Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O perfil da guerrilheira que virou presidente

A construção, passo a passo, da figura política da presidente Dilma Rousseff e de sua imagem eleitoral – para estrear em uma eleição com 57 milhões de votos – é o eixo central do livro A Vida Quer é Coragem, que o jornalista Ricardo Amaral acaba de lançar pela editora Primeira Pessoa. Da menina de Belo Horizonte, com suas bonecas e uma bicicleta amarela, que virou militante do grupo clandestino Colina e chegou ao Planalto, em outubro de 2010, para ser “a presidente de todos os brasileiros, respeitando as diferenças de opinião e de orientação política”, Amaral relata, com boas histórias, quem é, o que pensa e do que não gosta a atual presidente do país.

O livro já chega à praça com dois “cartões de visita”. Um deles, a foto da jovem Estela, ou Vanda, ou Luzia – enfim, Dilma – aos 22 anos, depondo como militante da VAR-Palmares à Justiça militar do Rio de Janeiro. O outro é uma acusação ao presidenciável José Serra. Ele teria sido o responsável, na campanha de 2010, por uma intensa campanha de ataques à rival petista. O cabeça dessa operação seria o americano Ravi Singh, que teria organizado “um gigantesco banco de e-mails” usado para se espalhar todo tipo de denúncias. Serra, consultado, já negou tudo.

Esta crítica, que não é a única contra os tucanos, fala por si: Amaral está longe de contar uma história capaz de agradar aos não-petistas. “Procurei um relato objetivo dos fatos”, diz ele na introdução, “sem abrir mão de explicitar meu ponto de vista sobre muitos episódios”. Não é tarefa fácil para quem, mesmo com 25 anos de janela, foi auxiliar direto do ministro Luiz Dulci no governo Lula e trabalhou por alguns meses na Casa Civil de Dilma. Mas pode-se entender que “relato objetivo” vale para as críticas à era FHC – duras, como no episódio do apagão. E o “sem abrir mão…” abrange os erros do PT, entre os quais ele expõe, com vigor, o mensalão.

“Ô Palocci, ocê ficou maluco?”

Na soma final, porém, é um livro para apresentar e defender a presidente. Até da imprensa que, segundo o autor, “assumiu, na prática, o poder de julgar e condenar em sua missão de fiscalizar os poderes da República”.

Um dos bons episódios do livro é a prisão de Dilma pela ditadura, em 1969 – que se deveu, diz ele, a um “erro técnico” da militante. Ela foi duas vezes ao encontro de um contato e ele não apareceu. Na terceira, a polícia a esperava. “Fui presa porque fui absolutamente incompetente”, disse ela do caso, tempos depois.

O livro repassa, sem aprofundar, o episódio do “roubo do cofre do Adhemar” – que outros dois livros, de Tom Cardoso e Alex Solnik, esmiuçaram recentemente. Mas são abundantes, nas suas 300 páginas, os exemplos do jeito direto de ser da biografada. Por exemplo, ao reencontrar o companheiro Cláudio Galeno, de quem se separara, e dizer na lata: “Estou com o Max e vou ficar com ele.” Max era Carlos Araújo, seu segundo marido. Dilma ia contra a corrente com a maior naturalidade. Na Copa de 1970, irritou amigos torcendo pela seleção. Depois irritou-os de novo ao aplaudir a decisão de Geisel de ampliar para 200 milhas o mar territorial brasileiro.

A “descoberta” de Dilma por Lula, os tropeços do caso Erenice, o susto do linfoma e a guerra bruta da campanha eleitoral desfilam cheios de detalhes. Um deles, curioso, é o modo como se espalhou a notícia de que ela seria a candidata presidencial. Antonio Palocci soube por Lula. Foi conferir e ela reagiu: “Ô Palocci, ocê ficou maluco?” Palocci foi reclamar com Lula e este lhe disse: “Eu não conversei mesmo. Nem vou conversar isso com ela.”

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[Gabriel Manzano é jornalista do Estado de S.Paulo]