Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

>>Escândalo para todos
>>Imprensa marrom

Escândalo para todos


Todos os principais jornais do País se rendem às evidências de que o governo do Distrito Federal esconde há anos uma quadrilha especializada em saquear o dinheiro público.


As imagens mostrando o governador José Roberto Arruda e seus aliados recebendo dinheiro – um deles escondendo pacotes nas meias – são fortes demais para serem ignoradas.


Mas há uma tendência clara no noticiário, de limitar o caso ao atual governo, quando sobram evidências de que se trata de um esquema que vem de outros carnavais.


No mínimo, o escândalo envolve o ex-governador Joaquim Roriz e o empresário Paulo Octávio, personagens que já freqüentaram outras histórias de corrupção.


Dos três jornais de circulação nacional, apenas a Folha de S.Paulo dá mais atenção ao fato de que o escândalo pode afetar profundamente um dos principais partidos de oposição, o Democratas, cujos representantes têm se destacado por denunciar os pecados de outras agremiações.


Por outro lado, o Globo é o que mais se limita aos dados factuais, evitando apostar nas evidências das imagens que a própria emissora do grupo divulgou.


O título da manchete nesta segunda-feira é um primor de distanciamento: afirma que o Tribunal Superior Eleitoral “vê indícios de caixa 2” em Brasília.


Quanto aos jornais da Capital Federal, destaque para o esforço do Correio Braziliense para conter o escândalo entres os deputados distritais e aliviar a pressão sobre o governador Arruda.


Nenhum jornal se dispôs a fazer um retrato do sistema eleitoral e suas falcatruas, agora que ficou mais do que evidente que nenhum dos grandes partidos passa incólume pelo teste da probidade.


O caixa 2 é prática generalizada.


Talvez fosse o caso de a imprensa deixar bem claro aos seus leitores como funcionam os esquemas e o que são, na verdade, os profissionais que a imprensa chama de “marqueteiros de campanha”.


Também está na hora de contar que, se há corruptos, existem os corruptores.


O escândalo de Brasília tem o carimbo da Microsoft e outras empresas, mas a participação da gigante da tecnologia está bem escondida no noticiário.


Imprensa marrom


Alberto Dines:


– Vamos criar uma igreja e deixar de pagar impostos? A manchete da Folha de S. Paulo de ontem foi a mais comentada dos últimos tempos.  Nem parecia ser o mesmo jornal que dias antes, na sexta-feira, produziu um lixo jornalístico dos mais repugnantes e que desde então está ocupando a seção de cartas dos leitores quase inteira. A propósito da estréia do filme “Lula, o filho do Brasil”, a Folha publicou um depoimento do seu colunista César Benjamin, dissidente do PT, a propósito de um comentário cabeludo feito há 15 anos pelo então candidato à presidência Lula da Silva (FSP, 27/11, p. A-8).


Como foi constatado no dia seguinte, o comentário foi efetivamente feito mas em tom de troça, conversa de fim de expediente. A Folha rasgou e tripudiou sobre todos os seus manuais de redação, pisoteou 20 anos de trabalho dos seus ouvidores ao aceitar como verdadeira uma fofoca estapafúrdia sem qualquer diligência sobre a sua veracidade. Não foi desatenção, erro involuntário, tropeço de um redator apressado: a Folha reservou uma página inteira para que o colunista contasse a sua saga nos cárceres da ditadura, iniciada quando contava apenas 17 anos.


Seu relato é impressionante, mas de repente, para desqualificar os 30 dias que Lula passou no xadrez, César Benjamin conta a sua anedota em três enormes parágrafos e com ela fecha o artigo. À primeira vista, parece mais um golpe publicitário da família Barreto (que produziu o filme), em seguida percebe-se que a denúncia é à vera, fruto de um ressentimento pessoal que um jornal do porte da Folha, que se assume “a serviço do Brasil”, não tem o direito de perfilhar.


A direção da Folha simplesmente não avaliou o tamanho do desatino. No dia seguinte, tentou consertar: mancheteou  uma de suas páginas com o justo desabafo de Lula classificando o texto como “loucura” (FSP, 28/11, p. A-10). No domingo, certamente arrependida, a direção da Folha providenciou a evaporação do assunto. Ficou apenas a reprovação do seu ouvidor Carlos Eduardo Lins da Silva. Tarde demais, já no sábado o Estadão repercutia o episódio com destaque e no mesmo dia a Veja já o incorporara à sua edição. O Globo manteve-se à distância desta porcaria.


Se o ouvinte (leitor) não sabe o que significa “imprensa marrom” tem agora a oportunidade de confrontar-se com este exemplo em estado puro, do jornalismo de escândalos e achaques.


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