Todos os jornais registraram a radicalizada do presidente do Senado Renan Calheiros, na sessão de ontem, quando disse que os que querem vê-lo fora do cargo “vão ter de sujar as mãos”, porque ele não tem “medo de cara feia” e coisa e tal.
Mas bem que algum editor poderia ter resgatado do fundo do poço da cobertura a passagem do destampatório de Renan em que ele parece abrir uma brecha no seu “daqui não saio, daqui ninguém me tira”.
Foi quando deixou escapar: “Se eu tiver culpa, talvez não cheguemos ao plenário”, numa referência à votação de um eventual parecer do Conselho de Ética pela cassação do seu mandato e suspensão dos seus direitos políticos.”
”Eu reconhecerei a culpa”, prometeu.
Quem chamou a atenção para o possível significado dessas palavras foi a colunista Dora Kramer, do Estado.
Esse, aliás, não foi o único caso do dia em que um colunista faz o que repórteres e editores deviam ter feito ao levar ao leitor o relato de um evento público – temperar o ostensivo com duas pitadas de sensibilidade e outras tantas de contexto.
Merval Pereira, no Globo, capturou na sessão do Senado um detalhe que passou pelo meio das pernas do reportariado – ou dos editores, talvez, porque o consumidor, como diria Bismarck, nunca sabe como são feitas as salsichas e as notícias.
O colunista sacou que Renan não teve paciência nem para ouvir um dos integrantes da sua tropa de choque – pelo jeito, acrescento, cada vez mais parecida com a famosa Armata Brancaleone, do filme de Mario Monicelli.
Ele se retirou enquanto discursava o senador sergipano Almeida Lima, um dos três relatores do processo contra Renan no Conselho de Ética.
Mas o melhor do texto de Merval não é nem esse melancólico sinal da irrelevância do que restou dos defensores do presidente do Senado.
É o que vem em seguida:
”Na tentativa de defender Renan, e de justificar sua parcialidade, Almeida Lima pôs-se a criticar “a grande mídia” que, segundo ele, está alimentando a sede de vingança “da massa ignara”.
Massa ignara deve ser a que costuma elegê-lo. Ou não?
“Tão coerente quanto sua história política – já foi do PSDB, do PDT e hoje está no PMDB governista -, Almeida Lima [recorda o colunista] é o mesmo que anunciou, em plena crise do mensalão, que faria uma denúncia “bombástica” contra o então ministro José Dirceu, e acabou lendo da tribuna notícias requentadas e desimportantes.
Anunciando, com estardalhaço e antecedência, uma bomba acusatória contra o ministro José Dirceu, o senador mexeu com os nervos do mercado financeiro e foi o assunto entre políticos e empresários de todo o país naquele dia. Depois, fez jus ao apelido de Rolando Lero, que ganhou pela semelhança de seu linguajar enrolador com o do personagem de Rogério Cardoso na “Escolinha do Professor Raimundo”, de Chico Anysio, e teve afinal mais do que os 15 minutos de fama.
A situação de Renan Calheiros é tão difícil que é esse seu principal defensor no Senado.”
À parte o resumo da ópera, que é para isso que existem comentaristas, tudo mais no texto de Merval – desde a saborosa massa ignara até a recordação da falsa bomba contra Dirceu – devia estar no corpo das matérias sobre o dia de Renan no Senado. Que é para isso que existem repórteres e editorias políticas.
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