Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Criminosos, os editores mais poderosos do Brasil

Victor Gentilli

 

A

prática do jornalismo declaratório atingiu seu paroxismo com os casos do grampo no BNDES e do “dossiê” Cayman. Toda a discussão sobre a prática de jornais e jornalistas na cobertura desses fatos se circunscrevia ao debate ético-legal de ser correto ou não publicar o que se gravava, o que se falava, o que se xerocava.

Entendo que os jornais erraram – de forma grave – ao dar voz e espaço a criminosos, mas essa discussão, embora não superada – pelo contrário -, não é, não foi e não será capaz de esgotar o debate. Quando o presidente Fernando Henrique toca na questão, acerta no alvo. Como chamei a atenção na edição passada deste OBSERVATÓRIO, a hora é boa para o parto do Conselho de Comunicação previsto na Constituição e para a retomada da tramitação da nova Lei de Imprensa. Ao presidente, porém, só cabe discutir aspectos éticos e legais.

O diabo é que, independentemente da discussão legal e/ou ética, os dois episódios eram pratos cheios para os jornalistas políticos praticarem efetivamente jornalismo político. Mas preferiu-se a pior espécie de jornalismo declaratório.

Como mediador entre segmentos sociais, cabe ao jornalista entender o que ocorre no país e explicar a seus leitores, ouvintes ou telespectadores. O jornalista, portanto, não pode ser um ente passivo, acrítico, um reprodutor do que os outros falam, escrevem ou deixam escorregar para suas mãos. O jornalista que apenas pratica jornalismo declaratório não passa, como costumo dizer, de um “moleque de recados”.

É usado por uns e outros para satisfazer interesses que, às vezes, até desconhece.

Nos casos Cayman e grampo no BNDES a interpretação foi substituída pela justificação. Jornais e revistas justificavam seu comportamento, explicando o porquê de suas opções editoriais. De todo modo, como já observou Alberto Dines, difícil justificar o uso de gravações criminosas.

Interpretar seria entender os bastidores dos fatos, apresentar os beneficiários e os prejudicados com a ação, analisar os potenciais desdobramentos. Vejamos o caso do grampo: havia uma informação isolada; os telefones do BNDES foram grampeados por criminosos às vésperas do leilão de privatização das teles. O que a mídia fez? Correu atrás das fitas! As circunstâncias, os interesses, o entorno, as forças em jogo, tudo isso que o cidadão necessitava para de fato entender o episódio foi sonegado.

Investigar seria – sem substituir os órgãos competentes – buscar indícios sobre os criminosos, sua ação, seus interesses, seus patrocinadores.

Pois jornais e jornalistas foram “moleques de recados” nos dois casos, mas o caso do grampo no BNDES foi muito mais grave: os criminosos foram transformados nos mais poderosos editores que a mídia já teve no Brasil.

Senão, vejamos: quem escolhia os veículos, escolhia os trechos e escolhia a data da publicação? A Folha lamentou que não foi escolhida para receber nenhuma fita. Veja recebeu os trechos que os criminosos desejavam que recebesse naquela semana. Novas fitas com novos trechos foram repassados à Carta Capital.

Edição precisa dos criminosos: a revista sai no mesmo dia em que o ministro Luís Carlos Mendonça de Barros dispôs-se, voluntariamente, a explicar-se no Senado. No final da semana, Época recebe e publica mais uma leva de gravações e as publica na revista (editadas) e as disponibiliza na versão online. A revista alega que publicar as conversas gravadas criminosamente, na íntegra, na Internet, evita alterar o sentido das conversas pela edição.

Esquece: 1. Que a gravação foi criminosa e 2. Que ela divulgou apenas os trechos a que teve acesso.

Fala-se em 27 ou 37 fitas. O que se tornou público foi muito menos. Os criminosos, portanto, escolheram as conversas que consideravam – na perspectiva de seus interesses -, escolheram as datas, escolheram as revistas. Roberto Marinho jamais teve esse poder.

Se os jornais investigassem e interpretassem os fatos, os brasileiros saberiam que o alvo era o Ministério da Produção, que o PFL não se interessou em ajudar o ministro por interessar-se em deletá-lo do governo, que a sucessão de 2002 compunha o pano de fundo dos fatos.

Não se venha com o argumento de que as fitas foram entregues pela Política Federal ou por membros do governo. Seja quem for que tenha entregue as fitas às revistas era – no mínimo – cúmplice dos criminosos.

Se os jornais investigassem e interpretassem os fatos, os brasileiros saberiam que o PT – que agiu com tanta correção durante o processo eleitoral – pegou carona numa ação criminosa (cujos interesses eram distintos dos seus).

Se os jornais investigassem e interpretassem os fatos buscariam indícios e provas sobre o que efetivamente interessa à opinião pública brasileira:

Quem e com que interesses – grampeou os telefones do BNDES nos dias que antecederam o leilão da privatização das teles?

Quem e com que interesses produziu e distribuiu o “dossiê” Cayman?

A sociedade brasileira tem o direito a essas informações. Jornais e jornalistas brasileiros têm a obrigação de apurá-las e divulgá-las.

Ainda há tempo. Sempre há tempo para o bom jornalismo.

 


Carlos Vogt

 

O

caso do grampo do BNDES e o caso da empresa/conta em ilhas tropicais, que já virou dossiê, batizado na imprensa, com direito a ícone, Dossiê Caribe, Dossiê Cayman e quejandos, revelam aspectos interessantes do comportamento da imprensa e da mídia brasileiras, em geral.

Escaldados pelos “escândalos” Clinton, Escola de Base, a execução de soldados americanos no Vietnã, entre outros, nossos órgãos noticiosos agem sem saber ao certo se têm um furo ou uma batata quente nas mãos.

Os dois assuntos têm diferenças várias: têm também semelhanças, sobretudo no que diz respeito às intenções criminosas dos que os armaram e estão tentando usá-los para fins pouco claros e, na verdade, muito escusos. Ao menos até agora e pelo que até este momento se sabe.

Nos dois casos, não foi a imprensa nem a mídia que os descobriu. Recebeu-os prontos e guardou-os para amadurecimento na dispensa da prudência e da desconfiança.

Como o governo também relutou quanto ao que fazer com o papelório apócrifo e com a fitaria indigesta, a coisa, como num filme de ficção científica, foi crescendo, se avolumando e tomando a forma de todas as formas, nenhuma forma: um monstro trancado no armário do pacto de silêncio, inconveniente, involuntário talvez, mas silêncio, que se firmou durante o processo eleitoral, até o segundo turno entre autoridades, mídia e imprensa no país.

Como o desespero é mãe de muitas catástrofes e de tantas outras bobagens, o candidato Paulo Maluf, segundo as histórias que a imprensa passou depois a contar – Foi Maluf quem fez? – tentou usar o dossiê fantasma com a mão do gato do vizinho para, num último lance, tentar reverter o cenário eleitoral que despencava sobre sua cabeça. Não deu certo. Mas, certamente, precipitou com atraso (com perdão da redundância quadrada) a iniciativa (com perdão do exagero) do governo em fazer ele próprio a divulgação do material, para, antecipando-se (outra hipérbole), esvaziá-lo do impacto que acabaria causando, ou ao menos da dúvida que plantaria no espírito trickster e zombeteiro da nação.

No dia 8 de julho, domingo, a coluna do jornalista Elio Gaspari estampava a contra-denúncia que o ministro José Serra lhe entregava e a revista Época daquela semana reforçava a intenção de esvaziamento da contra-ofensiva governamental, sobrepondo às denúncias da conta em paraíso fiscal e do grampo no BNDES a denúncia do crime de chantagem e da grosseria deselegante e vil da armação.

Deu certo, até certo ponto. E até o ponto em que deu certo, pela credibilidade, entre outras coisas, do jornalismo de Elio Gaspari, o país ficou dividido entre o horror que a baixeza da chantagem e a grosseria dos métodos produziu e a cosquinha persistente da desconfiança marota que os criminosos acabaram plantando no quintal fértil da maledicência nacional.

A tentativa de confundir um assunto com outro, o das ilhas-paraíso e o do purgatório das privatizações da Telebrás não deu muito certo. Até porque as famigeradas fitas, que todo mundo tem um amigo que ouviu mas que ninguém viu, foram aparecendo aos poucos, em doses homeopáticas, mas corrosivas para a estabilidade das pretensões de Mendonça de Barros ao futuro Ministério da Produção. Nesse sentido, parece que os criminosos do grampo conseguiram o seu intento.

No outro caso, o da conta secreta, as coisas caminham de outro modo e, ao que tudo indica, se tudo o que os chantagistas tiverem forem esses documentos ridículos de falsidade, até agora conhecidos, a tempestade terá feito alguns estragos de credibilidade, mas nada que não possa ser recomposto, plantado e ajardinado adequadamente pelo governo. A não ser, é claro, que apare&ccedilccedil;am novas e autênticas pragas da discórdia.

Quando à imprensa, é interessante observar que, sem saber se ia ou se ficava, ficou foi aliviada pelo gesto do ministro Serra em destampar a panela do diz-que-diz e viu-se, assim, livre-leve-solta para os seus vôos rasantes de dilacerante perspicácia noticiosa e analítica e para o seus dilaceramentos éticos diante do dilema do furo temerário versus o comedimento timorato.

Numa das reflexões que Fernando Rodrigues da Folha de S. Paulo fez sobre a questão aparecia com clareza este dilema e o exemplo utilizado pelo jornalista para ilustrá-lo foi, de fato, cheio de exemplaridade. Dizia ele que a imprensa não pode, ela própria, dizer palavrões, mas se o palavrão é dito por uma personalidade noticiável ele não pode deixar de ser noticiado.

Estava, pois, liberto o gênio da garrafa.

Contudo, como atrás de todo o material em circulação, nos dois casos, no da ilha e no do continente, estavam atitudes indiscutivelmente criminosas, a imprensa e a mídia seguiram, por um tempo, prudentes. E tirando o sensacionalismo das revelações das fitas que continuaram a ocorrer e que levaram não só o ministro das comunicações mas também seu irmão, José Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende e Pio Borges a se demitirem de suas funções, a imprensa e a mídia, embora com relutância e alguma desmesura, agiu melhor nesses do que em casos anteriores, de triste memória.

Faltou-lhes, contudo, ousadia para enfatizar o caráter criminoso das ações que fundaram a tentativa tenebrosa de empurrar novamente o país para o deboche, a descrença e o cinismo que só interessam aos malfeitores de plantão, sempre atentos ao oportunismo da instrumentalização da opinião pública, de que a imprensa é formadora e fiel depositária. Esperamos que não caia agora, uma vez caída a equipe-chave dos programas de desenvolvimento do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, no oposto da louvaminha e da tagarelice lisonjeira sobre a honra e a falta que eles farão ao governo e ao país, coisa em que, de resto, as pessoas sensatas jamais deixaram de acreditar.

Mas o estrago está feito.

Que ao menos se apurem os crimes que estão na sua origem. A imprensa tem aí um papel fundamental. Que ela não sacrifique os demissionários uma segunda vez, elogiando-lhes as qualidades que ela própria ajudou a impedir que exercessem. Que não enalteça sua morte pública para, exorcizando o remorso, não ficar no cômodo conforto que a sublimação dos “mortos” pode trazer-lhe. Como escreve Carlos Drummond de Andrade, “morrer por uma idéia é incontestavelmente sublime, porém, na realidade, dispensa-nos do trabalho de examiná-la, confrontá-la com outras, julgá-la”.

Que a imprensa não “morra” pela idéia que não teve.

 


José Antonio Palhano

 

S

e a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude, passa da hora de alçar a expressão a instâncias bem mais superiores que a proporcionada por um mero e inofensivo adágio. Depois da badaladíssima peroração do senador Pedro Simon, à qual a mídia em geral se agarrou sôfrega, enquanto aos berros repercutia tratar-se aquilo de um advento da oratória perdida, urge que o verbete hipocrisia sofra uma reforma ortográfica. Passando a sinônimo de jeitinho brasileiro.

Nada contra o magnífico esgoelar do nobre guasca ou sua belíssima performance gestual, de fazer inveja ao tal bailarino russo que andou por aqui recentemente. Mas a mania nacional de superficializar tudo em nome de uma suposta cultura que só quer saber de festar e festar, vez ou outra esconde coisinhas assim que mereceriam uma atenção maior. É o caso protagonizado por Mendonça de Barros, enquanto esteve à disposição do agitado e oralmente motivado Simon. Eram tantos os rapapés e vaselinagens deste último à guisa de pedir licença ao primeiro para posteriormente canibalizá-lo, que todo mundo passou batido para o que realmente interessava. Em resumo, o que o senador tinha a dizer era que, malgrado sua condição de gente finíssima, o ex-ministro lastimavelmente teria mesmo que ser ejetado não por seus supostos delitos, mas pela impensável heresia de afrontar as coisas politicamente. Ou seja, Mendonça de Barros foi apresentado ao distinto público pelo discursista inquiridor como um híbrido: metade dele é honesta – aquela que faz besteiras para o nosso lado, e a outra metade não presta – aquela que ofende o quintal do senador.

Uma beleza de idéia. A sacada genial do glorificado orador dos pampas abre perspectivas jamais sonhadas no combate ao nosso miserê continental. Pinta uma autêntica anistia antropológica no pedaço. Doravante meliantes de qualquer espécie, traficantes, estupradores e falsificadores de remédios poderão recorrer, brandindo seus lados bons, inexplicavelmente ocultos até aqui. Se não é uma visão mais profunda do Homo sapiens, louve-se ao menos a exaltação de suas lateralidades distintas.

Pena que essa coisa de elogiar alguém em público – ou em plenário, o que empresta uma maior gravidade à cerimônia – ao mesmo tempo em que se esfola e mata e come o desgraçado, de tão velha e batida já foi devidamente reprovada pela humanidade. Sempre repugnou pela hipocrisia – “Olhe, fulano, eu não tenho nada contra você, lhe admiro muito, acho você um cara super legal, mas vou tomar sua casa e sua mulher, puxa vida, nem pense que isto é pessoal, imagine!”. Se agora hipocrisia é jeitinho, essa inusitada discriminação política tem seu eqüivalente na nossa secular, sempiterna e campeã mundial discriminação racial (e social). Tempos atrás Chico Anísio apresentava um quadro na TV que era a cara do show protagonizado por Simon. Nele, o humorista fazia par com uma garotinha de cor. Ao mesmo tempo em proferia o bordão “Sou louco por essa neguinha!”, rapidamente puxava o braço e o esfregava na roupa, à guisa de uma desinfecção de urgência por ter ali lhe tocado a menina.

Semelhante repugnância do parlamentar gaúcho a Mendonça de Barros não é fruto de qualquer defeito de caráter ou preconceito. Simon, afinal, é membro titular da galera de senadores cuja reputação e probidade estão acima de qualquer suspeita (não se usa a expressão “alto clero” em função de uma nossa vesguice cívica que prefere sempre exaltar sua contrapartida, baixo clero). A razão de ter burilado tanto Mendonça de Barros por meio de subjetividades, ora pitos memoráveis, ora elogios infames, está em que ele também aderiu ao ôba-ôba que transformou o episódio dos grampos em autêntica mixórdia.

Vai bem o senador. Já devidamente conformado com a definitiva e irrecorrível incorporação da miséria à agenda nacional, firme como craca ou como a data de Natal na folhinha, ao menos tenta bolar nuances e interpretações novas na nobre intenção de arrefecer seus efeitos colaterais e, principalmente, aplacar nossas consciências. Louve-se seu timing, sensível como um relógio suíço. Pegou a onda certa de uma imprensa que, no geral, promoveu enorme e ruidosa esculhambação no caso dos grampos. O que vale é a farra, o escárnio, o barulho, o constrangimento e tantas outras dessas coisas tão comuns em botequins de subúrbio regados por pinga ruim. A arruaça deu-se da maneira mais simples do mundo. Bastou inverter a ordem das coisas. Estabeleceu-se desde logo que a nação é que deve ficar a reboque do incidente criminoso. Quanto a este, jamais deve ser exposto ao risco da lei. A pauta toda foi sabiamente direcionada para o caminho da fertilidade.

É preciso, a todo custo, que o episódio renda mais e mais, que não se esgotem as denúncias, que brotem mais e mais safadezas, para que enfim a democracia e o direito de expressão atinjam a sua plenitude. A torcida é, mais que escandalosa, de uma voluptuosidade digna de humilhar maníacos sexuais.

Ao loquaz Pedro Simon desgraçadamente sobrou um papel adicional. Puxando um pouco pela memória, é fácil lembrar algo que tem merecido na mídia um silêncio de cemitério. Há meses, a má vontade do senador Antônio Carlos Magalhães em relação ao tal Ministério da Produção (peça-chave para interpretar o fator Mendonça) vem sendo repercutida na imprensa na exata noção de uma cláusula pétrea. Ou através de um conformismo que lembra a carneirada. Simplesmente se disse, se afirmou e se escreveu que o homem não quer e não quer o ministério e ponto final. Jamais se ousou – dado o teor agressivo do veto e a importância que o governo atribuía à sua criação – por exemplo, sapecar um editorial na primeira página chamando o presidente do Senado às falas. O que nos leva a concluir que as tiradinhas, gozadinhas e criticazinhas que diariamente brotam nos jornais contra ACM não passam de arrufos inofensivos, frescura de gente carente de se dizer politicamente correta.

E aí foi o que se viu. Todo mundo aplaudindo Pedro Simon por ter arrancado assim tão competente e delicadamente o escalpo de Mendonça de Barros, e ele lá no púlpito, lépido e faceiro a encher a bola de Antônio Carlos Magalhães. Que não precisou nem soltar um mísero pigarro de desagrado. Estava na maior felicidade. Ou Pedro Simon sempre foi o antípoda ideológico do baiano ou alguém o aconselhou a misturar acarajé com chimarrão, na cruel e indisfarçável intenção de lhe afetar o juízo.

 


TT Catalão

 

N

a lógica voraz do mercado, o vale-tudo por audiência e venda de exemplares tende a, digamos, suavizar a consciência crítica da imprensa quanto aos métodos de se obter informação exclusiva. O episódio do grampo e do “dossiê Cayman” são os mais recentes episódios desse topa-tudo por leitores.

De um volume de 19 fitas, chegam algumas a uma redação; estas, obviamente teriam que ser editadas para quatro páginas e sobre apenas trechos o Congresso intimida um ministro sob a curiosa alegação de que a autoridade estaria constrangendo o governo, é grave! Um parlamentar, sem saber do conteúdo integral cria um juízo sob a mediação da mídia. A mídia “suaviza” sua indignação contra os crimes ao aceitar uma fonte suspeita obtida por grampo.

Com tanto aparato tecnológico, hoje vulgarizado, qualquer fita poderia ser adulterada. Mas, a pressão do mercado nos quer ágeis para sair na frente da concorrência. Publica-se e pronto. Mesmo com “éticas ressalvas” de que vamos ouvir o outro lado e que a fita ainda não foi periciada blablablá. Instaura-se o célebre “tiro ao pombo”: manda bala depois a gente conta os mortos.

Aceitar grampo é aceitar que sob uma “causa justa” vale qualquer método. Cuidado. Não reclamem aos direitos humanos se a coisa ocorrer na contramão. Todo mundo acha sua causa justa. Pergunte a Saddam se a dele não é. E aí a imprensa valida o crime. E aí o Congresso subitamente assume a porção freirinha imaculada que reside em todo hipócrita e cai de pau em nome da “honra ultrajada do governo”.

A imprensa não foi fundo nas intenções veladas dos reais interesses do grampo. A fita não veio pelo bico de um passarinho. Tem origem. Mas resguardar fonte só interessa se a fonte eventualmente se torna, digamos, fonte de recursos. Mais vendas! As freirinhas do Congresso acreditam, por acaso, que os bastidores capitalistas do negócio são forjados em linguagens querubínicas e jargões altruístas de celebração humana? Qualé! É papo rasteiro de camelô mesmo no selvagem jogo de alta competição sem maiores requintes humanísticos de linguagem. Babaquinha é pouco. Principalmente se os caras estão em linguagem coloquial sem saber que estão sendo flagrados.

Qualquer ser humano veste a máscara social da linguagem adequada segundo o ambiente. Mas a privacidade dos caras foi invadida, e não para uma investigação preliminar aceita pela sociedade mas por uma futrica partidária de jogo de poder. Fomos fundo nisso? Não. Aceitar crimes como “crimes menores” quando eles nos favorecem é perder o controle da Besta ainda em seu ventre. Lembra aquela história do nazismo quando ainda emergente: “Ahh, que é isso, estão sumindo uns judeuszinhos aí, isso não vai dar em nada”, diziam os que se julgavam fora da mira do carrasco. Deu no que deu. Crimes menores criam álibis e amortecem a consciência para criarem raízes e reforçarem uma cultura permissiva até que tenhamos perdido o controle sobre eles.

Se jogamos o ministro às feras temos que dar nome aos boys. Grampo não tem asa, fita não voa e se aceitamos escutas clandestinas como lícitas, cuidado, tem gente que defende, ainda, censura como “causa justa”. Ou esquecemos que todos os conflitos nascem de causas justas irreconciliáveis?

Drama é quando os dois acham que têm razão. Para o teatro é bom. Mas para o palco da mídia-show é um risco sem limites.