Entre os dias 31 de maio e 2 de junho últimos aconteceu a Conferência D9, a nona versão da “All Things Digital”, a mega exposição mundial de inovação em tecnologias digitais. Durante a exibição, enquanto as companhias apresentavam seus produtos mais recentes e suas estratégias de mercado, dois grandes nomes de duas grandes empresas acabaram por roubar a atenção da mídia graças à modéstia de ambos, mas, sobretudo, pelo conteúdo ético de suas declarações: John Dorsey, co-fundador e presidente do Twitter, e Eric Schmidt, ex-CEO do Google, agora falando como representante internacional da companhia que liderou por anos.
Dorsey, de forma surpreendente e corajosa, assumiu que não sabe definir o que vem a ser o Twitter: “Eu não tenho uma resposta e não penso que tenhamos que ter uma”, declarou o fundador do microblog. “O Twitter representa coisas diferentes para pessoas diferentes”, ele disse. O jovem presidente da rede social reconheceu que sua companhia ainda é um desafio para o marketing (apesar da fama, o site ainda é um anão, quando comparado ao Facebook e ao Google em termos de geração de receita através de anunciantes). A repórter Ina Fried anotou ainda os comentários que Jack Dorsey fez do papel de sua companhia na geopolítica contemporânea: “O serviço é um facilitador de conversações”, disse ele. E continuou: “Acredito que nossa maior responsabilidade é manter nosso serviço disponível a todos”, afirmou o jovem diretor de produtos do Twitter e CEO do Square, sua firma de pagamentos online.
“Executivos precisam aceitar suas responsabilidades”
Numa modesta alusão ao papel que o Twitter vem desempenhando na geopolítica mundial, Dorsey reconheceu que seu serviço revelou movimentos políticos que acontecem em lugares distantes, “envolvendo gente real e levando-as para as ruas. O mundo todo pôde ver, e – mais importante – apoiar a mensagem. Nossa missão e nossa meta é garantir que esse foro exista sempre”, arrematou Dorsey. Ao declarar publicamente que pode não saber muito bem o que é exatamente o Twitter, Dorsey desceu das alturas a que a mídia o elevou para colocar-se como mais um usuário do microblog: afinal, quem pode definir, de modo definitivo, o que é o Twitter?
Ao assumir sua condição paradoxal de criador que não define sua criatura, Dorsey revelou um pouco de inocência e coragem. Mostrou que o Twitter “é o mundo inteiro” e que as mensagens que ele carrega a todas as partes do globo onde está presente estarão sempre lá, se depender dele. Ficarão sempre à disposição de todos que necessitem comunicar algo importante. Foi um momento de grandeza em meio a um mar turbulento de competição acirrada entre grandes interesses apequenados pela busca do lucro.
A conferência parece ter sido a vez dos tímidos. O outro a brilhar por sua coragem e postura ética foi Eric Schmidt, ex-CEO do Google. Recentemente afastado do cargo (mas ainda trabalhando para a empresa), o executivo assumiu seu erro, ao minimizar a força do crescimento do Facebook. “Eu arruinei tudo”, disse ele. A revista Wiredpublicou o depoimento de Schmidt, onde ele admite que “até escreveu memorandos sobre a ameaça, mas estava tão focado no dia-a-dia da empresa que não deu a devida atenção à questão”. “Eu estava ocupado”, explicou. “Eu claramente sabia que deveria fazer alguma coisa, mas não consegui”, assumiu Schmidt. “Executivos precisam aceitar suas responsabilidades. Eu falhei”, concluiu o ex-presidente.
Para a libertação da mente humana
O “homem mais velho”, que veio para o Google (depois de uma passagem brilhante pela Apple) para dar um ar mais sério à pouco convencional dupla fundadora (Sergey Brim e Larry Page), não procurou atenuantes ou desculpas. Subiu ao palco e, de lá, publicamente assumiu que seu erro ao demorar a atender a demanda da firma por uma maior presença no campo da identidade social. Schmidt fez um excelente trabalho no Google, mas fracassou com a Buzz, a rede social que supostamente deveria competir com o Facebook. Foi seu “maior arrependimento”, ele disse, desassombrado. Schmidt, que o comentarista Greg Sandoval, da CNET News, sugeriu ser “o mais gentil executivo“ na área das tecnologias de informação, mostra agora mais algumas qualidades: força de caráter, coragem e uma ética profissional irrepreensível.
O discurso ético dos executivos foi muito importante porque contrasta com uma realidade fatual diversa e oposta e que se impõe mais e mais a cada dia. Num mundo que “põe informação em tempo real no lugar da informação da vida real” (Semil Sha), os discursos de Dorsey e Schmidt na conferência representaram a força das relações sociais reais, do discurso humanístico generoso e esquecido por uma cultura onde simulacros de vida e relações sociais pretendem substituir o verdadeiro caminho para a libertação da mente humana: a vida real das pessoas comuns, baseada em relações sociais reais. Os dois executivos mostraram, com suas atitudes e palavras na grande conferência em Palos Verdes (Los Angeles), que as imagens, os sons e as miragens do mundo digital não são substitutos para todas as possibilidades que a vida real generosamente nos oferece todos os dias.