Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

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>>Duas polícias

Morto ao comprar

Os jornais de São Paulo seguem na trilha do assassinato de um jovem cliente, cometido por um segurança das Casas Bahia.

Mas o leitor atento há de sentir falta de algumas perguntas básicas.

Discute-se, por exemplo, se o jovem Alberto Milfont Júnior tinha ou não passagem pela polícia, como se isso justificasse o crime ou pudesse ser tomado como atenuante.

O Estado de S.Paulo foi visitar a Casa do Zezinho, no bairro do Capão Redondo, instituto de assistência social onde o jovem foi atendido na adolescência.

Alberto Milfont Júnior freqüentou a entidade na adolescência e acabou se tornando educador voluntário e mediador de conflitos.

Sua história é a de muitas crianças e jovens da periferia, que superam as dificuldades com a ajuda de entidades de assistência social.

A polícia ainda enxerga esses cidadãos como marginais, e o mesmo preconceito costuma resvalar para os sistemas privados de segurança.

A imprensa ofereceu detalhes sobre o episódio, mas passa longe de sutilezas como essa.

O leitor merece um debate mais profundo sobre as questões que estão na raiz desse tipo de incidente.

Seria interessante conhecer, por exemplo, se a rede de lojas mantém guardas armados em todos os seus estabelecimentos, ou só naqueles situados na periferia da grande cidade.

Deve-se discutir, entre outras coisas, os privilégios concedidos às empresas de segurança privada, muitas das quais são controladas por oficiais da Polícia Militar.

Também cabe investigar como são recrutados e capacitados esses homens armados, se seu perfil é adequado ao tipo de trabalho que exercem.

É sabido que muitos deles são ex-policiais, mas pouco se sabe sobre por que deixaram as forças de segurança pública.

Outro detalhe que poderia dar mais qualidade ao noticiário se refere à eficácia desse tipo de proteção. O número de crimes cometidos por seguranças privados já poderia ter recomendado alguma reportagem mais alentada sobre o sistema.

Outra questão adicional é: quanto o interesse de empresas particulares de vigilância controlados por policiais influencia as decisões das autoridades na logística do sistema público de segurança.

Um crime nunca é apenas um crime, mas a imprensa segue preocupada com os detalhes factuais e passa longe de discutir o sistema.

O que não passou ainda pelas páginas dos jornais é o risco que correm milhares de clientes que ingressam em bancos e lojas onde armas de fogo estão em mãos de pessoas cuja qualificação e cujo perfil psicológico não se pode ler no crachá.

Duas polícias

O noticiário de hoje dos jornais pode induzir o leitor a entender que há duas polícias atuando no caso do Banco Opportunity: uma investigando crimes atribuidos ao banqueiro Daniel Dantas e seus sócios e outra investigando os investigadores.

Enquanto uma das partes alimenta a imprensa com supostos abusos cometidos pelo delegado Protógenes Queiroz e seus assistentes, outra segue tentando esclarecer até onde foram as ações ilegais do banqueiro.

Entre os dois principais jornais de São Paulo, observa-se claramente que a Folha de S.Paulo dá mais destaque à apuração de possíveis abusos da polícia, enquanto o Estado de S.Paulo oferece hoje mais espaço para novidades nas denúncias contra Dantas.

Em destaque hoje no Estadão, a notícia de que nova investigação da Polícia Federal encontra mais indícios para incriminar o controlador do Banco Opportunity.

Em destaque na Folha, a estratégia dos advogados de Daniel Dantas, que pretendem pedir a anulação de todos os processos penais e de inquéritos produzidos pela Operação Satiagraha e levar o processo para o Supremo Tribunal Federal.

O noticiário pode levar o leitor a entender duas coisas: primeiro, que o barulho em torno da apuração dos métodos da Polícia Federal ajuda o acusado. Segundo, que os advogados de Dantas confiam plenamente em um julgamento favorável no Supremo Tribunal Federal.

Paralelamente ao caso específico da chamada Operação Satiagraha, o Estado de S.Paulo oferece uma entrevista com o diretor dos Serviços Judiciários do Principado de Mônaco, responsável pela extradição do banqueiro Salvatore Cacciola para o Brasil.

Ali estão expostas as fragilidades do controle do Estado sobre grandes somas de dinheiro que circulam pelo sistema financeiro internacional, o que facilita fraudes e estimula o crime do colarinho branco.

A imprensa poderia fazer mais desses trabalhos: em vez de se perder nos detalhes confusos de uma investigação, explicar para o leitor como funcionam os grandes esquemas, e por que nenhum governo até hoje produziu um sistema eficiente para controlar o fluxo do dinheiro sujo pelo mundo.

Pelas fraturas do sistema financeiro internacional se movimentam o dinheiro do narcotráfico, os lucros da corrupção e os ganhos de especuladores.