‘‘O jornal do futuro é coisa do passado na minha casa’, avisou Maria Inês Sitta, 47, fisioterapeuta. Assinante há 20 anos, ela desistiu da Folha no último dia 19, quando saíram na Ilustrada desenhos de homens, mulheres, um bicho e um extraterrestre fazendo sexo das mais diferentes formas.
O tema era o lançamento de quatro compilações de revistinhas pornográficas feitas de 1950 a 1980 por autores anônimos, os herdeiros de Carlos Zéfiro. A justificativa: ‘resgatar parte esquecida e importante da cultura popular brasileira’.
Difícil dizer se os catecismos merecem figurar no repertório artístico do país e mais difícil ainda é entender a forma como saíram na Folha.
O jornal escolheu um sábado -dia da Folhinha e de literatura na Ilustrada- para dar destaque à pornografia (essas publicações nem se pretendem ‘eróticas’).
Além de Maria Inês, 20 pessoas escreveram, quase todas preocupadas com os filhos, incentivados por elas a ler jornal.
‘No dia da Folhinha, as meninas vêm babando e quase sempre pegam o jornal antes de mim. O problema é explicar aquelas figuras para uma criança que nem sabe o que é sexo’, diz o industrial Julio Fiandi, 50, que lia essas revistinhas na adolescência, achou a reportagem interessante, mas ficou indignado com as ilustrações.
Incutir nas crianças o hábito de folhear um periódico não é só preocupação dos pais. Em todo o mundo, os diários se desdobram para atrair as novas gerações, acostumadas a notícias gratuitas na internet. Convencê-las da superioridade do impresso é questão de sobrevivência para as empresas.
Ao mesmo tempo, jornal é um produto para adultos e não pode, para atender os que têm filhos, fazer autocensura. O que diferencia o ‘chocante que vale a pena’ do ‘sensacionalismo’ é a relevância jornalística.
Basta que apareçam imagens mais fortes de uma tragédia, como as do terremoto no Haiti, para que chovam queixas de leitores que tiveram o ‘café da manhã estragado’ por um close em um cadáver abandonado entre escombros. Nesses casos, faz sentido ser incômodo -é preciso mostrar o tamanho da destruição ocorrida.
Para os ‘Quadrinhos Sacanas’ retratados na Ilustrada, faltam bons argumentos. Um texto de 40 linhas e um desenho inofensivo (havia um ‘só’ com bundas de mulheres) seriam suficientes para dar conta da notícia da reedição das revistas aos interessados.
A Folha costuma provocar o seu público. Politicamente, desagrada à direita e à esquerda. Nas reportagens de comportamento, é frequentemente acusada de frívola. Em esporte, de apenas ver falcatruas onde deveriam imperar notícias sobre futebol. Em cultura, de dar espaço demais à cena alternativa, conhecida de poucos.
Nisso tudo, o jornal mostra personalidade editorial e coragem para enfrentar reações negativas, o que não tem nada a ver com a vontade juvenil de chocar por chocar.
É questão apenas de ser oportuno, de saber a hora certa de surpreender e de contrariar o leitor. E de não esquecer que um pouco de sutileza, inclusive em sexo, não faz mal a ninguém.
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Placar popular: Dunga 1×0 Mídia
‘Minha mãe sabe que o que estão fazendo com o filho dela não se faz com ser humano nenhum’, desabafou Dunga, ao pedir desculpas -para o público, não à Rede Globo- por ter xingado um jornalista.
O ex-volante partiu para o ataque, jogou feio (‘besta, burro, cagão’, teria murmurado contra o repórter), mas fez um gol: angariou a simpatia dos que o veem como um guerreiro anti-Globo e também de todos os que acham que a imprensa pressiona demais.
‘Os repórteres querem brilhar mais que os jogadores. Se o Brasil perder, a mídia será uma das responsáveis’, escreveu Adherbal Ribeiro de Oliveira Filho, 61, professor universitário no Rio.
Ainda tem muita Copa pela frente. Cabe aos jornalistas não se intimidarem pelo jeito de Dunga -na sexta-feira, o repórter que perguntou sobre os palavrões parecia estar pedindo desculpas por levantar o assunto-, mas também não caírem na tentação de persegui-lo.
A reportagem ‘Dunguismo’, de quinta-feira na Folha, passou perto da crítica desmedida: definiu seu jeito como ‘truculento’, afirmou que o técnico transformou a seleção numa espécie de religião, em que um dos mandamentos é ‘ser sempre mal-educado’ e o outro é ‘ver a imprensa como inimiga’. O que de pior pode acontecer é a Folha vestir essa carapuça.’