A cadernalização dos jornais brasileiros, considerada a expressão formal do processo de modernização buscada pela imprensa a partir dos anos 1980, é apontada por muitos consultores como um fator de retenção de leitores, por algumas razões: fica mais fácil para a redação organizar os temas e planejar o fluxo de trabalho e é mais prático para o leitor encontrar os temas de sua predileção.
No entanto, o tempo tem produzido certos vícios que, nesse longo prazo, podem ser observados e que, claramente, podem ter alguma influência na ocorrência de um fenômeno inverso ao que se pretendia – a redução do número de leitores – e a dificuldade que tem a imprensa para recuperar seu caráter universalista.
A cadernalização, que num primeiro momento havia criado condições para o desenvolvimento de especializações nas redações, acabou gerando certo isolamento entre os profissionais dos vários núcleos temáticos, o que dificulta a obtenção de uma visão geral dos fatos e a realização de um trabalho integrado, quando necessário.
Linha natural
Esse isolamento também mantém a necessidade de cargos de coordenação hierarquicamente superiores aos dos editores, o que, em termos organizacionais, instala um fator imponderável de influência nos processos de escolha. Um editor executivo mais ou menos centralizador pode fazer a diferença no grau de autonomia dos editores e em sua capacidade de conduzir o fio das interpretações desde a reportagem até o fechamento.
Por essa razão, não são incomuns os casos em que a versão trazida das ruas pelo repórter acaba se alterando durante o processo de edição. O vazio do imponderável pode ser ocupado pelo viés pessoal de um editor executivo ou secretário de redação, ou mesmo pelo editor de opinião do jornal, produzindo distorções no produto final que chega ao leitor.
Por motivos econômicos e práticos, nenhum jornal vai retroagir no processo de cadernalização, e mesmo aqueles que mudaram do formato standard para o berliner ou tablóide têm mantido a organização em cadernos temáticos. Mas é possível corrigir certas distorções, como a falta de comunicação entre os grupos de profissionais ou a rotina da intervenção de uma instância hierárquica superior sobre a fase final de processamento da notícia.
A menos, claro, que os proprietários dos jornais pretendam exatamente isso, ou seja, que a estrutura de produção seja cadernalizada, mantendo-se capaz de minimamente alcançar os fatos em cada um de seus nichos de origem, mas não queiram correr o risco de deixar que a interpretação final seja definida na linha natural de decisões que compõe o processo da imprensa.
Tudo certo?
Nesse caso, o sistema está absolutamente correto: cada grupo de repórteres corre atrás de sua pauta, discute seu material com o editor, que diligentemente organiza os temas e os reporta ao comando central, onde a voz do dono irá se manifestar, determinando como o mundo deverá ser visto pelo leitor. Este, por sua vez, terá apenas uma escolha: comprar o jornal ou gastar seu dinheiro com outra coisa.
É claro que há muitos fatores a interferir no histórico de perdas da imprensa, durante as últimas décadas. Nos anos 1950, circulavam no Brasil 5,7 milhões de exemplares de jornais diários, para uma população de 52 milhões de habitantes. Em 2007, temos cerca de 7 milhões de exemplares/dia para uma população estimada de 188.438.960 brasileiros [segundo o Popclock do IBGE, em 19/3/2007].
Parece que a escolha da imprensa é por um público menor, mas ‘seleto’. Se assim é, está tudo certo.
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Jornalista