Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O terror islâmico on-line

Na noite da terça-feira [19/8], faz exato uma semana, uma hashtag lentamente subiu ao topo da lista de popularidade do Twitter: #ISISMediaBlackout. ISIS, o Estado Islâmico. O arremedo de país que tenta se impor no território entre Síria e Iraque, uma teocracia violenta, brutal. O movimento dos usuários do Twitter surgiu pouco após o grupo terrorista ter começado a distribuir seu vídeo com a execução por degola do jornalista americano James Foley. E, assim, algo de novo aconteceu na internet social.

O Twitter tem política para lidar com a propaganda do terror. Ele a derruba. Quantas contas surgem usadas por grupos como o ISIS, tantas são apagadas. Quando usuários retuítam links para vídeos que mostram a violência extrema dessa gente, são bloqueados. Há lógica por trás da censura. A distribuição destas imagens é propaganda em dois sentidos da palavra. Por um lado, serve à sedução de jovens que se aproximam do extremismo. Por outro, aterroriza quem está no seu caminho, alerta para o que está por vir.

Mas tanto para Twitter, como para YouTube ou Facebook, a luta é inglória. As contas, os retuítes, as fotos e os filmes continuam a emergir. Demoram dezenas de minutos, quando não mais, para serem detectadas, bloqueadas ou apagadas. E, por vezes, na corrida contra o terror, os administradores bloqueiam acidentalmente as contas de jornalistas ou usuários inocentes que tratavam do assunto, embora sem distribuir as imagens sangrentas.

A campanha de blecaute da mídia terrorista partiu de @LybiaLiberty, uma libanesa. “A partir de agora”, ela escreveu, “não vou mais compartilhar fotos ou vídeos de violência registradas com a intenção de fazer propaganda para o ISIS”. Quando centenas de milhares de pessoas a acompanharam, nas horas e dias seguintes, a comunidade da rede social fez nascer uma ética de como agir na internet nessas horas.

Ideias em circulação

Quando os EUA invadiram o Afeganistão, na virada de 2001 para 2002, havia dois motivos. O primeiro, e mais óbvio, era atacar a al-Qaeda de Osama bin-Laden, abrigada no país, que meses antes pusera abaixo das torres gêmeas do World Trade Center. Mas o segundo era depor o Talibã. O Islã é uma religião complexa. Assim como o cristianismo se divide em grandes vertentes, como católicos e protestantes, os muçulmanos se separam entre sunitas e xiitas, cada qual com suas subdivisões. Os mais radicais dentre os sunitas são os wahabitas, seita que foi alçada ao poder de Meca e Medina pelos britânicos, após a Primeira Guerra. Essa foi a consequência de destinar o comando de um país a Ibn Saud, até ali um chefete de pouca relevância, repentinamente guardião das duas cidades mais sagradas da religião. Desde então, os sauditas destinam o dinheiro que fazem com petróleo a espalhar pelo mundo sua visão de Islã.

No primeiro momento, o Talibã perdeu o Afeganistão. Mas não só o grupo segue incrivelmente poderoso por lá como este novo talibã wahabita, o ISIS, agora começa a erguer um novo país. O Talibã rejeitava a tecnologia digital. O ISIS a abraça. E essa é, talvez, sua principal arma. O Talibã se isolou. O Estado Islâmico seduz ocidentais e orientais de todas as partes. Sua missão é internacional. Tornou cosmopolita uma visão degradante, limitada e agressiva da religião. E só aumenta.

A internet serve, de forma estupenda, à distribuição de ideias de todos os tipos. Depende da comunidade de usuários, e de uma ética lentamente construída, o combate ao pior do que somos capazes. Talvez, ali no Twitter, tenha nascido uma boa notícia.

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Pedro Doria, do Globo