Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Por que os jornais valem menos na internet

A Associação de Jornais dos Estados Unidos está anunciando o resultado de uma pesquisa da Nielsen sobre o comportamento dos internautas. A constatação mais notável é que aumentou em 6% a média mensal de acessos únicos a sites de jornais americanos, no ano de 2007 em relação a 2006. Isso significa um acréscimo de 3,6 milhões de leitores por mês. Durante o ano anterior, os sites de jornais tinham mantido regularmente 57,6 milhões de visitantes por mês. No final de 2007, essa média subiu para 62,8 milhões – um recorde desde 2004, quando a Nielsen foi contratada para fazer a contagem.

Os jornais americanos estão comemorando. O presidente da NAA (sigla de Newspaper Associaton of America), John F. Sturm, observou que o setor continua em mutação acelerada e os jornais estão se transformando em companhias multimídia. ‘Na medida em que a transição do setor acelera, fica claro que os consumidores reconhecem os jornais como sua fonte confiável de informação num ambiente cada vez mais digitalizado’, declarou.

Outra empresa de pesquisa de comunicação, eMarketer, anuncia que, apesar da crise financeira com origem nos Estados Unidos, a publicidade online vai continuar crescendo em todo o mundo, devendo ter fechado 2007 com um total de 21 bilhões de dólares, valor que deve dobrar em 2011. O Group M, empresa de pesquisa pertencente ao grupo WPP, afirma que a publicidade na internet vai superar os anúncios na televisão já em 2009. O primeiro país onde isso irá acontecer é a Inglaterra, devendo ocorrer o mesmo na Suécia e na Dinamarca praticamente no mesmo período.

Valor dos anúncios

O que John Sturm e os outros dirigentes de jornais ainda não podem celebrar é o crescimento proporcional da fatia de receita para a chamada mídia tradicional. E a razão parece simples: é que, além de tradicionais, as empresas que imprimem e distribuem notícias no papel são conservadoras. Mesmo com a acelerada evolução da internet para o modelo ‘iPod’, que define mobilidade e pleno acesso, os jornais insistem em apresentar seu conteúdo no pesado formato .pdf, com o qual se tenta preservar o aspecto que a notícia tem no papel.

Dentro de pouco tempo, baixar vídeos em aparelhos do tamanho de um celular será prática generalizada. Os aparelhos de telefonia já se transformaram em minúsculos computadores capazes de receber e armazenar, para exibir ou transmitir para telas maiores, qualquer espécie de conteúdo multimídia. Com o advento da TV digital, algumas emissoras brasileiras começam a estudar os futuros modelos de negócio associados a essa tecnologia. E os jornais continuam funcionando como a âncora do processo, recusando-se a flexibilizar o formato de seus conteúdos.

Mesmo na internet, os jornais ainda são representados por texto e foto, e gráficos estáticos. O texto tem a mesma estrutura que se produzia no começo do século passado, mas perdeu qualidade com a ‘modernização’ dos anos 1990, quando até os jornais mais tradicionais adotaram o modelo fast food do USA Today.

Os gestores de jornais se perguntam frequentemente, nos seminários do setor, por que não se consegue aumentar o valor dos anúncios na internet. Se a audiência online tende a crescer continuamente, suplantando a leitura dos impressos e podendo superar até a televisão, mas o valor dos anúncios na internet não evolui na mesma proporção, tem-se uma conta que ali adiante não vai fechar.

Corrente viciosa

Qual é a causa desse descompasso? A observação dos meios permite arriscar um palpite. Talvez seja porque a percepção de valor do conteúdo seja diferente em cada meio. No jornal ou na revista, o leitor pode folhear para a frente ou para trás, passando os olhos muitas vezes pelo conteúdo jornalístico e pelos anúncios. A mensagem fica disponível por mais tempo diante de suas retinas. Além disso, o veículo permanece visível até mesmo na hora de embrulhar o peixe ou os dejetos do gato. Na televisão, o movimento e a repetição cumprem a função de convencimento do consumidor.

Na mídia impressa, o leitor fica diante do conteúdo jornalístico ou publicitário o tempo que quiser. Na televisão, o emissor é dono do tempo que o telespectador oferece diante do aparelho, e faz um uso proveitoso disso. Na internet, o usuário também é dono do seu tempo, e navega com mais rapidez, permanecendo menos tempo diante de cada elemento de informação. Como pode determinar o que vai ver e por quanto tempo, é o usuário que define se vai atentar ou não para a publicidade. Em geral, prefere descartá-la, porque atrapalha o acesso ao conteúdo que é de seu maior interesse.

O público leitor de jornais tende a crescer na medida em que cresce a internet, mas, nesse caso, audiência pode não significar receita publicitária. Enquanto os jornais permanecerem presos ao modelo de papel, o drama não tem fim. O aprendizado da interatividade parece penoso demais para o sistema que se habituou a ditar regras à sociedade.

Talvez uma forma de romper essa corrente viciosa seja investir em qualidade. Não há quem não se renda a uma história bem contada, a uma opinião fundamentada e descrita em linguagem adequada. Mas os jornais parecem ter esquecido como se faz.

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Jornalista