A matéria de O Globo sobre a página do Facebook supostamente construída por indivíduos em confronto com a lei diz no título que “Polícia pedirá ao Facebook que tire do ar página de apologia do tráfico“. Guardadas minhas hipóteses maliciosas sobre o fato de isto ainda não ter acontecido provavelmente devido aos preciosos múltiplos acessos, já que a própria empresa Facebook proíbe tal tipo de site em sua política descrita nos chamados “padrões da comunidade“, fica aqui minha pergunta idiota: qual a diferença para a realidade de nossa cidade, principalmente para os moradores de áreas geograficamente aculturadas pela violência pragmática, se a página sai do ar?
O que muda lá no Morro do Alemão ou em “comunidades” – abomino este termo discricionário; Copacabana não é comunidade? – de Vigário Geral, Antares, Maré etc.? Por acaso mães enlutadas, filhos trabalhadores do tráfico, mortes, execuções, violência de Estado, violência entre iguais, “tribunais” locais, crianças-soldados, cemitérios abaixo das casas e ruas deixaram de existir ou de “já ter acontecido” nestes últimos 40 anos?
Discurso épico
Exibir o grotesco do cotidiano captado ou por lentes próprias ou de páginas de noticiários impressos e de web de forma organizada (por pessoas que vivenciam este nossodia a dia violento e apátrida ou por espertos que resolveram faturar uns cobres a partir da curiosidade mórbida de nosotros) não é novidade. Apenas se repete a velha fórmula de nossos impressos e telejornais e de sites pornográficos. A novidade, aquela que vem do fundo de nossa hipocrisia, é que este site, inventado, distorcido, roubado de outros veículos, é uma ferida aberta que teima em contaminar toda a cidade, apesar do discurso límpido dos nossos não pobres, patéticos em sua negação.
Essa história de mortes, de soldados feridos, de jovens amargos, de tráfico, de dinheiro, de armas, é nossa história, a de nossa cidade, que teimamos em esconder sob o discurso da ordem, do progresso e da esperança da paz. O aprendizado do orgulho, das lutas, o mito do inimigo na polícia ou nos bandidos não se apaga com um discurso épico e emocionado de um governante, de um dono de mídia ou de uma dona de casa; não se esquece com a retirada de uma simples página do Facebook. As mães estão enlutadas, nós estamos enlutados. Quem vai pagar esta conta?
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Ilana Polistchuck é médica e jornalista