FEITOS E DESFEITAS
Marcelo Rech, editor da Zero Hora
massacre do Carandiru, onde 111 presos foram executados em 1992, é um fantasma a assombrar o Brasil, até hoje tingido pelo sangue de uma chacina que ganhou mais repercussão internacional do que qualquer outro fato ocorrido no país nos últimos anos. Somente a verdade pode exorcizar esse fantasma, e esse foi caminho iluminado por uma série de reportagens publicada por Zero Hora entre os 18 e 22 de janeiro deste ano.
Infelizmente, toda a extensão da verdade sobre o Carandiru continua sendo de exclusivo conhecimento dos mais de 1 milhão de leitores de ZH.
Para reconstituir o que de fato se passou na noite de 2 de outubro de 1992 na maior penitenciária da América do Sul, o repórter Ricardo Stefanelli debruçou-se sobre as 8.230 páginas do processo, guardado em 38 volumes no cartório da Segunda Vara Criminal de São Paulo, no bairro de Vila Mariana. Ignorado por outros jornais, o processo foi trazido a público pela primeira vez graças à perspicácia de Stefanelli e a uma partida de futebol na qual o repórter rompeu os ligamentos do pé esquerdo. Imobilizado por uma bota de gesso e inquieto por voltar à ativa, Stefanelli lembrou-se da entrevista de uma promotora paulista que antecipava o fim da coleta de depoimentos sobre o massacre e percebeu que ali poderia estar uma reportagem que prescindisse de caminhadas.
Em novembro, Stefanelli bateu à porta do cartório paulista e, para surpresa dos promotores diante do interesse do repórter gaúcho que convenceu os funcionários a abrirem a repartição mais cedo durante oito dias, atrelou-se a uma mesa cercado por pilhas de documentos. Os principais trechos eram transcritos para um laptop e transmitidos online para os computadores de ZH. As mais de 800 pessoas que prestaram pelo menos dois depoimentos cada uma desenhavam, juntamente com laudos de perícia, fotos e filmes, um relato com impressionante profundidade e fartura de detalhes.
No início deste ano Stefanelli regressou a São Paulo para recolher diretamente novos testemunhos de personagens-chave do massacre. Somente o comandante da operação no Carandiru, o coronel e hoje deputado estadual Ubiratan Guimarães, foi ouvido em quatro diferentes ocasiões. Acompanhado pelo editor de Fotografia de ZH, Ricardo Chaves, que mergulhou em arquivos de jornais e revistas paulistas para identificar envolvidos no massacre e localizá-los, o repórter também visitou presídios e fez mais de 40 entrevistas, a maioria com presos e policiais que se encontraram no Carandiru naquele dia. O retrato que emerge da narrativa de Stefanelli, que cruzou os depoimentos para recompor até os diálogos travados nas celas e nos corredores, é irretorquível e inquietante.
A íntegra da reportagem:
A história do massacre do século
O pavor chega com os PMs
Chamados para a morte
A chuva lava o sangue dos feridos
A farsa é denunciada
5 anos, 3 meses e 20 dias depois