Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Uma necessidade democrática

É preciso pensar e fazer pensar: qual é a moral, o estilo de vida, a ideologia que os personagens midiáticos idolatrados pela sociedade representam? Quais as implicações da poderosa influência da mídia de massa, marcadamente sobre as crianças e adolescentes?

Lembro-me do modo como, no documentário Super Size Me, dirigido por Morgan Spurlock, ao serem expostas a figuras famosas, inclusive Jesus Cristo, crianças apresentaram dificuldade em lembrar o nome de todos, exceto Ronald McDonald. É notável como todas as empresas, mesmo as que não se dedicam especificamente ao negócio da comunicação, perceberam que a dominação intelectual é ferramenta de marketing indispensável. É assim que nossa cultura é, hoje, construída.

Adorno percebeu como a possibilidade do indivíduo enquanto ser criador ficava minada em uma sociedade em que arte é meramente objeto de consumo. Em outras palavras, ele e seus companheiros da Escola de Frankfurt negavam qualquer hipótese de considerar a cultura de massa como criação das massas. Antes, viam a indústria cultural como agente integrador das massas a partir de cima.

Cada vez há menos diamantes

Temos claros exemplos de como isso é feito na prática em um documentário chamado The merchants of cool, produzido por Douglas Rushkoff. A mídia realimenta-se, utilizando seus ícones para gerar, no âmago dos telespectadores, um sonho. Sonho de fama e riqueza, que fará com que crianças participem dos concursos de talentos, bandas enquadrem-se nos gêneros de criação etc., para se tornarem (os eleitos) novos ícones midiáticos. É como um grande círculo vicioso, em que a estupidez acaba em si mesma. Inclusive, como o documentário mostra, nossas adolescentes são incentivadas a utilizar uma sexualidade que elas sequer compreendem. Isso para não falar de outro aspecto criticado hoje em dia: a criação de estereótipos, ou seja, modelos de vida, para fins comerciais, que acabam gerando frustração por serem inalcançáveis.

Ora, as adolescentes, no sonho de virarem modelos, sofrem de bulimia, enquanto nossas mulheres, hoje mais discriminadas do que nunca, buscam alcançar desesperadamente os padrões absurdos. Desculpem-me o ceticismo, mas pouco há de humano nesses processos de criação cultural. Há muito de mitológico, como diz Edgar Morim. De fato, a mídia parece, por vezes, querer ocupar o lugar de Deus. Ela é onipresente, diz-se onisciente e agora parece querer tornar-se onipotente também.

Em um contexto em que empresários competentes, que compreendem plenamente a importância da informação, e jornalistas medíocres, que não entendem direito sua função na sociedade, atuam juntos rumo a uma despolitização da sociedade, vemos as opiniões de nossos adolescentes se resumirem a comprar um Playstation ou um Xbox, ou uma Victor Hugo ou uma Luis Vuitton. Isso, confesso, faz-me ter medo da democracia. Pois mesmo em meio a governos democráticos os abusos são inúmeros. A diferença é que, nas formas democráticas de poder, os civis politizados têm de fato influência. Mas cada vez há menos desses diamantes. Enquanto isso, os penteados de Cristiano Ronaldo permanecem impregnando a sociedade sem rodeios (é preciso estar na moda) e as leis continuam sendo votadas em favor das empresas e, muitas vezes, em detrimento do povo.

Proteger a inteligência

É nesse sentido que se faz absolutamente necessário educar para a mídia nas escolas. A arte predatória de educar para o consumo, para a fama, para a moda etc. tem coibido a rebeldia e a capacidade de pensar e criticar de nossos jovens. Os sonhadores sonham para si, somente. Quantos há hoje que, votantes obrigados, sequer sabem o que é direita e esquerda? E, no entanto, assistem à televisão diariamente. Não deveriam estar bem informados sobre o mundo?

Acima de tudo, precisamos mostrar a nossos jovens, desde o ensino fundamental, que a mídia erra, que seus discursos não valem mais que o de seus pais e professores e que é preciso entender o contexto das coisas de forma mais profunda. É necessário mostrar que os heróis midiáticos não apenas são seres humanos comuns, como muitas vezes não detêm autoridade moral para ser exemplo para ninguém. E que, como diz Ignacio Ramonet, informar-se de verdade é trabalho árduo.

A educação para a mídia deve atuar no sentido de diminuir as distorções em nossa visão de mundo, provocadas por uma representação sua que não é janela para a realidade, mas sim, recortes, muitas vezes remexidos em Photoshop. Educar para a mídia é proteger a inteligência de nossos jovens contra a onda de estupidez que hoje, infelizmente, impregna esse meio.

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Estudante de Jornalismo, Coimbra, Portugal