Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Terra Magazine

PROFISSÃO PERIGO
Ricardo Kauffman

Greve de roteiristas x tortura a jornalistas, 6/6

‘A idéia segundo a qual a organização de classes profissionais em entidades de representação coletiva não cabe mais no mundo contemporâneo é forte no Brasil. Sindicatos e outras agremiações do gênero gozam de baixíssimo prestígio (em boa medida por seu casuísmo, ineficiência e imobilismo) em vários segmentos e atividade profissional – os comunicadores são um exemplo -, salvo poucas exceções.

No setor de comunicação, falar de sindicato ou associação de classe é algo fora de moda e ingênuo. Com tanta informação flutuando no universo virtual, qualquer mobilização de jornalistas é tida como fadada ao fracasso. É possível, observado este ângulo, editar jornais, revistas, sites, programas de TV e rádio sem jornalistas, se este for o caso, por alguns dias.

Na contra-mão deste estado de coisas, meses atrás veio da maior democracia capitalista e liberal do mundo um exemplo desconcertante. Durante meses, a classe dos roteiristas paralisou a mais importante indústria de entretenimento audiovisual do mundo por reivindicação salarial.

Os estúdios norte-americanos cederam, depois de centenas de milhões de dólares de prejuízo e o risco de ter de suspender a festa do Oscar. Isso ocorreu este ano, 2008, e não há 40 anos.

Enquanto isso, no Brasil, uma outra classe de comunicadores – ou de produtores de conteúdo – percorre caminho contrário. Os jornalistas não só encaram cada um por si o campo da negociação salarial. A classe, formada cada vez mais por profissionais free-lance, vê seus integrantes, não raro, jogados aos leões, incentivados pela promessa do grande furo e glória.

Esta semana, reportagem do jornal carioca O Dia revelou em detalhes o martírio de uma de suas equipes de reportagem nas mãos de milícia numa favela de Realengo, na capital fluminense. Uma repórter, um fotógrafo e um motorista foram torturados pelos líderes da facção local por mais de sete horas ao serem descobertos infiltrados na comunidade. Eles estavam lá com o intuito de relatar, nas páginas do jornal, o governo da milícia na favela.

Diante de tal fato – que inevitavelmente remete ao caso Tim Lopes -, a imprensa e jornalistas do Rio de Janeiro estão em polvorosa. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município e a Federação Nacional dos Jornais publicaram carta em que acusam as empresas jornalísticas de exporem seus profissionais a missões de alto risco, sem as devidas condições de segurança.

‘Lutamos há meia década pela instalação de comissões de segurança nas redações, formada por jornalistas que fiscalizem as medidas de proteção à vida e avaliem os riscos de cada cobertura. Os patrões, de forma irresponsável, se recusam a dialogar, deixando à mercê da sorte a vida de dezenas de profissionais que denunciam o estado paralelo no Rio de Janeiro’, diz trecho do documento.

Há três dias o programa Observatório da Imprensa, da TV Brasil, discutiu largamente os desdobramentos do episódio. Alberto Dines – criador e apresentador do programa – critica os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo por não abrirem espaço relevante ao caso. ‘Este é um problema nacional, e não regional’, diz.

Mas o que os paulistas ou demais brasileiros tem a ver com a tortura de uma equipe de um jornal regional como O Dia? No Observatório da Imprensa, outra questão foi levantada: a imprensa deve ou não cobrir as favelas cariocas?

O coronel José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, disse que a recomendação da polícia é reduzir a cobertura: ‘A equipe assumiu um risco muito grande’. Já Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), afirmou: ‘A missão do jornalista não é morrer, mas não pode se recusar a fazer uma cobertura porque o nosso trabalho é uma atividade de risco. Essa tese de que não pode cobrir certas áreas significa imposição de autocensura’.

Destas duas linhas de pensamento derivam duas situações obscuras, ambas em curso: 1) por falta de condições de trabalho (quando não de interesse comercial), o jornalismo deixa de cobrir a periferia. 2) Quando há exceção à regra, a ‘infantaria do jornalismo’ – repórteres, fotógrafos e motoristas – enfrentam a missão de forma heróica e/ou trágica, sem retaguarda.

O diretor de redação de O Dia, David Freeland, também presente ao programa, disse que os veículos de comunicação devem fazer uma mea culpa pelo fato de terem deixado de cobrir as comunidades mais pobres das periferias das grandes cidades, na última década.

Parece este ser um dos pontos centrais. É interesse de toda a sociedade que o jornalismo esteja sistematicamente presente em todas as partes, não apenas em missões esporádica e suicidas. A impotência da imprensa diante do poder paralelo nas grandes cidades é um problema nacional.

Não só os jornalistas estão sendo abandonados à própria sorte.

Ricardo Kauffman é jornalista e roteirista.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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