Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Atirar primeiro, pensar depois

O jornalista e escritor Lira Neto encontrou-se recentemente com o ex-presidente Lula, e contou o fato no Facebook. Foi o suficiente para que o atacassem pesadamente, como se o fato de um jornalista conversar com um ex-presidente fosse alto terrível, vergonhoso, comprometedor. Não, não é: é obrigação profissional. Mais do que isso, é também uma oportunidade de reforçar seu estoque de informações, de reavaliar impressões, de ouvir novas versões para acontecimentos que já conhece, mas que serão enriquecidos por outra visão.

Lira Neto conta que votou quatro vezes em Lula. E que, se tiver oportunidade de conversar com Fernando Henrique, ou José Sarney, ou Fernando Collor, não hesitará um instante em aceitar. Como jornalista, sua função é recolher informações e transmiti-las. Quem melhor para fornecer essas informações do que quem participou, no mais alto escalão, dos eventos que levaram a elas?

O problema é que a discussão política se degenerou de tal maneira, com o clima futebolístico de Fla x Flu, do nós contra eles, que isso acabou levando muitos jornalistas a raciocinar com o fígado. Como ensinava Ulysses Guimarães, o pensamento não é função hepática. Mas foi assim que acusaram repórteres de primeiro nível de espionagem, porque conversaram com diplomatas americanos (justo americanos, que horror!!!) E é assim que tentam desumanizar os adversários, insultando-os, chamando-os de animais – “sabujos, cães de guarda” – porque buscam informações em todas as fontes, em vez de limitar-se àquelas que os agressores julgam politicamente convenientes.

Churchill, duro anticomunista, foi questionado certa vez por um repórter sobre sua aliança com a União Soviética, durante a Segunda Guerra Mundial. Respondeu com o brilho habitual: “Se os nazistas declararem guerra ao inferno, não terei dúvidas em procurar o Sr. Demônio para aliar-nos a ele”. Para vencer os nazistas, a Grã-Bretanha precisava de aliados. Os jornalistas, para levar informações a seu público, precisam de fontes – mesmo que a fonte seja o Sr. Demônio em pessoa.

É interessante, aliás, acompanhar a evolução dos fatos e das alianças. Aqueles que odiavam Sarney, Maluf, Collor e Renan hoje convivem com eles na mesma base política. Os que toleravam Ulysses, Tancredo, Quércia e Montoro hoje odeiam seus herdeiros Serra, Aécio, Aloysio Nunes e Fleury. Quércia e Requião eram adversários ferozes, a ponto de Quércia insultar Requião até nos apelidos que lhe dava; hoje, seguidores ferrenhos de Quércia declaram apoio a Requião. Se é assim na política, que ao que se imagina exige compromissos programáticos, o jornalismo vai mais longe, já que seu compromisso é com o leitor, com o telespectador, com o ouvinte, apenas e exclusivamente com o consumidor de informação, não com um programa partidário, por melhor que o julgue.

A infiltração do partidarismo no jornalismo político acabou criando uma deformação que precisa ser rapidamente corrigida. A propaganda lida com a emoção (e é a emoção, aliás, a grande captadora de votos). O jornalismo deve lidar com a razão, com os fatos. As perguntas que se devem fazer, diante de uma reportagem, são duas: primeiro, se aquilo é verdade; segundo, se é relevante.

O restante é propaganda. É importantíssima, essencial. Mas não é jornalismo.

 

Novos rumos

Um dos mais importantes jornais comunistas do mundo acaba de fechar as portas: o L’Unitá, fundado por Antonio Gramsci em 1924 e desde então órgão oficial do Partido Comunista Italiano (na verdade, só até 1991, porque neste ano o Partido Comunista mudou de nome, para PDS, sigla em italiano de Partido Democrático de Esquerda, e oscilou na direção do centro). O PDS continuava dono de 25% das ações do L’Unitá; mas, desde que o Partido Comunista mudou de nome, o jornal não parou de cair. Chegou a vender algo como um milhão de exemplares por dia, nas décadas de 60 e 70, quando os comunistas eram o maior partido de oposição na Itália. Ultimamente, a tiragem total era de 50 mil exemplares por dia. As dívidas alcançaram US$ 30 milhões, os salários foram fortemente comprimidos, os subsídios estatais, cortados no pacote de redução de gastos para que a economia italiana se recuperasse, fizeram muita falta.

 

O fator preço

E, naturalmente, há um outro fator: o jornalismo eletrônico, que não tem custos de papel nem de distribuição, sai muito mais barato para as empresas e para o público. A longo prazo, o efeito sobre os jornais de papel será esmagador. Há informação gratuita, ou a baixo custo. Desaparecem as frotas de caminhões, o papel, a tinta, as máquinas gigantescas de impressão, os espaços monumentais para abrigar tudo isso. A diferença de gastos para as empresas é espantosa – e quem está ancorado nas estruturas antigas terá dificuldade para sobreviver. Milhões de leitores ao redor do mundo garantirão que não conseguem viver sem o jornal de papel, com o qual estão acostumados desde crianças. Mas deve ter havido muita gente, em outra época, que não entendia como um livro de pergaminho, ilustrado manualmente, com belíssimas iluminuras, poderia ser trocado por um bloco de papel impresso, sem a individualidade do artista que desenhara cada letra.

 

Ação informativa

Já que os meios de comunicação sempre se esquivaram de buscar essa reportagem, a Federação das Indústrias do Rio, Firjan, fez o serviço: calculou o custo do tráfego encalacrado nas regiões metropolitanas do Rio e em São Paulo (não adiantou muito: a imprensa em geral continua ignorando solenemente o tema – é mais legal discutir teoricamente a filosofia do transporte, se é preciso reprimir o transporte individual ou não, se a prevalência do transporte público deve fazer de conta que a bicicleta não é transporte individual, etc., etc.)

Enfim, vamos aos números:

>> Em 2013, os engarrafamentos nas duas maiores regiões metropolitanas do país custaram R$ 98 bilhões – o equivalente a 2% do PIB brasileiro, mais que o PIB de 17 Estados do país. Os períodos de pico nas duas regiões metropolitanas já atingem onze horas. Em 2022, mantidas as atuais tendências, calcula a Firjan que o custo ultrapasse os R$ 160 bilhões.

E daí? Daí que, enquanto os meios de comunicação evitarem quantificar os prejuízos, a coisa vai ficar numa discussão teórica – o Governo Federal estimulando a venda de automóveis e mantendo baixo o preço da gasolina, as administrações municipais tentando desestimular o uso de automóveis.

Investir em trânsito é caro? Nem sempre: Jayme Lerner e sua equipe conseguiram excelentes resultados em Curitiba, usando muito mais a cabeça e o talento do que o bolso. Goiânia pensa em seguir caminho semelhante, buscando as melhores maneiras de melhorar não apenas a fluidez do tráfego como também a qualidade do transporte público. E há coisas baratíssimas: em São Paulo, por exemplo, há dezenas de placas de ruas invertidas, indicando, em vez do nome da rua, o da transversal. O motorista que não é especializado na região fica dando voltas, atrapalhando os outros. Há placas arrancadas, entortadas. Não seria caro fazer com que cada rua tivesse, nas esquinas, placas com seu próprio nome. Também não seria muito caro limpar as placas de indicação de caminhos, com frequência tão sujas que não dá para entender o que determinam.

Os abrigos de passageiros, nos pontos de ônibus de Curitiba, são altamente funcionais, tanto que nem é preciso subir no ônibus: o abrigo já está na altura do piso. Em São Paulo, há magníficos abrigos de vidro temperado, lindos, onde o calor no verão é insuportável, onde é muito frio no inverno, e onde, quando chove, a água respinga em quem aguarda. Certamente os abrigos de São Paulo são muito mais caros que os de Curitiba.

E uma coisa notável: o estádio do Corinthians foi construído bem perto de estações de metrô e de trens metropolitanos. Mas a burocracia da prefeitura faz com que tanto metrô como trens parem de funcionar antes que o público dos jogos noturnos consiga deixar o estádio e chegar à estação. Novidade? Não: existe a Lei Seca, existem pedidos oficiais para que as pessoas que vão para a noite evitem guiar de volta para casa. Mas não existe nenhuma concessão: às sextas e sábados, especialmente, quando a moçada fica na rua até de madrugada, metrô e trens fecham no mesmo horário dos dias comuns. O pessoal pode ficar esperando ônibus até que o ônibus chegue, e isso se não for assaltado antes; pode tomar um táxi e gastar uma nota preta até chegar à sua casa; e pode ir de carro ou moto, exatamente aquilo que as autoridades pedem que não faça.

A propósito, há quanto tempo o caro leitor não vê reportagens sobre Lei Seca e motoristas apanhados em operações policiais? Faz tempo, né?

 

Ação preventiva

O deputado estadual Luiz Moura, do PT paulista (no momento em que esta coluna for lida, já poderá ter sido expulso, ou sua expulsão terá sido impedida pela Justiça), apareceu no noticiário depois que andou se encontrando com gente do crime organizado. OK; mas nenhum repórter sabia qual era sua área de captação de votos? Ninguém, entre os jornalistas, tinha ouvido falar de que naquela região o PCC tinha controle de boa parte dos transportes? Se sabiam, por que não contaram? Agora todo mundo fica escandalizado com essa promiscuidade. Mas essa promiscuidade só existe porque a imprensa jamais a revelou.

Enfim, já que os meios de comunicação jamais deram muita importância a isso, uma entidade patronal, o PNBE, Pensamento Nacional das Bases Empresariais, está lançando o Disque-Denúncia Eleitoral. Por telefone, que será amplamente divulgado, qualquer cidadão poderá fazer a denúncia, e seu nome será mantido em sigilo. A denúncia será encaminhada à Procuradoria Regional Eleitoral, para investigação e providências. O cidadão receberá um número de protocolo, pelo qual poderá acompanhar o andamento da denúncia.

Bela iniciativa!

 

Conversas políticas

Um livro interessante: Carlos Muanis e Aldo Fornazieri organizaram Conversas Políticas, Desafios Públicos, com entrevistas do próprio Aldo Fornazieri, do prefeito paulistano Fernando Haddad e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Lançamento no dia 8/8, às 18h, Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.

 

Conversas jurídicas

O advogado e jornalista Oswaldo Pepe, também especialmente dedicado às artes, inclusive gráficas, acaba de produzir um útil livreto, Informações objetivas sobre comunicação para Advocacia. Nele, mostra aos advogados as vantagens de usar uma linguagem mais clara e direta; e sugere que se interessem pela comunicação e rede de relacionamentos, como elemento influenciador de um número enorme de decisões. O livreto não está à venda. O e-mail de Oswaldo Pepe é oswaldo@artpresse.com.br

 

Conversas ensolaradas

O professor Frederico Mazzuchelli, da Facamp, Faculdades de Campinas, que foi secretário no governo Fleury, que participou da luta armada contra a ditadura militar, lança dia 5/8, às 18h30, Os dias de Sol, na Livraria da Vila da Alameda Lorena, 1.731, São Paulo.

 

Como…

De um grande jornal impresso, que antigamente prezava muito a qualidade do texto:

** “Para o ministro da ministro da Economia argentino (…)”

Mas não digamos que o jornal gagueja. Digamos, de acordo com os manuais do politicamente correto, que tem uma certa tendência de repetir sílabas ou palavras, tirando assim o sentido da frase.

 

…é…

De um grande portal noticioso:

** “Surto de ebola está fora de controle, mas pode ser parado, diz OMS”

Se está fora de controle, como é que pode ser controlado?

 

…mesmo?

De um grande jornal impresso, descrevendo uma passeata em que o senador Eduardo Suplicy carregou nos ombros seu colega petista Alexandre Padilha, candidato a governador de São Paulo:

** “Padilha discursa sob os ombros de Suplicy em Carapicuíba”

Não, caro colega, nada de piadas de mau gosto sobre “conte com meu apoio” ou marcas de desodorante. A coisa é mais simples: como “sobre os ombros” não cabia no espaço, foi “sob os ombros” mesmo, que é um tiquinho mais curto.

 

Frases

>> Do blogueiro e web designer Gabriel Meissner: “O que me preocupa não é a alta da inflação, nem o baixo crescimento do PIB, nem a dívida pública. O que me preocupa é a presidente da República e o ministro da Fazenda não verem problema nenhum em nada disso.”

>> Do jornalista Palmério Dória: “Não queira que Alckmin entre pelo cano. Vai que ele aparece na sua torneira.”

>> Do jornalista Fred Navarro: “Tem gente que não mede as palavras e fala exatamente como pensa. Tem gente que nem isso consegue. É o caso da presidente.”

>> Do jornalista Moisés Rabinovici, lembrando seus tempos de correspondente internacional em Tel-Aviv: “Ensinei ao fotógrafo: em perigo, grite SARRAFI! (jornalista, em árabe). Daí a pouco, ouvi-o gritar: FALAFEL! A ameaça virou gargalhada.”

 

As não notícias

O mundo se curva ante o Brasil. Aquele vício de dar a notícia sem dar certeza, para não ter o trabalho de pesquisar nem correr risco de processo, é agora internacional.

** “Orlando Bloom teria dado soco em Justin Bieber na Espanha”

Deu o soco ou não deu?

Aqui temos uma história mais comprida, que talvez tenha supostamente acontecido (este colunista suspeita da possibilidade de que tenha acontecido, sim):

** “Suposto traficante é preso suspeito de cometer homicídios. Homem integra uma suposta quadrilha de traficantes, diz polícia. Ele é suspeito de cometer duplo homicídio e de matar homem”

Se é traficante, por que suposto? Se não é traficante, como dar a notícia, sujando seu nome? Como é que, num duplo homicídio, é suspeito de matar um só?

** “ “Luciana Ferreira da Silva foi presa, suspeita de homicídio”

A suspeita aparece no vídeo do celular no momento exato em que mata uma pessoa. E manteve o vídeo no celular por quase um mês.

 

E eu com isso?

Existe gente no mundo absolutamente crédula. É uma turma que acredita que a atriz, toda peladinha dentro de um vestido solto, “mostrou demais”. Acredita que, neste momento em que ela “mostrou demais”, os fotógrafos de todas as revistas de fofocas estavam ali reunidos por acaso, com as câmeras prontas por acaso, e todos fizeram a foto exatamente no momento certo. O pessoal acredita também que o artista foi flagrado inesperadamente quando beijava aquela moça linda – e, por coincidência, todos os fotógrafos que havia no local eram de revistas frufru e estavam batendo papo, enquanto mantinham as câmeras de prontidão.

Mas que seria do mundo se não fossem as coincidências e as credulidades? Com certeza, muito menos divertido! E não teríamos conhecimento dessas novidades:

** “Marido de Luana Piovani posta fotos da atriz aparentemente nua”

** “Sandra Bullock comemora 50 anos com festa privada

** “Marina Ruy Barbosa pretende processar responsável por fotos íntimas”

** “Paris Hilton é vista aos beijos com homem misterioso

** “Deborah Secco vai para academia mesmo cansada

** “Kate Middleton usa blazer de loja de departamento”

** “Cláudia Leite mostra os filhos com looks iguais”

** “Pamela Anderson, 47, se atrapalha e mostra o bumbum”

** “De microvestido, Isabeli Fontana deixa parte do bumbum à mostra em ensaio no Rio”

** “Heidi Klum rola no chão em programa de TV”

** “Após confusão com travestis, Rômulo Arantes seleciona amizades”

** “Laura Pausini mostra demais em show”

** “Sem a namorada, Neymar embarca para o Japão”

** “Selena Gomez e Orlando Bloom estão saindo juntos”

** “Marlene Mattos e Maurício Mattar se encontram no Rio”

 

O grande título

A garimpagem do noticiário rendeu excelentes pepitas. Por exemplo, a revelação de que voos são seres vivos, que como os demais seres vivos também morrem.

** “Peritos internacionais recolhem restos mortais do voo MH17”

Já os mortos, como se voos fossem, podem morrer – e assassinados!

** “Dupla presa por matar homem carbonizado”

Há títulos que sugerem uma questão ética: o cliente terá sido ou não ludibriado?

** “Homem compra produto para aumentar pênis pela Internet e recebe lupa”

E o grande título:

** “ (…) inicia vendas de Smartphone G3 com celebridades”

Este colunista está interessado em comprar um smartphone com celebridades. Com a Scarlett Johansson, por exemplo.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação