Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A minissérie JK e os seus efeitos midiáticos

Desde que foi ao ar, no dia 3 de janeiro de 2006, a minissérie sobre a vida do ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek tem suscitado os mais diversos interesses e provocado movimentações no campo político. Com uma audiência além do habitual, a minissérie vem empolgando os telespectadores brasileiros, atingindo índices só alcançados pela Rede Globo no horário nobre. [Média de audiência de 37 e picos de 43 pontos. Disponível aqui. Data de Acesso: 20/1/2006]

Assim, consideramos pertinente apontar algumas das possíveis razões para a imensa aceitabilidade dessa produção, e, além disso, abordar os efeitos midiáticos e eleitoreiros que esse documentário romanceado pode alcançar.

Estratégia eleitoral

Apesar de a escritora Maria Adelaide Amaral isentar-se de qualquer responsabilidade a respeito de como será desenvolvida na trama a trajetória política de JK, atestando o forte componente fictício da minissérie, sua produção parte de uma bibliografia real e relata ao telespectador momentos históricos que marcaram intensamente o país. Essa imbricação entre realidade e ficção, na qual a minissérie está alicerçada, possivelmente não será perceptível ao telespectador comum.

Somado a isso, têm-se os investimentos e o caráter de superprodução que envolve a minissérie. O glamour e o luxo envolvem a vida das personagens principais, acrescidos da respectiva dose de maniqueísmo e banalidade para formar o núcleo da trajetória política de um dos presidentes mais polêmicos do país. Retratado pela autora como herói desde sua infância , JK pode enfim resgatar o ânimo da população brasileira e retomar a crença no mito salvador da pátria em pleno ano de eleição. Nada mau para os estrategistas de marketing, principalmente depois da descrença generalizada que se alastrou no país, marcado pelos últimos acontecimentos que abalaram o cenário político.

Vale ressaltar que essa mitificação em torno de um candidato, gerada pela crença no mito salvador da pátria, vem sendo explorada pelo marketing político desde o fim da ditadura militar, constituindo a principal estratégia para eleger um candidato à presidência do país. E, nesse sentido, curiosamente, todos os candidatos pós-redemocratização, de Collor a Lula, buscaram algum tipo de identificação com Juscelino Kubitschek.

Comparações e estímulos

Não obstante, fatos recentes já demonstraram os rumos que nortearão as eleições presidenciais de 2006. Em um de seus discursos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, possível candidato à reeleição, comparou-se a Juscelino e a Getúlio, ao reclamar das críticas da imprensa. Segundo dados da revista IstoÉ [‘O inimitável’. Disponível aqui. Data de acesso: 11/1/2006], na campanha petista Lula tentará mesclar a imagem dos dois ex-presidentes: o ‘pai dos pobres’, Getúlio Vargas, com o Programa Bolsa-Família, ao mesmo tempo que pretende reconquistar os votos perdidos da classe média, com sua promessa de desenvolvimento sustentado, numa referência a JK.

O PSDB também apresentou uma retórica semelhante. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o pré-candidato Geraldo Alckmin demonstrou sua familiaridade com a gestão JK: ‘Na minha opinião, a expectativa do eleitor é de que as coisas andem mais rápido e como candidato pretendo resgatar o lema de Juscelino Kubitschek, de 50 anos em 5’ [‘Alckmin diz que não teme possível dôssie do PT’. Disponível aqui, para assinantes. Data de acesso: 22/1/2006].

Apesar de errôneas, face às diferentes conjunturas políticas e principalmente econômicas que marcaram a época de JK, comparações como a do governador Geraldo Alckmin e do presidente Lula podem despertar o público-eleitor, aproximando-o do candidato que demonstrar maior identificação com o perfil de Juscelino. Isso porque não há dúvidas que ao fim da minissérie, JK atingirá seus maiores índices de popularidade.

Votos e prestígio

E, por outro lado, pouco será transmitido sobre a visão crítica que se tem da gestão Juscelino Kubitschek. Segundo o sociólogo Francisco de Oliveira, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ela foi repleta de medidas polêmicas, a começar pelo projeto de industrialização que atropelou a estabilidade econômica do país [‘Bossa Nova & Polêmico’. Folha de S. Paulo, Folha Ilustrada, p. E1, 7/1/5]. Além disso, JK também pode ser lembrado pelo seu apreço à política clientelista, pelo endividamento gerado com a construção de Brasília e, principalmente, pelas denúncias de corrupção que surgiram em sua gestão. Tudo isso, possivelmente não será relembrado pela Rede Globo de Televisão.

Entretanto, não há razões para se contestar a emissora. Isenta da imparcialidade e objetividade, que são recursos recorrentes apenas dos seus telejornais, a minissérie, rotulada como ficção, exime-se do peso de artifícios utilizados pela Globo em anos anteriores para influir nos resultados das eleições presidenciais. E é assim que se expressa a escritora Maria Adelaide Amaral, quando questionada sobre a ocultação de determinados fatos que nortearam a vida de JK: ‘Minissérie não é documentário’. E complementa: ‘O que eu escrevo não é documentário. O texto é romanceado para dar um molho, mas tudo parte da realidade. Em cima do que realmente está documentado, imaginamos cenas possíveis’. [‘Procura-se JK’. Disponível aqui. Data de acesso: 20/1/2006]

Do outro lado, mas não muito distante, apropriando-se da minissérie ficção-realidade, estruturam-se os discursos políticos em busca de mais um mandato presidencial. A nós, resta saber qual candidato será mitificado de maneira a mais se parecer a um novo JK, garantindo votos e prestígio a todos os envolvidos nesse mercado tão atrativo: o mundo da política.

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Doutoranda em Ciências Políticas na PUC-SP e mestre em Comunicação e Cultura das Mídias pela Unip