponta; virgem de SC agora é a 3ª

Ambos devem fazer sentido. O segundo é para quem já sabe do que se trata. Já o primeiro, só para quem identificar as palavras que estão faltando e o tempo do verbo que se deve usar.

Um excelente título pertence a uma categoria bem rara: a do non-sense.

** Com pinos nas costas, Elza Soares relembra Garrincha

Este colunista jamais tinha pensado em Garrincha com pinos nas costas, mas por debaixo dos panos, tudo é possível. Ou serão variações e jogos de cama absolutamente inesquecíveis para sua amada?

E o grande título, o melhor de todos:

** Alckmin desiste de multar quem aumentar consumo da água

Como é que alguém vai aumentar o consumo de água quando não há água?

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação