Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Grupo RBS investiga o futuro

Em meados do ano passado, enquanto as manifestações populares tomavam as ruas do país, a cineasta Flavia Moraes percorria os Estados do Sul – indo a universidades, bares e baladas – para ouvir o que os jovens pensavam sobre a internet, especialmente seu impacto na comunicação. O objetivo era detectar as mudanças de comportamento do público e ajudar o Grupo RBS, que encomendara o trabalho, a criar estratégias para a era digital. Um documentário de duas horas, com exibição restrita a executivos e profissionais da companhia, era o resultado esperado. Ao longo dos meses, porém, o trabalho ganhou um escopo muito maior, reflexo da complexidade do tema. Batizado de “Communication (R)Evolution”, o levantamento traz, agora, 300 horas de vídeo, com relatos de 150 pessoas. A lista inclui convidados ilustres como Vint Cerf, um dos criadores da internet; Robert Denton, diretor da Biblioteca de Harvard; e o futurologista James Canton, que colabora com a Apple e a Casa Branca.

“Juntamos um acervo que não fala somente de comunicação, mas do comportamento da sociedade”, diz Eduardo Sirotsky Melzer, presidente da RBS. O grupo reúne negócios de televisão, rádio, jornal, meios digitais e educação executiva. Controla as afiliadas da Rede Globo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina e é proprietário do jornal “Zero Hora”.

À medida que o material se acumulava, ficou claro para os realizadores que era preciso mudar o formato original – e, principalmente, compartilhar os resultados com o público. “[A pesquisa] extrapolou a figura de investigação empresarial e ganhou a dimensão de documento histórico”, diz Flavia, que fez carreira na publicidade e no cinema, antes de juntar-se à RBS, em setembro, como diretora-geral de inovação e linguagem. Até a ideia de editar o material, como se pensava a princípio, foi revista. “O simples fato de fazer uma edição poderia enviesar a discussão para um lado ou outro”, justifica Melzer.

A decisão foi transformar a investigação em uma iniciativa permanente. O conteúdo será colocado em um site, cuja apresentação vai ocorrer amanhã, durante um evento em Porto Alegre, o Vox, para 400 convidados. Na internet, qualquer pessoa terá acesso aos vídeos. Ferramentas de compartilhamento serão acrescentadas ao longo do tempo para estimular que os próprios visitantes dividam suas opiniões sobre os assuntos expostos.

“Momentos de indefinição”

O “Communication (R)evolution” está dividido em 11 premissas. As pessoas podem assistir ao depoimento integral de cada convidado ou ver o que vários deles disseram sobre um tema.

Um dos princípios, “emprestado” do setor de software, é “seja beta”. É como são chamadas as versões de teste dos programas de computador, colocadas à disposição dos usuários antes da versão final. “É um produto que está suficientemente pronto para ir ao mercado, mas humildemente aberto para melhorar”, diz Melzer. A ideia é estar sujeito a críticas de maneira permanente, com reflexos inevitáveis no processo de lançamento de produtos.

Outro conceito que reflete a vida digital é “pense móvel”. O foco inclui não apenas a produção do conteúdo, mas a maneira como ele é empacotado. O ponto de partida é que os espectadores e leitores, hoje, deslocam-se rapidamente de um lado para o outro, sem abrir mão do acesso à informação, por intermédio de aparelhos diferentes.

A influência das redes sociais, por exemplo, é flagrante em outras duas premissas – “faça parte” e “seja colaborativo” – que preveem um relacionamento mais horizontal entre empresas e consumidores.

O trabalho reflete o interesse do setor de mídia em entender as transformações impostas pela internet à distribuição de conteúdo. As companhias querem evitar o que ocorreu nos mercados de música e fotografia, nos quais novos formatos se impuseram de forma abrupta, varrendo do mapa marcas históricas.

“Hoje, nunca se tirou tanta fotografia, mas de uma forma diferente. O mesmo vale para a música. Como grupo de comunicação, precisamos saber se queremos resistir [às mudanças] e eventualmente ser substituídos por outras companhias ou aproveitar as transformações. Nunca se consumiu tanta notícia, mas é preciso acompanhar a forma como as pessoas querem fazer isso.”

Os temas, diz Melzer, são elementos de discussão e não conclusões, mas as informações recolhidas já ajudaram na reformulação do “Zero Hora”, que completou seu cinquentenário neste ano, e estão sendo incorporadas ao planejamento do grupo para 2015. “Não é uma receita de bolo, do tipo vamos fazer um pouco disso, um pouco daquilo. Trata-se de um processo de aculturamento.”

A estreia do site marca a primeira fase do projeto, que será atualizado constantemente. Em janeiro de 2015 termina a fase de contatos para as novas entrevistas, com a captação dos vídeos prevista para fevereiro e março. A ideia, desta vez, é adicionar a Ásia à discussão. “Em momentos de indefinição”, diz Melzer, “compartilhar conteúdo e gerar discussão é benéfico para o mercado.”

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João Luiz Rosa, do Valor Econômico