Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De cronópios, augustos e apocalípticos

Diferentes categorias existem para entender o mundo, as pessoas, a realidade.

O escritor Julio Cortázar criou dois tipos de personagens: os cronópios, amantes da poesia, guiados pela emoção; e os famas, prudentes, metódicos. Eduardo Suplicy é um típico cronópio. Geraldo Alckmin é fama.

Umberto Eco escreveu Apocalípticos e integrados. Integrado é aquele que se adapta, que ingere a programação da TV sem culpas, segue as modas, não vai teorizar, consome. O apocalíptico fareja a decadência, desconfia do que a multidão idolatra. Luciano Huck é integrado. Antônio Abujamra é apocalíptico.

Há uma outra classificação, ligada à imagem dos clowns, caricaturas vivas do ser humano. Uma distinção clássica menciona dois tipos: o branco e o augusto. O clown augusto é o palhaço coadjuvante, o bobão, manipulado pelo clown branco, que encarna o ‘chefe’, o sabe-tudo, o intelectualizado.

O branco não brinca em serviço

Mas o clown branco acaba demonstrando suas fragilidades, o ridículo que habita em todos nós. E, de repente, o augusto surpreende, mostra-se genial, genialidade que também em todos nós se encontra adormecida. O clown branco representa a ordem rígida, o dever. O clown augusto é invenção, quebra de rotinas, surpresa.

A dupla branco e augusto pode nos ajudar a entender um pouco das relações sociais, as pessoas que se tornam notícia, o modo de fazer mídia, arte, ciência, política, o nosso próprio comportamento.

Fellini gostava de usar essa chave interpretativa. Para ele, Hitler era um clown branco. Mussolini, um augusto. Papa Pio XII, um branco. Papa João XXIII, um autêntico augusto. Freud, um branco. Jung, um augusto. O augusto é sonho, não é sério, arrisca, leva um tombo. O branco não brinca em serviço, cobra resultados, impera.

Classificações instrumentais

FHC é branco, Lula é augusto. O recém-falecido Enéas Ferreira Carneiro, o Dr. Enéas, era augusto (fazendo pose de branco). Paulo Maluf é branco, Jânio Quadros era augusto. Brizola era augusto, Serra é branco. Papa Bento XVI é branco, João Paulo II estava mais para augusto. Einstein era augusto. Thomas Edson era branco. Paulo Coelho, augusto. José Saramago, branco.

Chacrinha foi o nosso grande augusto. Sílvio Santos é branco. Jô Soares, branquíssimo. Boris Casoy é branco. Marília Gabriela é branca, não fossem suas entrevistas tão ‘freudianas’. O pessoal do Pânico na TV é augusto.

São classificações instrumentais, tentativas, uma forma de compreender aquilo que, para além das nossas intuições e racionalizações, excede enquadramentos.

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Doutor em Educação pela USP e escritor, www.perisse.com.br