INTERNET
Wikipédia, idealismo não remunerado
A Wikipédia completou dez anos ontem. É o quinto website mais visitado na internet. Mensalmente, cerca de 400 milhões de pessoas utilizam seus dados. Aposto que muitos leitores desta coluna estão entre elas. Você quer checar alguma coisa, entra no Google e, então, com mais frequência ou não, escolhe o link Wikipédia como o melhor caminho para sua pesquisa.
O que é extraordinário nessa enciclopédia livre, que contém hoje mais de 17 milhões de artigos em mais de 270 línguas, é que ela é quase que inteiramente escrita, editada e autorregulamentada por voluntários não pagos. Todos os outros websites também muito visitados são empreendimentos multibilionários. O Facebook, com 100 milhões a mais de usuários, está avaliado em US$ 50 bilhões.
Visite o Google no Vale do Silício e vai se encontrar num vasto complexo de edifícios de escritórios modernos, como a capital de uma superpotência. Ali pode existir ainda algumas peças divertidas de Lego no saguão, mas você terá de assinar um acordo de confidencialidade para passar pela porta de entrada. A linguagem dos executivos do Google gira estranhamente entre a de um secretário-geral da ONU e a de um vendedor de carros. Num momento falam de direitos humanos universais para, em seguida, discutirem o ‘lançamento de um novo produto’.
A Wikipédia, ao contrário, é supervisionada por uma fundação não lucrativa. A Fundação Wikimedia ocupa um andar de um prédio comercial anônimo no centro de San Francisco . Você precisa bater forte na porta para alguém vir abrir. Dentro, a sensação que se tem é exatamente do que ela é: uma modesta organização não governamental internacional.
Se o principal arquiteto da Wikipédia, Jimmy Wales, tivesse escolhido comercializar a empresa, hoje estaria bilionário – como Mark Zuckerberg, do Facebook. Colocar a Wikipédia sob a égide de uma organização não lucrativa foi, disse-me Jimmy, ao mesmo tempo a mais estúpida e a mais inteligente ideia que teve. Mais do que qualquer outro importante site global, a Wikipédia exala o idealismo utópico dos heróis da internet nos seus primeiros dias. Os ‘wikipédios’, como eles se chamam, são homens e mulheres com uma missão. E essa missão está resumida na seguinte frase, que poderia ter sido de John Lennon, mas foi dita pelo homem que todos chamam de Jimmy: ‘Imagine um mundo em que todas as pessoas do planeta têm livre acesso à soma de todo conhecimento humano’.
Achar que este objetivo utópico poderia ser atingido por uma rede mundial de voluntários, trabalhando sem ganhar nada, editando todos os assuntos, com as palavras que digitam se tornando visíveis para o mundo todo, era, naturalmente, uma ideia completamente maluca. Mas este exército maluco avançou extraordinariamente em apenas dez anos.
A Wikipédia ainda tem grandes deficiências. Os artigos variam muito, em termos de qualidade, de um tema para outro e de língua para língua.
Muitos dos artigos sobre personalidades são irregulares e desproporcionais. E isso ocorre porque depende muito de que um ou dois wikipédios sejam genuinamente conhecedores daquele assunto e língua particulares. Eles podem ser surpreendentemente bons em pontos obscuros da cultura popular, e muito fracos em algumas áreas de interesse dominante. Nas versões mais antigas (em inglês e alemão, por exemplo) as comunidades editoriais voluntárias, apoiadas por uma pequena equipe da fundação, melhoraram muito os padrões de confiabilidade e capacidade de comprovação, especialmente insistindo nas notas de rodapé com links para as fontes.
Sei que você ainda deve sempre checar a informação encontrada ali antes de citá-la em algum contexto. Um artigo na New Yorker sobre a enciclopédia fez uma distinção interessante entre conhecimento útil e conhecimento confiável. Um dos maiores desafios da Wikipédia na próxima década é reduzir o máximo possível esse fosso que separa o útil e o confiável.
Outro grande desafio é levar este empreendimento para além do Ocidente pós-iluminista, onde nasceu e continua, na maior parte, alojado. Um especialista disse-me que 80% de tudo o que é editado pela Wikipédia provém do mundo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico da ONU. A meta da fundação é chegar a 680 milhões de usuários em 2015 e espera que grande parte desse crescimento seja em lugares como Índia, Brasil e Oriente Médio.
Mas o enigma não é porque o site ainda tem claras deficiências, mas porque ele tem funcionado tão bem. Os wikipédios dão várias explicações para isso. A Wikipédia chegou relativamente cedo, quando não existia esse número incontável de sites para os usuários da internet passarem o tempo. Uma enciclopédia trata (principalmente) de fatos verificáveis, em vez de trazer meras opiniões – comuns na blogosfera. E, sobretudo, ela teve sorte com suas comunidades de editores colaboradores. Diante da escala do projeto, a equipe de editores regulares é muito pequena.
Colaboração. Cerca de 100 mil pessoas colaboram em mais de 5 edições no mês, mas as grandes Wikipédias, mais antigas, como aquelas em inglês, alemão, francês ou polonês, são apoiadas por um grupo minúsculo de talvez 15 mil pessoas, cada uma oferecendo mais de 100 colaborações por mês. Na maior parte são jovens, solteiros e muito instruídos.
Como muitos dos sites globais conhecidos, a Wikipédia tem a vantagem de estar sediada no que o seu conselheiro Mike Godwin descreve como ‘o oásis da liberdade de expressão chamado EUA’. Todas as enciclopédias em línguas diferentes, não importa onde seus editores vivem e trabalham, são fisicamente hospedadas nos servidores da fundação nos EUA. E têm as proteções legais oferecidas pelas leis americanas de liberdade de expressão.
Civilidade é um dos cinco pilares da Wikipédia. Desde o início, Jimmy diz que deve ser possível combinar honestidade com boas maneiras. Indivíduos mal-educados são contatados e o problema é debatido com eles. Depois, eles são advertidos antes de, caso persistam, serem banidos. Se uma comunidade de uma língua for além da conta, a fundação tem poder para eliminar seus disparates do servidor. (A Wikipédia é uma marca protegida legalmente, enquanto que os Wiki alguma coisa não o são; é o caso do WikiLeaks, que não tem nada a ver com a Wikipédia nem é um wiki).
Não sabemos se o ataque a tiros em Tucson, Arizona, foi diretamente um produto da incivilidade corrosiva do discurso político americano, como ouvimos nas entrevistas de rádio e TV. Um louco pode ser simplesmente louco. Mas essa virulência política diária que observamos nos EUA é um fato inegável.
Diante desse pano de fundo deprimente, é bom comemorar uma invenção americana que, apesar de todas as suas falhas, tenta difundir pelo mundo uma combinação de idealismo não remunerado, conhecimento e uma obstinada civilidade. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É COLUNISTA E ESCRITOR
GLOBO DE OURO
O duelo
A disputa entre uma saga sobre a monarquia britânica dos anos 1930 e a criação de um dos mais valiosos sites da internet vai dominar a entrega do Globo de Ouro, a primeira grande premiação do cinema americano, que ocorre neste domingo à noite, em Los Angeles – com transmissão a partir das 22 horas pelo canal pago TNT. De um lado, a narrativa clássica de O Discurso do Rei, do outro, os diálogos frenéticos de A Rede Social, dois filmes que dominam as nomeações do prêmio concedido pela Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood (sete e seis, respectivamente).
Em sua 68.ª cerimônia, o Globo de Ouro busca resgatar o terreno perdido. Depois de ostentar a fama de antecipar os premiados do Oscar (cuja cerimônia está marcada para o dia 27 de fevereiro), o Globo deixou de ser parâmetro a ponto de, nas últimas seis premiações, apenas em uma o escolhido como melhor filme (Quem Quer Ser Um Milionário?, em 2008) foi o mesmo.
E, ao contrário do Oscar, o Globo de Ouro tem categorias separadas para drama e comédia ou musical, o que aumenta o número de indicados e de premiados. ‘Se os organizadores do Globo quisessem competir com o Oscar, deveriam seguir algumas regras, embora me pareçam pouco interessados nisso’, comenta Dave Karger, analista em premiações do cinema da revista de variedades Entertainment Weekly. ‘Por conta disso, vejo a cerimônia do Globo como uma noite frívola e não como um ensaio geral do Oscar.’
Karger reforça seu argumento ao observar que, ao mesmo tempo em que prestam atenção em filmes de arte como O Discurso do Rei e Cisne Negro, os correspondentes estrangeiros se deleitam em atrair estrelas para seu jantar de gala, ainda que por longas de qualidade duvidosa, como Johnny Depp e Angelina Jolie, protagonistas de O Turista, e Cher, que lidera Burlesque. O mesmo vale para a televisão, cujas séries cômicas e dramáticas também são contempladas.
A divisão torna-se clara ao se analisar cada categoria (veja abaixo): enquanto os indicados para drama são representantes de filmes mais elaborados e com tema adulto, os participantes da lista de musical ou comédia atendem mais às expectativas populares – baseado, claro, no retorno de bilheteria.
A indústria cinematográfica, no entanto, não reclama. Ao contrário, aplaude de pé – os ganhadores do Globo de Ouro do ano passado, por exemplo, Avatar (drama) e Se Beber, Não Case (comédia/musical), tornaram-se sucesso de venda de ingressos – apesar de ter enfrentado cara feia da crítica -, enquanto o melhor filme do Oscar, Guerra ao Terror, teve um retorno bastante tímido.
‘Os vencedores do Globo do ano passado arrecadaram mais de US$ 1 bilhão, o que comprova o caráter populista do prêmio’, continua Karger. Mas, apesar do mau humor do analista, a estatueta oferecida pelos correspondentes estrangeiros promovem um precioso empurrão nas bilheterias. ‘Filmes menores dependem do boca a boca’, avalia Sheila DeLoach, da Fox Searchlight, divisão da Fox especializada em longas mais artísticos, como Cisne Negro e o drama 127 Horas, de Danny Boyle. ‘E qualquer premiação colabora para o apelo popular.’
Veneno à parte, se Karger estiver certo, o moderninho A Rede Social, de David Fincher, deverá bater o classudo O Discurso do Rei, de Tom Hooper, ainda que, na briga entre os atores de drama, Colin Firth com seu monarca gago leva vantagem sobre o esperto criador do Facebook, vivido por Jesse Eisenberg.
As duas tramas tratam da busca do poder, que envolve traição e avareza e torna a competição mais acirrada. A favor de Firth conta a derrota sofrida no ano passado, quando apresentou uma esplendorosa interpretação em Direito de Amar, de Tom Ford.
Entre as atrizes, ainda na categoria drama, Natalie Portman desponta como favorita pela sua atuação no thriller psicológico Cisne Negro. Ambientado no mundo do balé da Cidade de Nova York, ela vive uma bailarina de destaque que se encontra presa a uma teia de intrigas e competição com uma nova rival, papel de Mila Kunis. Tornou-se polêmica, aliás, a cena em que as duas fazem sexo estimuladas por ecstasy – agressivo e violento.
Fugir do bom comportamento, aliás, é outra característica da entrega do Globo de Ouro que tanto agrada ao público e à imprensa de fofocas. Em 1998, por exemplo, Christine Lahti estava no banheiro quando seu nome foi anunciada como melhor atriz de série dramática por Chicago Hope. Ela recebeu o prêmio enquanto ainda enxugava as mãos. E, no mesmo ano, Jack Nicholson, ao ganhar o troféu por Melhor É Impossível, mostrou o traseiro para o público, embora de gala – sem tirar a calça do smoking.
TECNOLOGIA
O futuro da televisão e o que o celular tem a ver com isso
Na coluna da semana passada, falei sobre como os tablets dominaram a Consumer Eletronics Show (CES), maior feira de tecnologia para o consumidor do mundo, que acontece sempre em janeiro, em Las Vegas, nos EUA. Dizia que, por mais que o sucesso do iPad abrisse uma nova linha de produtos tecnológicos (lançados às pencas em Las Vegas), não seria o substituto do computador – seja desktop ou notebook – como o conhecemos.
Houve quem discordasse com veemência. Fãs da Apple têm dessa mania: se foi feito por Steve Jobs é o certo, correto e não tem por que discutir. Discuto, pois acho o iPad muito grande para a geração digital que hoje já se comunica mais com o celular do que com o computador. Mas um dos motivos que me fazem crer que o iPad é só um aparelho intermediário e não o computador do futuro parte de outras duas novidades que também foram atrações na CES da primeira semana de 2011.
Além de quase todas as principais empresas de tecnologia lançarem seus tablets, as outras duas atrações da feira foram novos modelos de smartphone e as chamadas ‘smart TVs’. Os novos celulares foram apelidados de ‘super smartphones’ devido a um novo tipo de processador interno, que permite que esses aparelhos tenham um desempenho que os deixa mais próximos dos computadores atuais do que dos smartphones que estão no mercado.
As TVs inteligentes levam esse adjetivo pois se conectam com a internet e permitem um tipo de interação própria da rede na programação, um recurso que não só é inédito como vai de encontro à natureza da TV.
Explico: por décadas, a televisão se firmou como um dos principais aparelhos na casa das pessoas. Começou a ser desafiada a partir dos anos 80, com a chegada do computador, mas só na década seguinte passou a disputar as atenções familiares. Com a internet, o computador deixou de ser uma estação isolada de entretenimento e trabalho para assumir o papel de meio de comunicação.
E aí a TV começou a ser vilanizada. Enquanto o computador era festejado por permitir a interação, o diálogo, a colaboração e a participação, o televisor era tido como um aparelho que estimulava a passividade, o tédio e a apatia. Até a postura das pessoas frente às duas máquinas foi usada como metáfora para o que ambos faziam com seus usuários: o computador fazia o sujeito se inclinar para frente, como se o puxasse para dentro do monitor; a TV o largava para trás, deitado no sofá.
Isso começa a mudar com essas TVs que se conectam à internet, que ainda estão em sua infância. Online, a televisão corre o risco de recuperar sua posição central na casa – ou pelo menos de tirar esse trunfo do computador. É difícil apostar que ela volte a se tornar o principal aparelho do lar justamente por causa da evolução dos smartphones. São eles que vão fazer a ponte entre o lar e a rua, a TV gigante na sala e o conteúdo que você quer levar no bolso – o celular funcionando como uma espécie de versão em miniatura e acessório inteligente do aparelho principal. E é aí que o tablet – seja da Apple ou não – fica sobrando.
Lu Aiko Otta
Brasil está longe de produzir tablets
Um longo caminho terá de ser percorrido até que a indústria nacional tenha condições de produzir tablets para serem vendidos a preços populares, como quer a presidente Dilma Rousseff.
Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que servirão de base para a elaboração de uma vertente da política industrial para o setor de informática e telecomunicações mostram que as empresas brasileiras, atrasadas e com pouca retaguarda em pesquisa tecnológica, terão de entrar num mercado no qual concorrerão com empresas globais como Alcatel-Lucent e Nokia.
Na média, as empresas líderes de mercado mundial faturam R$ 2 bilhões ao ano. Em comparação, as líderes nacionais faturam em média R$ 20 milhões cada. Enquanto o Brasil investe 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em tecnologia de informação e telecomunicação, os norte-americanos aplicam 0,65% do PIB e os europeus, 0,31% do PIB.
‘Se a gente não começar a produzir, não vai produzir nunca’, diz a pesquisadora do Ipea Fernanda De Negri, reconhecendo que a indústria nacional está em desvantagem. Ela considera que, apesar do tamanho do desafio, vale a pena enfrentá-lo porque esse setor concentra nada menos do que 35% de tudo o que o mundo investe em pesquisa e desenvolvimento.
O Brasil não pode ficar de fora se quiser ter uma economia moderna. ‘Esse setor é chave não só pela inovação, mas também porque tem um impacto profundo sobre a competitividade’, afirmou.
Nacionalização. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ainda não definiu que medidas tomará para concretizar o plano da presidente Dilma de fortalecer a indústria nacional. ‘A presidenta disse que é importante colocar um olhar nesse setor’, disse ele ao Estado.
‘Queremos aumentar o grau de nacionalização, por isso estamos vendo o que é utilizado pela indústria e o que é fabricado aqui, quais as condições em que as indústrias trabalham para começar a discutir’, completou Bernardo.
Os instrumentos de que o governo tradicionalmente dispõe para estimular setores são o corte de tributos (desoneração) e o crédito. São duas opções cuja adoção é mais difícil num período de ajuste fiscal como será o ano de 2011. ‘Vai ter disciplina fiscal, todo mundo está ciente disso’, afirmou Bernardo, que até o mês passado chefiava o Ministério do Planejamento, responsável pelos cortes no Orçamento. ‘Mas vamos conversar e ver o que é possível fazer.’
Os estudos realizados pelo Ipea identificaram que um dos principais gargalos a serem superados pelas empresas nacionais é a produção pequena e concentrada em nichos. Segundo constataram os pesquisadores, a brasileira Padtec produz equipamentos de rede e vende serviços de manutenção para operadoras de telefonia.
Enquanto isso, uma concorrente como a Nokia fabrica desde celulares até equipamentos de porte para operadoras. Os clientes da Alcatel-Lucent vão desde operadoras até governos, passando por empresas de grande, médio e pequeno porte.
‘Antes, as empresas se concentravam só num pedaço do mercado’, disse a pesquisadora do Ipea. ‘Hoje elas produzem celular, produtos para operadoras de telefonia, vendem serviços de operação, produzem software.’ Essa mudança de estratégia não foi acompanhada pelas empresas brasileiras.
A produção nacional tampouco acompanha a tendência mais forte do mercado hoje, que é a produção de terminais (celulares, I-pads e outros).
Além disso, as empresas sediadas no Brasil não conquistaram um mercado global, a exemplo de suas concorrentes. As exportações nacionais ficam na casa dos US$ 19 milhões, contra US$ 2 bilhões das multinacionais. Falta ainda mão de obra especializada.
‘O governo tem fontes de recursos importantes, que usados de forma coordenada podem ser um impulso razoável’, disse Fernanda. O Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Comunicações (Funttel) dispõe de R$ 200 milhões ao ano para serem aplicados em pesquisa.
Na avaliação de Fernanda, juntando o Funttel, os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os benefícios previstos na Lei de Informática, é possível estruturar uma política de desenvolvimento para o setor como pretende Dilma Rousseff..
FOTOGRAFIA
Os Kennedys, pelas lentes de Avedon
Cinquenta anos depois, a mística da família Kennedy persiste. Isso fica claro quando se visita uma nova exposição de retratos da família pelo famoso fotógrafo de moda Richard Avedon. Os visitantes de museu atiram-se sobre o glamour eterno de Jackie num vestido de seda Givenchy, enternecem-se com imagens do sorriso doce da pequena Caroline e ainda se maravilham com a atitude firme e imponente do 35.º presidente. Seguem-se sem demora, com certeza, discussões de baby boomers sobre onde cada um estava quando ouviu a notícia.
Mas a pequena mostra de nove fotografias em cartaz no Museu Nacional de História Americana até 28 de fevereiro, The Kennedys 50 Years Ago, faz mais que recordar o encanto aparentemente irresistível de Camelot, que era uma ilusão, afinal. As imagens em exposição oferecem um estudo de poder e controle, um olhar sobre se é o homem por trás da câmera ou o que está posando à sua frente que está no comando do espetáculo.
Entre a eleição de John F. Kennedy em 1960 e a sua posse no mês de janeiro seguinte, Avedon visitou o que se tornara a primeira família na Flórida para tirar fotos para Harper’s Bazaar e Look Magazine. Avedon, que morreu em 2004, não foi estranho a indivíduos poderosos em vários círculos. Sua prolífica carreira incluiu retratos de Ronald Reagan, Audrey Hepburn, Salvador Dalí e dos Beatles. Algumas dessas fotos (e outras admiráveis 250) fizeram parte da exposição Corcoran’s 2008 da obra de Avedon, e visitantes dessa mostra reconhecerão o mesmo estilo direto nas imagens de Kennedy – preto e branco com fundo liso e borda preta mais poses diretas e expressões um tanto vazias.
Além da abordagem particular de Avedon, o que é imediatamente notável é o cuidado com que o futuro presidente mantém sua expressão decidida. Kennedy parece quase de madeira, às vezes mantendo um olhar cansado que é cálido, mas contido, obtido com um leve estrabismo combinado com o vago fantasma de um sorriso. Antes da permanência no noticiário se tornar parte do idioma político, Kennedy parece estar fazendo exatamente isso, oferecendo uma visão digna, controlada de si mesmo, seja posando atrás de uma naturalmente elegante Jackie, seja segurando Caroline no colo, os braços envolvendo seu corpo esguio.
Mais reveladora é uma folha de contato de Avedon – uma chance de ver o que o fotógrafo viu, e na qual há uma gama mais ampla de emoções à mostra. Numa foto, o presidente eleito olha diretamente para a câmera, rindo como se o fotógrafo tivesse acabado de contar uma piada. Outra capta Kennedy estendendo a mão cuidadosamente na direção de John-John que Jackie segura nos braços, enquanto uma foto diferente mostra o presidente com a guarda abaixada, sorrindo com os olhos semicerrados. Agora nós vemos o poder que Avedon tinha. Ele fez um conjunto de fotos, mas a imagem de Kennedy se alinha com a persona que o 35.º presidente deu duro para criar.
Mas, a despeito de todos os esforços de Kennedy, talvez seja Caroline que rouba o espetáculo. Uma foto emblemática, brilhantemente enquadrada por Avedon, se destaca das demais. A menina de 3 anos ocupa o centro da foto trajando um vestido branco de babado. Ela está ao lado do pai, que está quase fora do enquadramento com a exceção de uma ponta de seu terno e de sua mão direita, estendida e suavemente apoiada sobre o ombro da menina. Quando a revista chegou às bancas, o fator simpatia foi quase certamente alto com essa imagem adorável. Apesar de seu rosto de bebê, Caroline parece carregar um saber além de sua idade. Ela parece quase melancólica. A doçura da foto se mistura como uma espécie de tristeza.
Essa pode ser a mensagem mais intrigante da mostra. Por mais cuidadosamente que um fotógrafo ou um sujeito tente orquestrar a cena, o significado de uma imagem muda com o tempo e depende, em última instância, de quem a contempla. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
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