Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Empate técnico?

Imprensa e redes sociais são as instituições de maior prestígio na sociedade brasileira, segundo pesquisa realizada pelo instituto Datafolha entre os dias 16 e 17 de março de 2015, com 2.842 pessoas em 172 municípios brasileiros (ver “Imprensa e redes sociais são instituições de maior prestígio, diz Datafolha“). Foi a primeira vez que as redes sociais foram incluídas no levantamento, que chegou à terceira edição este ano. A nova categoria pesquisada já despontou como uma “instituição de muito prestígio” na sociedade, com 63% da preferência, tecnicamente empatada com a imprensa, que teve 65% – a margem de erro da pesquisa é de dois pontos para mais ou para menos.

A posição das redes sociais no levantamento não surpreende, dado o protagonismo que essas ferramentas têm conquistado como instrumentos para alavancar discussões e articular movimentos, o que ficou demonstrado a partir das manifestações que sacudiram o Brasil em junho de 2013. Mas é preciso pensar mais criticamente sobre o status de “instituição” dado a essas redes, ao lado de Igreja, Forças Armadas, Poder Judiciário e Congresso Nacional, por exemplo, além da imprensa. E é especificamente sobre o empate técnico das redes sociais com a imprensa, sugerido pela pesquisa mencionada, que pretendo me debruçar mais reflexivamente.

Em meados da década de 1920, o jornalista e sociólogo Robert Park se esforçava em situar o surgimento da notícia – e do repórter – como um dos mais importantes eventos da civilização americana. Park defendia a função da notícia de “orientar” o indivíduo, preservando sua sanidade numa sociedade que passava por mudanças “rápidas e drásticas”. Em vez de repelir essas mudanças que cada organização apresentava como um sintoma de transformações profundas, ele buscava estabelecer um eixo de continuidades que permitiria demonstrar que, para além das alterações momentâneas, permanecia a instituição jornal [MACHADO, Elias. “O pioneirismo de Robert E. Park na pesquisa em Jornalismo”. In: Sociologia do Jornalismo: as várias perspectivas que marcam as teorias da notícia a partir do estudo da sociedade. Florianópolis: UFSC, vol. 2, nº 1, julho 2005, pp. 23-34].

O diferencial do conteúdo jornalístico

Park falava de uma época anterior ao rádio e à televisão, e o jornal era ainda muito insipiente enquanto produto, sendo entendido quase como sinônimo de jornalismo ou imprensa. Diante de um ecossistema midiático muito mais simples do que o atual, o sociólogo percebeu nas transformações de então uma oportunidade de posicionar o jornalismo como elemento estruturante da sociedade. Como recupera Elias Machado no artigo citado anteriormente, enquanto outros intelectuais viam o jornal como um crime e o povo via nele uma espécie de tribuna, Park percebeu que o mais importante era identificar o jornal como “uma instituição social nascida para atender as demandas comunicativas de uma sociedade cada vez mais complexa”.

Tal proposição mostra-se bastante atual frente a uma sociedade ainda mais complexa, na qual o jornalismo tem seu papel questionado e as organizações jornalísticas sofrem mudanças “rápidas e drásticas”, como outrora. Há aí duas interpretações possíveis diante do prestígio compartilhado pela imprensa e pelas redes sociais na contemporaneidade: de um lado, a ideia de que, para além das transformações momentâneas, deve permanecer a imprensa como um componente estrutural da sociedade; de outro, que as redes sociais estão para o século 21 como o jornal estava para o século 20. Hoje, essas redes são vistas com preconceito por uns e como tribuna por outros, mas por que não identificá-las como “uma instituição social nascida para atender as demandas comunicativas de uma sociedade cada vez mais complexa”?

De certa forma, diante de mudanças “rápidas e drásticas” pelas quais passa a comunicação contemporânea, o papel de “orientação” dos indivíduos exercido pelas redes sociais no início deste século parece se assemelhar ao que tinha a imprensa no começo do século passado. No entanto, ao se colocar imprensa e redes sociais no mesmo patamar – de instituições – e com grau de prestígio idêntico na sociedade, corre-se o risco de ignorar o que diferencia o conteúdo jornalístico dentre a imensidão de informações disponíveis na contemporaneidade, desconsiderando os pilares que consolidaram o jornalismo como instituição social no século 20. E que pilares sustentariam o status de instituição social das redes sociais no século 21?

As demandas de uma sociedade cada vez mais complexa

Na “história natural da imprensa” concebida por Park, “o tipo de jornal que existe é o tipo que sobreviveu sob as condições da vida moderna” [PARK, R. “A história natural do jornal”. In: BERGER, C.; MAROCCO, B. (orgs.). A era glacial do jornalismo: teorias sociais da imprensa, vol. 2. Porto Alegre: Sulina, 2008a, pp. 33-50]. Nas condições da vida “pós-moderna”, a informação na internet pode mudar o próprio conceito de imprensa, conforme apontou Miquel Alsina [ALSINA, Miquel Rodrigo. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009]. Creio que não há, ainda, distanciamento histórico suficiente para se fazer essa análise com clareza, mas percebe-se que a lógica de acesso à informação característica das redes sociais tende a se sobressair neste século, e pode até se firmar a ponto de consolidar o status de instituição a elas atribuído pela pesquisa Datafolha.

Assim, uma vez inseridas nessa lógica, as organizações jornalísticas e, portanto, a imprensa enquanto instituição, poderiam continuar exercendo seu papel estruturante na sociedade, desde que sejam preservados os elementos que diferenciam o conteúdo jornalístico no ecossistema midiático. Contudo, não é possível afirmar se isso será suficiente para manter o prestígio da imprensa na sociedade ao longo deste século, tampouco se será preservado o prestígio das redes sociais. Diante de mudanças tão “rápidas e drásticas”, não é possível sequer assegurar se os pilares do jornalismo consolidado serão capazes de “atender as demandas comunicativas de uma sociedade cada vez mais complexa”.

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Taís Seibt é jornalista e doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul