Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Como cobrir a si próprio

Byron Calame trata de dois assuntos bastante distintos em sua coluna de domingo [4/12/05] no New York Times. A primeira metade do texto do ombudsman foi dedicada a um problema que, a cada dia que passa, parece crescer mais nos grandes jornais americanos. Mais que um problema, é um dilema: como cobrir a si próprio?

Escândalos jornalísticos e aquisições de novos negócios por grandes empresas são notícias que não podem simplesmente ser ignoradas, mesmo quando dizem respeito ao próprio jornal que as abriga em suas páginas. ‘[Escrever sobre o próprio jornal] É uma das coisas mais difíceis de ser fazer’, afirma o editor-executivo Bill Keller. Calame concorda que este é realmente um assunto complicado, mas ressalta que ‘jornais como o Times poderiam servir melhor a seus leitores se procurassem maneiras inovadoras de cobrir os problemas envolvidos na cobertura de si próprios’.

O ombudsman afirma que a grande questão é: como fazer com que os leitores tenham certeza de que o jornal não está escondendo parte da história ou lapidando-a para melhorar sua imagem nela? Ele sugere que seja feito um acordo com diversos jornais respeitados para que o sítio do Times possa incluir links para matérias deles que complementem a cobertura de assuntos que envolvam o nome do jornal. Desta forma, os leitores teriam não só a versão do Times, mas uma visão mais ampla do assunto. Caso o Times não escreva uma matéria, um box em seu sítio poderia, ainda assim, conter os links para a cobertura feita por outras publicações. O nome do box, sugere Calame, poderia ser ‘Cobertura do Times‘.

‘Não é a solução perfeita’, diz o ombudsman, mas ajudaria a lidar com o problema. ‘Os editores do Times seriam livres para decidir por não incluir determinado link para uma matéria que parecesse tendenciosa demais’, completa ele.

Calame lembra que a idéia não é completamente estranha ao jornal. Ele ressalta que certos artigos do Financial Times, da Associated Press e da Reuters já apareceram no sítio do Times, e que, nos últimos estágios da polêmica com a repórter Judith Miller, o Nytimes.com divulgou links para um número grande de blogs que tratavam do assunto – incluindo alguns bastante críticos ao jornal.

Calame afirma que um bom candidato para um ‘test drive’ de sua idéia seria o julgamento do ex-chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney, Lewis Libby, indiciado por perjúrio e obstrução à justiça no caso Valerie Plame.

Cadê o senso de humor?

Durante a viagem que fez à China, em novembro, George W. Bush protagonizou cenas que podem ser consideradas, no mínimo, engraçadas. Em uma delas, o presidente americano tentou sair de uma entrevista coletiva em Pequim, mas a porta a que se dirigiu estava trancada. Percebendo o erro, Bush fez uma careta e brincou: ‘Eu estava tentando escapar. Não deu certo’.

O New York Times publicou uma seqüência com quatro fotos da trapalhada do presidente na primeira página da edição de 21/11. O fundo da sala onde acontecia a entrevista, vermelho e bastante chamativo, fazia com que qualquer leitor que passasse o olho pelo jornal parasse imediatamente na seqüência de imagens.

O que poderia ser visto como uma simples piada de um fato que realmente aconteceu desagradou os leitores do jornal. Quase todos os e-mails enviados ao ombudsman acusaram a seqüência de fotos de ser – de maneira nada sutil – desrespeitosa à presidência, inapropriada para a primeira página de um jornal sério ou simplesmente nem um pouco engraçada.

‘Como isso pode ser um dos itens mais importantes do dia?’, perguntou um leitor de Nova Jersey. ‘Só se o objetivo de vocês era retratar Bush como um tonto atrapalhado’, concluiu. ‘Gostem ou não de sua política, ele é o presidente dos EUA, o comandante-em-chefe da nossa nação, e merece muito mais respeito’, afirmou um leitor da Flórida, ressaltando que o tipo de humor usado pelo jornal foi ‘infantil e doentio’.

Ao menos um leitor nada fã do presidente escreveu para dizer que via nas imagens uma mensagem maior. ‘Depois de gargalhar e refletir, eu senti que estas fotos resumem sua presidência de uma linda maneira. Foi um bela metáfora para um homem que não consegue mais se esconder’, afirmou o leitor da Califórnia, que classificou a seqüência de ‘poesia em movimento’.

A quantidade de manifestações sobre o tema levou Calame a pesquisar como foi tomada a decisão de colocar as fotos em posição de tamanho destaque. O editor responsável pelas edições de domingo e segunda-feira do jornal, Martin Gottlieb, afirma que as opções de imagem do presidente que tinha para aquele dia eram ou a foto da porta trancada ou a de Bush andando de bicicleta com um grupo de ciclistas chineses. Como Gottlieb coloca, ele escolheu a imagem espontânea em vez da cena armada.

Além disso, havia rumores de que a tentativa de saída de Bush da sala teria se dado após ele ter se irritado com uma pergunta de um jornalista. Desta forma, além da espontaneidade, a imagem teria também valor jornalístico.

O editor conta que, ainda assim, a decisão não foi fácil, já que houve grande divergência por parte da equipe por causa do risco de parecer que o jornal estaria, simplesmente, gozando do presidente. A discussão foi tanta que Gottlieb procurou Bill Keller, e dele teve o aval para escolher pela ‘polêmica’ série de imagens.

Procurado por Calame, Keller disse que concordou que ‘as pessoas achariam [as fotos] divertidas’. O ombudsman concorda. É a careta final de Bush, sua fala e seu aceno quando finalmente consegue deixar a sala que validam o julgamento do Times de que a cena era basicamente divertida, sem malícia e, por esta razão, adequada para a primeira página.