Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Pelas vielas da violência em Jerusalém

Noite de quarta­feira [4/2], inverno em Israel. Um grupo de jornalistas brasileiros janta com Amotz Eyal em um restaurante na rua Mamilla, sofisticado shopping a céu aberto na parte ocidental. Eyal é diretor­geral da agência de notícias Tazpit, criada em 2010 para, segundo ele, fazer contraponto ao viés pró­palestino dado pela mídia internacional à cobertura do conflito árabe­israelense.

No meio do encontro, toca o celular. Eyal atende, pede desculpas e diz que precisa se retirar por alguns minutos para uma pauta na Cidade Antiga. Ao se levantar, deixa entrever a pistola Glock que carrega na cintura.

Em cinco minutos, acompanhado do fotógrafo, de dois seguranças também armados e deste repórter, sai da modernidade para adentrar o século XVI. A muralha, erguida em 1538 pelo sultão otomano Solimão, O Magnífico, separa os dois mundos.

São quase 22 h, e não há ninguém nas ruas dessa região da cidade. Apenas uma tímida luz alaranjada ilumina as vielas, que de repente ficam ainda mais estreitas. O grupo sai do Bairro Cristão e entra no Bairro Árabe da velha cidade. Encostados na parede de uma lan­house, três adolescentes palestinos os encaram. Um dos jovens, falando em hebraico, solta uma provocação. “Eles disseram, com ironia, para os seguranças atirarem”, traduz Eyal.

Um judeu ortodoxo, perto dos 40 anos e de olhar assustado, abre a porta. Explica que sua casa, no Bairro Árabe, fora apedrejada por um grupo de jovens. O fotógrafo fica, à espera de um novo ataque. Os demais batem em retirada.

Na saída, logo à porta da casa, um pedregulho voa em direção ao grupo. Eyal aponta para uma casa vizinha. Na sacada, o vulto de um homem. Dez minutos depois, Eyal está de volta ao restaurante, que é rodeado por dezenas de lojas de grife, como Zara, The North Face, Gap, Mac, Castro, Adidas, Nike e Billabong. Saboreia o farto banquete árabe, enquanto relata o que viu dentro das muralhas da Cidade Antiga ­ um episódio corriqueiro para um jornalista que trabalha na cidade.

Problema maior

Jerusalém está no centro de um dos conflitos mais violentos e duradouros do mundo. É a capital declarada de Israel, mas não reconhecida pela comunidade internacional. A sede do governo, o Knesset (Parlamento), e a Suprema Corte estão ali, mas todos os países mantêm suas embaixadas em Tel Aviv ­ um gesto político visto com certo amargor pelos israelenses.

A Autoridade Palestina, por sua vez, reivindica Jerusalém Oriental como capital de seu futuro Estado. “Jerusalém é um campo de batalha simbólico, porque ainda tem essa sobreposição de árabes e judeus vizinhos uns dos outros, o que já é muito incomum pensando nas outras localidades, onde se formam guetos”, diz Fernando Brancoli, pesquisador do Arab Council for the Social Sciences, no Líbano, e professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, no Rio.

A convivência entre judeus e palestinos é especialmente tensa, sobretudo na Cidade Antiga. Embora o rígido aparato de segurança israelense venha evitando a ação de homens­bomba, atentados ainda ocorrem em todos os cantos da cidade. Um dos métodos mais utilizados pelos terroristas tem sido atropelar pessoas em pontos de ônibus ou de bonde. Em novembro, quatro rabinos e um policial morreram em uma sinagoga durante um ataque promovido por dois palestinos armados com cutelos, um machado e um revólver.

O histórico de confrontos na velha cidade é tão antigo quanto os seus quase 4 mil anos. Jerusalém já foi destruída duas vezes, sitiada 23 vezes, atacada 52 vezes e capturada e recapturada outras 44 vezes.

O famoso Muro das Lamentações, que atrai peregrinos de todo o mundo, é o segundo local mais sagrado do judaísmo. O primeiro é o Santo dos Santos, onde, acredita­se, ficava guardada a Arca da Aliança, no antigo Templo de Salomão. Mas os judeus estão proibidos de rezar ali, por questões de segurança.

Isso porque ele está no Monte do Templo, como é chamado pelos israelenses? os árabes o conhecem como Esplanada das Mesquitas. Na esplanada, fica a mesquita de Al Aqsa, terceiro local mais sagrado para o Islã, em uma área contígua ao Muro das Lamentações. Pela tradição islâmica, no exato local onde a mesquita foi construída, no ano 705, o profeta Maomé subiu aos céus para receber instruções de Alá.

“É nessa área, do tamanho de um campo de futebol, que talvez esteja o problema mais difícil de resolver em Jerusalém. Mais até do que a partilha da cidade”, afirma André Lajst, um judeu brasileiro de 28 anos que emigrou para Israel em 2007, especializou­se em contraterrorismo e segurança nacional e trabalhou na inteligência do Exército israelense até 2013.

Pauta antiga

A Segunda Intifada palestina, contra a ocupação israelense, ocorreu após a visita do ex­premiê Ariel Sharon, então um parlamentar do Likud, à esplanada, vista como um gesto de provocação. Cerca de 5 mil pessoas morreram no conflito, entre 2000 e 2006.

No ano passado, o governo israelense chegou a fechar a Esplanada das Mesquitas, em meio às tensões provocadas pela operação das Forças Armadas de Israel em Gaza. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, classificou o ato como “uma declaração de guerra”.

Na Cidade Antiga, o grande aparato de segurança israelense contribui para reforçar a imagem da “ocupação sionista”, como dizem os detratores de Israel.

A extensa e complicada agenda do conflito já inclui “vespeiros” como o retorno de cerca de 2,5 milhões de refugiados palestinos, a delimitação de fronteiras e a segurança. Mas a partilha de Jerusalém, que está na pauta das Nações Unidas desde 1948, ano de fundação de Israel, é tão complicada que, para muitos, uma solução para esse tema deve vir até mesmo depois da criação do Estado palestino. “Esse é o grande, grande, grande conflito envolvendo judeus e palestinos”, diz o jornalista português Henrique Cymerman, correspondente no Oriente Médio há 40 anos. “É o tema mais polêmico. É onde pode haver mais violência até.”

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Fabio Murakawa, do Valor Econômico; o jornalista viajou a convite da ONG The Face of Israel