Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalistas e jornaleiros

Quando acordei hoje, pensei no título acima. Porque jornaleiro vende jornal e jornalista, de forma bem simples, confecciona-os. Mas confecciona como? No decorrer do texto você entenderá o que quero dizer. O jornaleiro a que me refiro não é o senhor que tem uma banca de jornal e que vende diversas impressões. Não. O jornaleiro a que me refiro são os “jornalistas” que não têm o compromisso social, que não trabalham com profissionalismo e ética. São aqueles que fazem da profissão vitrine para se auto-promoverem, chegar ao poder, entre outros exemplos. No Rio Grande do Norte, existem muitos jornaleiros. Há também jornalistas. 7 de abril é o Dia dos Jornalistas, logo a minoria pode comemorar porque ainda não existe o dia do jornaleiro.

Os jornaleiros se preocupam primeiro com o lucro da empresa, depois com o conteúdo. O jornalista, não. Esse é um “puro sangue”, como disse Balzac em Os Jornalistas. “O puro-sangue é um homem no qual a gerência é uma vocação, que compreende esta dominação, que tem prazer na exploração das inteligências, sem abandonar, porém, os lucros do jornal. Os dois outros (o ambicioso e o homem de negócios – em nosso caso, o jornaleiro), fazem de sua folha um meio; enquanto, para o puro-sangue, sua folha é sua fortuna, sua casa, seu prazer, sua dominação: os outros se tornam personagens, o puro-sangue vive e morre jornalista” (p. 35, 1999).

Neste sentido, jornalistas são oposição e o resto é armazém de secos e molhados, como disse Millôr Fernandes. Jornaleiros, não. Jornalistas não devem agradar a todos. Jornaleiros vivem disso. Nós, jornalistas, queremos mudar o mundo por mais que digam que tal feito é utopia. Os jornalistas sabem o significado dessa palavra; os jornaleiros, não. Diz a lenda que jornalistas defendem o povo e os jornaleiros (ou jornalistas oficiosos, como queira) defendem os patrões e os governantes.

“A melhor profissão do mundo”

Vamos ao futebol. Jornalistas torcem pela bola. Os jornaleiros torcem pela organização do evento. Jornalistas não vibram com a Copa de 2014 porque o Brasil é um país corrupto e tem problemas muito maiores a serem resolvidos, ao invés de gastar dinheiro com um campeonato de futebol que trará riqueza apenas para os ricos e a balela sobre estrutura é leviana. Não fica estrutura coisa alguma, como afirmou, em Natal, Juca Kfouri. Jornaleiros acham que a Copa beneficiará os pobres, coisa que não acontecerá, pois assim como sempre fizeram, eles assistirão à Copa pela televisão, só para citar a parte do lazer que os jornaleiros citam.

Jornalistas ficam preocupados com a Copa no Brasil porque há um alto nível de politicagem no país – por exemplo, na escolha das sedes. Em Brasília, houve superfaturamento de R$ 74 milhões em uma das licitações da construção do estádio local. Os jornaleiros não veem a verdade. A verdade também diz que Natal está superatrasada em tudo que a Fifa determina. Mas por aqui, os jornaleiros dizem que está tudo sobre controle ou que é preconceito dos sudestinos contra o Nordeste.

Jornaleiro afirma. Jornalista pesquisa. Para o jornaleiro, ser “jornalista” é ruim, pois não é uma profissão muito bem remunerada. Os jornalistas acham isso também, mas afirmam que vale a pena ser jornalista, porque “o jornalismo é a melhor profissão do mundo”, como disse Gabriel García Márquez.

Para a verdade estar presente

Jornaleiros elegem presidente. Jornalistas os tiram. E se não tirarem, denunciam as mazelas. O jornaleiro não gosta do jornalista, pois o último carrega a verdade consigo. O jornaleiro omite a verdade, mas não chega a odiá-la. A maior missão do jornaleiro é omitir e manipular a verdade. Logo, ele precisa dela, assim como o jornalista que a usa para informar, formar e educar. Por que não? Jornaleiros só informam. Cumprem suas pautas e seus expedientes. Apenas.

Apesar da precariedade do trabalho, da desvalorização da profissão e dos salários estagnados, hoje é um dia de celebração. Só para os jornalistas, claro. Os jornaleiros irão comemorar, pois eles são maioria. Aos jornalistas resta, apenas, continuar trabalhando, denunciando e sendo do contra, que ao menos a verdade estará presente nos jornais, rádios, sites e televisões. Não sou otimista. Os jornaleiros são 90% dos que trabalham com “jornalismo”. Mesmo sendo 10%, os jornalistas ainda podem mudar o mundo. Os jornaleiros, não.

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Jornalista, Natal, RN